Direito Comparado

Responsabilidade Civil nas redes sociais nos EUA

Autor

  • Otavio Luiz Rodrigues Junior

    é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP) com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

3 de abril de 2013, 12h59

Nesta quarta e última coluna, o tema da responsabilidade civil por atos ilícitos cometidos nas redes sociais é analisado sob a ótica comparatista. Nas últimas semanas, apresentou-se um quadro de conflitos possíveis envolvendo as redes sociais, com a visualização de seus agentes e vítimas, além de se expor o estado da arte da matéria na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Quanto a esse ponto, ficou evidente que o STJ assentou dois fundamentos para esses casos: a) o Código de Defesa do Consumidor incide sobre as relações envolvendo usuários e provedores, ainda que o serviço seja gratuito, não se aplicando, contudo, a responsabilidade objetiva; b) os provedores só respondem depois de notificados pela vítima e, passadas 24 horas, se não suprimirem a publicação ofensiva.

É importante observar como se tem desenvolvido essa questão no Direito Comparado e nada mais oportuno do que centralizar as pesquisas no Direito norte-americano, espaço onde surgiram os primeiros conflitos jurídicos envolvendo as redes sociais e o uso da internet.

Um caso que é sempre citado como referência nessa matéria é o Cubby, Inc. v CompuServe Inc., 776 F. Supp. 135 (SDNY 1991)[1], julgado pelo Tribunal dos Estados Unidos para o Distrito Sul de Nova York (United States District Court for the Southern District of New York). Os elementos descritivos do julgamento são os seguintes: a) o provedor de conteúdo CompuServe criou um fórum na internet, no qual figurava como “editor” e recebia as contribuições dos usuários; b) a empresa Cubby e Robert Blanchard sentiram-se atingidos por declarações supostamente difamatórias postadas no fórum e processaram CompuServe, com base na legislação federal e estadual, que responsabilizavam os editores por eventuais publicações lesivas em periódicos impressos; c) o provedor sustentou que não sabia previamente (muito menos teria condições de saber) do conteúdo ofensivo que foi postado no fórum e que não lhe seria exigível detectar todas as publicações lesivas e apagá-las de maneira eficiente.

O Tribunal de Nova York, em um julgamento antecipado da lide (tradução um pouco forçada para summary judgment), sem levar o caso a Júri, considerou que o provedor não é responsável. O acórdão tem diversos capítulos, mas, para o que interessa a esta coluna, é conveniente centrar-se no problema da veiculação de conteúdo difamatório. Segundo a District Court for the Southern District of New York, há um princípio consolidado na jurisprudência de que a responsabilidade do agente que repete ou republica o conteúdo difamatório é equivalente a do autor original. No entanto, conforme a jurisprudência das Cortes de Nova York, os livreiros, jornaleiros e as bibliotecas, que vendem ou permitem o acesso a publicações com textos difamantes, nunca foram responsabilizados sob esse fundamento, até porque não conhecem nem tem razão para saber desse teor ofensivo de tudo o que alienam ou emprestam a seus compradores ou usuários. Referindo-se a outro precedente, o tribunal anotou que já se eximiu de responsabilidade um livreiro acusado de ter a posse de uma publicação pornográfica. Na prática, se isso fosse levado adiante, o livreiro assumiria um encargo público de censor oficial e isso não era cabível.

No caso dos autos, salientou a corte nova-iorquina, o produto oferecido por CompuServe, que “está na vanguarda da revolução da indústria da informação”, é essencialmente, uma biblioteca eletrônica, com fins lucrativos, que contém um grande número de publicações e que faz uso das contribuições de seus usuários. A “alta tecnologia aumentou, de maneira acentuada, a velocidade com a qual a informação é coletada e processada”, o que permite a um indivíduo, “com um computador pessoal, modem e uma linha telefônica”, tenha a milhares de notícias e novas publicações dos Estados Unidos e de todo o mundo. Na prática, a empresa não tem mais controle sobre tudo o que é publicado em seu fórum, o que a equipara, nesse aspecto, a uma biblioteca pública, uma livraria ou a uma banca de jornal. Não mais seria viável que a CompuServe examinasse cada publicação que coloca em seu fórum, sob o color de se coibir potenciais danos ou evitar conteúdos difamatórios. Segundo a corte, “a tecnologia está transformando rapidamente a indústria da informação” e estabelecer a regra do controle prévio é o mesmo que inviabilizar essa nova atividade econômica.

Ademais, ao longo da fundamentação, o acórdão fez diversas menções à Primeira Emenda e ao direito constitucional de liberdade de expressão, o que, de certa forma, também se conecta com o debate sobre o controle prévio e a assunção de um papel de censor pelos provedores, tal como exposto nas colunas das últimas semanas.

Em 1996, o Congresso dos Estados Unidos da América aprovou o Communications Decency Act (CDA), sancionada pelo presidente Bill Clinton, em cujo artigo 230 está a mais importante referência normativa sobre a responsabilidade dos provedores de conteúdo. Em larga medida, a opção legal foi influenciada pela jurisprudência norte-americana, especialmente pelo caso Cubby, Inc. v CompuServe Inc. As discussões geradas pela nova lei, de modo específico as relacionadas à liberdade de expressão, dariam uma coluna à parte. Fique-se, portanto, com o artigo 230 do CDA, assim redigida: “Nenhum provedor ou usuário de um serviço de computação interativo deve ser considerado como um editor ou um difusor de qualquer informação fornecida por outro provedor de conteúdo”[2].

