Processo do mensalão

Substituto de Britto relatará embargos da Ação Penal 470

Autor

  • Alberto Pavie Ribeiro

    é advogado e sócio do escritório Gordilho Pavie e Aguiar Advogados Associados. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral e do Instituto Victor Nunes Leal.

1 de abril de 2013, 16h03

Parece não ter vindo à tona questão interessante sobre os próximos passos da Ação Penal 470. Refiro-me à definição sobre quem será o ministro relator dos embargos de declaração já anunciados pelas partes.

Sim. Qualquer servidor da “Distribuição” do STF sabe que tão logo venha a ser publicado o acórdão da AP 470, deverá o processo ser submetido à redistribuição, por sucessão, ao ministro que tomar posse na vaga deixada pelo ministro Ayres Britto, na hipótese de serem oferecidos os embargos de declaração.

É que, de acordo com a compreensão dada pelo STF às suas normas regimentais, caberá ao novo ministro do Supremo Tribunal Federal — aquele que ainda não foi nomeado pela Presidente da República — a relatoria dos referidos embargos de declaração.

Isso se dará porque o relator originário, ministro Joaquim Barbosa, ao assumir a Presidência da Corte, não poderá permanecer como relator do processo.

Há regra expressa no Regimento Interno do STF (art. 75) estabelecendo que "O Ministro eleito Presidente continuará como Relator ou Revisor do processo em que tiver lançado o relatório ou aposto o seu visto".

Somente nessa especial hipótese é que o ministro eleito presidente permanece como relator dos processos que lhe foram distribuídos antes de assumir a Presidência do tribunal.

Quando assume a Presidência o ministro do STF perde a relatoria de todos os processos que lhe foram anteriormente distribuídos e assume a relatoria de todos os processos que são da competência da Presidência do STF.

Aliás, o STF já teve a oportunidade de afirmar esse entendimento em acórdão da lavra do eminente ministro Sepúlveda Pertence, diante da alegação de incompetência do novo relator, por sucessão decorrente da posse do ministro Celso de Mello na Presidência, ao julgar o agravo regimental no RE 113.111. Afirmou o Supremo, naquela oportunidade, que o novo presidente somente permaneceria como relator do processo originariamente distribuído a ele na hipótese especial da vinculação prevista no artigo 75 do Regimento Interno, ou seja, nos processos em que ele tivesse lançado relatório ou aposto o seu visto:

EMENTA: 1. Embargos de declaração convertidos em agravo regimental. 2. Agravo regimental: alegação improcedente de incompetência do Relator para a decisão do recurso extraordinário: redistribuição, por sucessão, decorrente da posse do em. Ministro Celso de Mello, então relator, na Presidência da Corte: caso em que não se configura a hipótese de vinculação prevista no art. 75 do RISTF ("O Ministro eleito Presidente continuará como Relator ou Revisor do processo em que tiver lançado o relatório ou aposto o seu visto").
(RE 113111 ED, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 03/10/2006, DJ 27-10-2006 PP-00049 EMENT VOL-02253-03 PP-00565 LEXSTF v. 29, n. 337, 2007, p. 220-222)

E a razão parece lógica e óbvia, já que, ao lançar o relatório ou aposto o visto, estará o ministro do STF indicando que o processo teve parte ou totalidade do seu estudo concluído — e aí a vinculação ao feito —, razão pela qual poderá ser submetido por ele mesmo ao julgamento do órgão coletivo do tribunal.

No caso do atual Presidente do STF, os processos que lhe haviam sido distribuídos deveriam ter sido redistribuídos, por sucessão, ao ministro que “deixou” a Presidência, vale dizer, o ministro Ayres Britto.

E aí surge a questão, que parece não estar sendo objeto de consideração.

Como o ministro Ayres Britto deixou não apenas a Presidência, como também o tribunal, caberá ao seu sucessor receber, por herança, o acervo de processos que lhe caberia e que era do atual ministro presidente do STF.

