Julgamentos simultâneos

STF adia conclusão sobre lucro de coligadas estrangeiras

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3 de abril de 2013, 21h52

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal adiou o julgamento sobre a tributação do lucro de empresas coligadas e controladas por brasileiras no exterior sem que tenha predominado qualquer uma das linhas de pensamento discutidas pelos ministros em plenário nesta quarta-feira (3/3). Não foi formada maioria no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que tratava do tema, a fim de se resolver o conflito entre a Fazenda Federal e empresas multinacionais.

O que o Supremo precisa definir é o momento da tributação, por meio de Imposto de Renda de Pessoa Física e Contribuição Social sobre Lucro Líquido. O fisco entende que a cobrança deve acontecer quando o lucro é apurado. As empresas argumentam que, como ambos os impostos em questão incidem sobre renda, a tributação só poderia acontecer quando o lucro é distribuído aos sócios no Brasil — quando efetivamente o ganho se converte em renda.

A sessão desta quarta foi conjunta. A matéria é tratada em uma ADI e em dois recursos extraordinários, todos discutindo a constitucionalidade do artigo 74 da Medida Provisória 2.158/2001. É esse o dispositivo que autoriza a interpretação da Receita Federal. Para as empresas, a norma consiste em bitributação e trata como renda o que não é, práticas vedadas pela Constituição Federal, segundo os contribuintes.

Uma conclusão do Supremo sobre o caso é esperada pelo governo federal e por contribuintes há anos. E foi adiada mais uma vez porque, como reconheceu o próprio presidente do STF, não se pôde chegar a um “voto médio” sobre a questão. Os ministros discutiram a ADI, mas Barbosa reconheceu que o fim da discussão pode vir em um dos dois REs que abordam a matéria.

Muitos votos
Embora o julgamento da ADI tenha sido concluído, não foi possível chegar a uma conclusão sobre sua procedência. Já haviam votado os ministros Ellen Graice, Nelson Jobim, Eros Grau, Sepúlveda Pertence, Cezar Peluso e Ayres Britto, aposentados, e os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

Faltava, portanto, o voto-vista de Joaquim Barbosa. Quatro ministros – Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski – acolheram a procedência da ADI e outros quatro, Nelson Jobim, Eros Grau, Cezar Peluso e Ayres Britto, votaram pela improcedência.

A então relatora da ação, ministra Ellen Gracie, votou pela procedência parcial quando entendeu como inconstitucional a expressão “ou coligadas”, contida no artigo 74 da MP 2158/01. A ministra argumentou, na ocasião, que há uma diferença conceitual entre empresa “controlada” e “coligada”, e, portanto, a palavra “ou” estava mal empregada.

O ministro Joaquim Barbosa trouxe, nesta quarta-feira, ao Plenário, seu voto-vista sobre a ADI, sendo ainda relator dos dois recursos especiais. Nos Recursos Extraordinários faltavam os votos de todos os ministros, inclusive de Barbosa, o relator de todos eles.

Barbosa votou pela procedência parcial da ADI em um sentido diferente do de Ellen Graice. Para o presidente do STF, a MP é inconstitucional, mas, no caso de empresas domiciliadas em paraísos fiscais, cabe, sim, a tributação com base na data do balanço, a fim de se coibir práticas de evasão fiscal. Como a ministra Ellen Graice não entrou nesse mérito em seus votos, os ministros acabaram entrando em um impasse em relação à proclamação do resultado.

Decisão em suspenso
O presidente do STF reconheceu no fim da sessão desta quarta que direções diversas assinaladas por ministros aposentados tornaram difícil  extrair uma conclusão do julgamento da ADI.

“Não houve possibilidade de somatório que leve aos votos para se declarar a constitucionalidade ou não da legislação atacada”, disse o ministro Gilmar Mendes um pouco antes do término da sessão. Em ocasião anterior, Barbosa já havia mencionado a dificuldade de se formar convicção por meio do julgamento de um processo antigo, votado por uma maioria de ministros já aposentados. Barbosa defendeu, assim, que a matéria fosse discutida a partir de uma ação mais recente, como é o caso dos recursos extraordinários em trâmite.

O ministro Dias Toffoli entendeu, contudo, que foi formada maioria de seis votos para declarar a inconstitucionalidade da MP, pelo menos nos casos de empresas domiciliadas em países que não são paraísos fiscais. Mas como a ministra Ellen Gracie não abordou esse tema, os demais ministros resistiram em acompanhar a conclusão de Toffoli.  O ministro Ricardo Lewandowski chegou a cogitar a perda de objeto dos recursos extraordinários frente à decisão do julgamento da ADI.