A jurisprudência norte-americana, segundo o completo inventário realizado por Ronaldo Lemos, Carlos Affonso Pereira de Souza e Sérgio Branco, tem-se baseado (não exclusivamente, mas primordialmente) no artigo 230 do CDA para não responsabilizar os “provedores por conta de disponibilização, por seus usuários, de material considerado violador de direitos” [3]. São exemplos dessas decisões, com enfoque específico para o tipo de conflito que vem sendo estudado nas últimas colunas:

a) Blumenthal vs. Drudge (1998): a AOL (American On Line) foi considerada irresponsável por matérias difamatórias publicadas em uma coluna de fofocas mantida em seu portal. O provedor não responderia pelos danos, mesmo diante da circunstância de o colunista Matt Drudge (que ofendeu Sidney Blumenthal) ser remunerado pela AOL; que processou tanto Drudge quanto AOL. A corte competente julgou que, nos termos do artigo 230 do CDA, a AOL estava isenta de responsabilidade, mesmo sendo o colunista remunerado.

b) Jane Doe vs . America Online (2001): Um dos serviços mais populares na internet, na década passada, eram as salas de bate-papo. Em uma delas, também mantida pela AOL, um dos usuários declarou-se interessado na compra de material com conteúdo ligado à pedofilia. Uma das usuárias moveu ação contra a AOL, sob a alegação de que o provedor deveria responder quando seu serviço se prestasse à difusão de pornografia infantil. O Tribunal da Flórida, que apreciou o caso, decidiu com base no artigo 230 do CDA, mas é de ser registrado o voto vencido do juiz Lewis, para quem a interpretação adotada terminou por abrir espaço para diversas condutas ilícitas no âmbito da internet, concedendo aos provedores de conteúdo uma verdadeira “imunidade total”. Para o voto dissidente, a interpretação do Tribunal da Flórida “incentiva e protege a participação dos provedores de conteúdo como verdadeiros cúmplices silenciosos”, o que não parece ter sido a verdadeira intenção do Congresso dos Estados Unidos.[4]

c) Doe vs. Bates (2006): John e Jane Doe processaram Mark Bates e o provedor Yahoo!, em razão de Bates haver postado fotos com pornografia infantil em um grupo de discussões da mencionada empresa. O Tribunal Distrital para o Distrito Leste do Texas eximiu o provedor de qualquer responsabilidade, por entender que só a pessoa natural (Bates) que havia divulgado o material obsceno é que deveria ser punido, seguindo-se os termos do art. 230 do CDA.[5]

d) Barrett vs. Rosenthal (2006): Neste caso, que foi julgado pela Suprema Corte do Estado da Califórnia, possui os seguintes elementos descritivos: a) Stephen J. Barrett e Timothy Polevoy mantinham um site dedicado a expor fraudes no sistema de saúde norte-americano; b) Ilena Rosenthal coordenava um grupo de discussão na internet, no qual foram proferidos ataques a Barrett e a Plevoy, todos com forte conteúdo difamatório. No Tribunal, após intensas discussões, não se admitiu a condenação de Rosenthal tomando-se por fundamento o artigo 230 do CDA e reverteu o julgamento das instâncias inferiores, que consideram haver sido cometido ilícito, na medida em que, mesmo após a notificação das vítimas, a ofensa persistiu.

Os precedentes e a legislação dos Estados Unidos apresentam ao Direito brasileiro um caminho diferente, marcado pela quase total ausência de responsabilidade dos provedores de conteúdo e agentes afins. Como bem ressalta Luiz Antônio Freiras de Almeida, no modelo norte-americano, “o único responsável é o autor da informação ilícita e a vítima deveria acionar o autor do ato lesivo de sua honra, não respingando qualquer responsabilidade civil sobre os provedores de serviço intermediários e provedores de conteúdo nas mais diversas atividades — backbone, acesso à Internet, correio eletrônico, blogs, chats, hospedagem ou armazenamento principal, sites de relacionamento etc. —, tenham feito ou não controle editorial prévio e ainda que estivessem cientes do conteúdo ilícito”.[6]


[1] Disponível em http://epic.org/free_speech/cubby_v_compuserve.html. Acesso em 2-4-2013.

[2] No original: “No provider or user of an interactive computer service shall be treated as the publisher or speaker of any information provided by another information content provider”.

[3] Sugere-se consultar: LEMOS, Ronaldo; SOUZA, Carlos Affonso Pereira de; BRANCO, Sérgio. Responsabilidade civil na internet: uma breve reflexão sobre a experiência brasileira e norte-americana. Revista de direito das comunicações, v. 1, n. 1, p. 80-99, jan./jun. 2010.

[4] Disponível em: http://www.kentlaw.edu/faculty/rwarner/classes/legalaspects/preventing_access/IntermediaryLiability/cases/Jane_doe_v_AOL.htm. Acesso em 2-4-2013.

[5] Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/13857396/Doe-v-Bates-ED-Tex-Jan-18-2006-Report-and-Recommendation-of-US-Mag-Judge. Acesso em 2-4-2013.

[6] ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas de. Violação do direito à honra no mundo virtual: a (ir) responsabilidade civil dos prestadores de serviço da internet por fato de terceiros. MIRANDA, Jorge; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; FRUET, Gustavo Bonato. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2012. p. 259.

Autores

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    é advogado da União, pós-doutor (Universidade de Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); membro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française (Paris, França) e da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano (Oviedo, Espanha).

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