Essa redistribuição por sucessão decorre da previsão contida no § 8º do artigo 4º do Regimento Interno do Supremo, quando estabelece que "O Presidente do Tribunal, ao deixar o cargo, passa a integrar a Turma de que sai o novo Presidente".

No âmbito do STF não há dúvida quanto à necessidade de se proceder a redistribuição ao ex-presidente, dos feitos que antes tinham como relator o presidente empossado.

A Presidência do STF indica, sempre, como fundamento da redistribuição, o artigo 38 do Regimento Interno.

Pouco importa que o artigo 71 do Regimento disponha no sentido de que "os embargos declaratórios e as questões incidentes terão como relator o do processo principal", ou que o § 2º do artigo 337 disponha no sentido de que "independentemente de distribuição ou preparo, a petição será dirigida ao Relator do acórdão que, sem qualquer outra formalidade, a submeterá a julgamento na primeira sessão da Turma ou do Plenário, conforme o caso".

Essas regras não têm aplicação para os processos de relatoria de ministro que vem a assumir a Presidência do tribunal, porque, como dito, ele deixa de ser relator daqueles feitos.

Com efeito, em milhares ou centenas de milhares de processos, o STF tem adotado o procedimento de determinar a redistribuição dos processos que eram do ministro que vem a ser eleito presidente para o ministro que deixa a Presidência, quer aqueles que não tenham sido julgados, quer aqueles que já tenham sido julgados, mas estejam impugnados por novo recurso.

A título apenas de exemplo, basta verificar os processos que eram da relatoria do ministro Ayres Britto e que foram julgados antes de Sua Excelência assumir a Presidência do STF, com acórdãos publicados após o dia 19 de abril de 2012, data na qual tomou posse.

No AI 626.273, por exemplo, a 2ª Turma do STF negou provimento a um Ag.Rg. no dia 27 de março de 2012, tendo como relator o ministro Ayres Britto. Publicado o acórdão no dia 20 de abril, portanto, um dia depois de ter assumido a Presidência do STF, uma das partes apresentou embargos de declaração. Ato seguinte, em 4 de maio deu-se a redistribuição do processo, por sucessão, para o ministro Cezar Peluso, com base no artigo 38 do Regimento Interno do Supremo. Com a aposentadoria do ministro Cezar Peluso deu-se, em seguida, a substituição do relator, agora para o ministro Teori Zavascki. Como se pode ver, mesmo tendo o referido processo sido julgado pela 2ª Turma, sob a relatoria do ministro Ayres Britto, caberá agora ao ministro Teori Zavascki relatar o feito e submetê-lo ao julgamento da 2ª Turma, bem esclarecido que se trata dos embargos de declaração.

Dir-se-á, contra o entendimento do STF, que esse procedimento não seria aplicável aos processos da competência do Plenário, porque o presidente do STF integra o Plenário, não fazendo parte apenas das turmas. Para alguns, esse fato não justificaria a perda da relatoria do processo de competência do Plenário por parte do ministro que vem a assumir a Presidência. Somente faria sentido a perda da relatoria dos processos da competência da turma.

Assim, porém, não tem entendido o STF. Para a Corte, basta o fato de o ministro assumir a Presidência, para que se dê a perda da relatoria de todos os processos que lhe haviam sido distribuídos, excetuando apenas e exclusivamente aqueles nos quais ele tivesse “lançado o relatório” ou “aposto o visto” (art. 75 do RISTF).

Cito, a título de exemplo, a Ação Penal 512, cujo relator originário era o ministro Ayres Britto. Diante da prolação de uma decisão interlocutória por parte do eminente ministro em 16 de novembro de 2009, deu-se a interposição de um Agravo Regimental que veio a ser julgado pelo Plenário do STF em 15 de março de 2012. Publicado o acórdão em 20 de abril de 2012, também um dia depois de o ministro Ayres Britto ter assumido a Presidência do STF, verificou-se o oferecimento de embargos de declaração contra o acórdão então publicado, que, reafirme-se, era da relatoria do ministro Ayres Britto.

