Insegurança jurídica

A concessão suspensiva no recurso extraordinário

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30 de setembro de 2012, 7h58

Sabidamente, o recurso extraordinário, regra geral, não goza de efeito suspensivo (artigo 542, §2º, CPC). Todavia, existem situações extremas que, para fins de preservação de direitos, exigem a excepcional concessão de feito suspensivo. Nesse contexto, surgiam duas alternativas à parte recorrente: 1ª) interposição de recurso extraordinário e concomitante propositura de ação cautelar no STF para fins de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto no tribunal de origem; ou, 2ª) interposição de recurso extraordinário com pedido de efeito suspensivo no próprio bojo recursal a ser enfrentado liminarmente ou no próprio juízo de admissibilidade do apelo constitucional.

A matéria sempre foi contraditória, gerando posições díspares. Enquanto uns sustentavam que o pedido suspensivo deveria ser feito e enfrentado no âmbito do egrégio STF, outros defendiam que a competência para o deferimento ou não do efeito suspensivo ao recurso extraordinário era do próprio tribunal prolator do acórdão recorrido. Após longas e intermináveis discussões, a colenda Suprema Corte baixou as Súmulas 634 e 635 com vistas a encerrar a celeuma processual e garantir a segurança jurídica e sua inerente previsibilidade de condutas.

Diz a Súmula 634 do STF: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem.” Já a Súmula 635/STF externou: “Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade.” Pois bem, da leitura conjunta dos referidos enunciados sumulares, exsurge a regra jurisprudencial de que, quando ainda de pendente de juízo de admissibilidade, a concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário deve ser pleiteada diretamente no Tribunal local, sendo, portanto, despiciendo e impróprio o manejo de ação cautelar para tal fim perante a alta Corte Constitucional.

Todavia, a vida ensina que não existe regra jurídica absoluta. E assim o é porque a regra legal, por mais perfeita que seja, jamais conseguirá prever abstratamente o mar infinito dos fatos sociais. Exatamente, por isso, é que a lei deve ser interpretada com moderação e bom-senso. E, aqui, entra o papel fundamental do intérprete: levar as luzes da razão ao preto e branco da norma sobre o papel. Afinal, a extração fiel do sentido jurídico da norma não é um movimento mecânico, mas obra reflexiva e fundamentada daqueles que pensam o justo e não apenas recitam artigos de lei.

Ocorre que existe uma recente novidade que outorga excepcionalmente ao Supremo Tribunal o poder-dever de suspender decisões das cortes inferiores: o instituto da repercussão geral. Aliás, nos termos do artigo 102, §3º, da CF, o recorrente deve “demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso”, ou seja, a exposição fundamentada do caráter abrangente da violação constitucional passou a ser um requisito objetivo e necessário para a interposição válida do apelo extraordinário. Em outras palavras, o recurso extraordinário sem repercussão geral não passa de bala sem pólvora, impassível de vencer com êxito o juízo de admissibilidade recursal.

Agora, havendo repercussão geral já reconhecida em processo análogo e, portanto, servindo de paradigma ao caso concreto, poderá a parte recorrente se dirigir diretamente ao Supremo para fins de concessão recursal suspensiva. Sobre o ponto, merece a decisão da Ação Cautelar 3141/RJ, de relatoria do eminente Min. Marco Aurélio, que relativizou o âmbito de incidência das Súmulas 634 e 635/STF, vindo a fundamentar: “Após a edição dos citados verbetes, surgiu nova realidade concernente à dinâmica processual e, acima de tudo, à racionalização da atividade desenvolvida pelo Estado-juiz. Veio à balha o instituto da repercussão geral, a significar a definição de casos que, envolvendo preceito constitucional, apresentem interesse abrangente. Não se mostra demasiado proclamar que tudo se faz, presente esse ângulo, visando pronunciamento do órgão maior do Judiciário. Então, admitida a repercussão geral, ficam paralisados, em decorrência do fenômeno do sobrestamento, os processos em que já protocolizados, na origem, recurso extraordinário”.

Logo, nos casos que versem sobre matéria submetida à apreciação da Suprema Corte em repercussão geral, a parte recorrente – na hipótese de falta de sobrestamento legal (artigo 543-B, §1º, CPC) ou de inação jurisdicional da Corte a quo no sobrestar processual – poderá buscar o amparo cautelar suspensivo mediante provocação direta do egrégio STF. Sugere-se, todavia, que a parte interessada suscite, inicialmente, a questão no bojo do próprio recurso extraordinário. Se for o caso, o recorrente, após a interposição recursal, poderá ainda lançar petição autônoma nos autos, realçando à Presidência do tribunal local a necessidade de sobrestamento do feito por força de repercussão geral reconhecida. Assim, eventual silêncio sobre o tema servirá de reforço legitimador e justificante de possível medida cautelar a ser proposta no colendo STF.

Como se vê, as Súmulas 634 e 635 da Suprema Corte seguem pautando, regra geral, o procedimento de concessão suspensiva em recurso extraordinário. Todavia, poderão existir situações ímpares que forcem o relaxamento da rigidez sumular, evitando-se, com isso, que o desempenho da garantia do devido processo legal resulte em indevidos resultados jurídicos. Afinal, sendo um sistema lógico e harmônico, a ordem normativa necessariamente deve ter eficazes mecanismos internos de refutação de situações anômalas que fantasiem o valor justiça com injustas vestes de ilegalidade. Aliás, se a violação da lei é um vício insuportável, a afronta à Constituição é o vício supremo. E, para expungir o supremo dos vícios, é possível, inclusive, o excepcional manejo cautelar para sustar os efeitos do que viciado está.

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