A ADI, de número 2.588, foi ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) há 12 anos. O Recurso Extrordinário 611.586 foi ajuizado pela Coamo Agroindustrial Cooperativa, sediada no Paraná, e teve a repercussão geral reconhecida. O RE 541090 opõe União e a Empresa Brasileira de Compressores.

Na próxima quarta-feira (10/4) o presidente do STF escolherá se cabe proferir o resultado do julgamento da ADI ou prosseguir com o julgamento dos recursos extraordinários.

Paraísos fiscais
Na prática, o que se depreende é há pelo menos três linhas de entendimento sobre o assunto. A primeira reconhece a inconstitucionalidade da norma que autoriza a taxação com base no balanço feito no exterior e não na distribuição dos dividendos no Brasil. Outro grupo de ministros reconheceu a legalidade da norma, e o ministro Joaquim Barbosa rejeitou a regra contanto que a empresa não esteja sediada em paraíso fiscal.

Ao proferir seu voto-vista na ADI, o ministro criticou o entendimento de que o risco de práticas de evasão ou elisão fiscal autorizaria o Estado a atalhar o devido processo legal. Para ele, esse argumento se sustenta em uma possibilidade abstrata de empresas que têm coligadas ou controladas no exterior se incutirem em práticas de evasão fiscal.

O ministro observou que, na lógica da norma questionada, todo contribuinte é um sonegador em potencial. Isso porque, segundo sua argumentação, a autoridade fiscal não precisa provar ter ocorrido a disponibilização jurídica do lucro, concluindo que, se o lucro foi apurado, foi internalizado sem ter sido declarado.

Citando o jurista Tim Wu, da Faculdade de Direito da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, Joaquim Barbosa classificou o entendimento de “posição arriscada”. Nessa visão, "o contribuinte viola sem intenção um  sem número de normas, dadas a complexidade e volume das leis em vigência”, disse. Para o ministro, não cabe pensar nesses termos. “A boa-fé do contribuinte é a contrapartida do devido processo legal para a autoridade fiscal”, insistiu.

O ministro Marco Aurélio reiterou a conclusão do presidente do STF. Argumentou que o risco de ocultação do fato jurídico ou da obrigação tributária não justifica que se tribute com base apenas na disponibilidade jurídica do lucro. “Já temos um arcabouço legislativo para ser acionado pelo fisco para coibir a fraude”, observou o ministro.

Regime de competência
Sem chegar a uma conclusão em relação ao resultado da ADI, o ministro Joaquim Barbosa iniciou o julgamento dos recursos extraordinários. Apesar de se alinhar com os ministros que reconhecem a ilegalidade da MP, o ministro negou provimento ao RE 611.586 por entender que a requerente, a Coamo Agroindustrial Cooperativa, tem lucro aferido em paraíso fiscal. Barbosa negou provimento ao RE 541090, que tem a União como requerente, reafirmando assim sua conclusão pela inconstitucionalidade da norma.

O ministro Teori Zavascki foi o primeiro a votar depois do relator e se alinhou, ao julgar os recursos extraordinários, com os ministros que reconheceram a constitucionalidade da regra e, assim, concluíram pela improcedência da ADI. Zavascki observou que o artigo 74 da Medida Provisória “não criou tributo novo”, apenas alterou o sistema de aferição até então regido pelo regime de caixa, passando agora para o regime de competência.

Zavascki lembrou que com o advento do artigo 25 da Lei 9249/1995, as empresas  promoveram um redesenho de sua estrutura corporativa, a fim de ter seus lucros auferidos no exterior, facilitando, assim, movimentos de elisão fiscal. A partir de 1997, lembrou, ficou estabelecido que empresas controladas ou coligadas deveriam ser tributadas a partir do regime de caixa, com base na distribuição dos dividendos disponíveis já em território nacional, e que as filiais e sucursais deveriam ser taxadas com base na data de balanço, pelo regime de competência.

Teori Zavascki disse, contudo, que aquele sistema ainda permitia movimentos de elisão fiscal até que a edição de novas normas culminasse na Lei 2158/2001, estendendo também para as coligadas e controladas o mesmo tratamento concedido às filiais e subsidiárias.

O ministro observou que o regime de competência vigora no ordenamento jurídico doméstico desde 1976. “Se dissermos que o regime de competência é inconstitucional, teremos que a considerar inconstitucional também no sistema interno.” O ministro negou provimento ao RE ajuizado pela Coamo e acolheu aquele que tem como requerente a União.

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