Indague-se se a referida Ação Penal permaneceu sob a relatoria do eminente ministro Ayres Britto e a resposta será desenganadamente negativa. Deu-se a redistribuição do processo por sucessão, também com base no artigo 38 do Regimento Interno do Supremo, para o eminente ministro Cezar Peluso. Agora, com a aposentadoria de Sua Excelência, o processo foi redistribuído para o ministro Teori Zavascki, que passou a ser o relator da Ação Penal 512.

Por mais que seja óbvio, convém registrar que não se mostra possível a qualquer ministro do STF que venha a assumir a Presidência “lançar relatório” ou “apor o visto” em face de recurso apresentado somente depois de ele assumir a Presidência.

Essa possibilidade está restrita aos feitos que estavam conclusos a ele antes de assumir a Presidência.

Então, o mesmo destino que foi dado aos processos que eram da relatoria do ministro Ayres Britto antes de Sua Excelência assumir a Presidência do STF, haverá de ser dado aos processos que eram da relatoria do ministro Joaquim Barbosa pelo fato de Sua Excelência ter assumido a Presidência.

Isso quer dizer que, assim como os processos que eram da relatoria do ministro Ayres Britto foram redistribuídos, por sucessão, ao ministro Cezar Peluso e, deste, em razão de sua aposentadoria, para o ministro Teori Zavascki, deverão os processos que eram da relatoria do ministro Joaquim Barbosa ser redistribuídos, por sucessão, ao ministro que vier a ocupar a vaga do ministro Ayres Britto.

Se o ministro Ayres Britto não tivesse se aposentado, já teriam os processos que eram da relatoria do ministro Joaquim Barbosa sido redistribuídos a Sua Excelência. Foi a aposentadoria do eminente ministro Ayres Britto que impediu, até o presente momento, a redistribuição por sucessão de todos os processos que eram do ministro Joaquim Barbosa.

Por essa razão, os processos que eram da relatoria do ministro Joaquim Barbosa estão, no momento, aguardando a nomeação do novo ministro, uma vez que caberá a esse novo ministro receber tais processos.

Como se pode ver, mantido o entendimento do STF sobre a matéria, caberá ao futuro ministro do STF, ainda não nomeado, a relatoria dos eventuais embargos de declaração que as partes vierem a oferecer em face do acórdão da AP 470.

Nada obsta, porém, que passados 30 dias após o oferecimento dos embargos de declaração, venham as partes a requerer a “redistribuição aleatória” da AP 470 dentre os demais ministros da Corte, caso ainda não tenha sido nomeado um novo ministro pela Presidente da República.

Essa redistribuição estará condicionada, porém, ao juízo exclusivo da Presidência do STF, para decidir se se trata da hipótese de aplicar à Ação Penal a regra de redistribuição, por ausência do relator por mais de 30 dias, prevista para outros processos, como admite o § 1º do artigo 68 do Regimento Interno do STF.

Há mais. Além de a Ação Penal não permanecer sob a relatoria do relator originário, perderá, igualmente, a figura do revisor.

É que, se de um lado está prevista a figura do “revisor” na “ação penal originária” (RISTF, art. 23, III), de outro está previsto, no parágrafo único do mesmo artigo 23, que “nos embargos relativos aos processos referidos não haverá revisão”.

A dúvida que se tem é se esse fato — de a relatoria da AP 470 passar ao novo ministro do STF — repercutirá no processo de escolha desse novo ministro.

A contaminação desse processo poderá ser evitada com a redistribuição cogitada, desde que configurada a hipótese regimental antes da posse do novo ministro.

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  • Brave

    é advogado da Associação dos Magistrados Brasileiros, sócio do escritório Gordilho Pavie e Frazão Advogados Associados e do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral.

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