Compreensão do comportamento

Um encontro marcado entre o Direito e a Neurociência

Autor

  • Rogério Neiva

    é juiz do Trabalho da 10ª Região ex-juiz auxiliar da Vice-Presidência do TST e da Presidência do CSJT mestre e doutor em ciências do comportamento (UnB) e autor do livro Técnicas e Estratégias de Negociação Trabalhista.

28 de setembro de 2012, 13h16

Não é preciso fazer um intenso esforço intelectual para concluir que o Direito e a Neurociência estão com encontro marcado. A influência que vários conceitos e construções neurocientíficas podem exercer nas ciências jurídicas é capaz de provocar uma verdadeira revolução em vários campos do Direito. E alguns fundamentos apontam que este caminho é mais do que natural.

Primeiramente, não se pode negar que a neurociência trata-se de um campo do saber em franca e intensa expansão. Há um enorme consenso nos segmentos científicos de que as últimas décadas estão sendo chamadas de décadas do cérebro. Vários fatores contribuem para isto, merecendo destaque os avanços proporcionados por pesquisas relevantes viabilizadas pelos exames de imagem.

Décadas atrás as pesquisas sobre o funcionamento cerebral eram desenvolvidas a partir de procedimentos totalmente invasivos e agressivos. Atualmente, os exames de imagem praticamente proporcionaram o estabelecimento de novos paradigmas.

Por outro lado, cada vez mais caminhamos no sentido da interdisciplinariedade. A realização de audiências públicas pelo Supremo Tribunal Federal para ouvir e colher informações de cientistas e pesquisadores de diversas áreas, como nos casos do julgamento envolvendo as pesquisas com células-tronco e sobre as cotas raciais em universidades públicas, trata-se de exemplos emblemáticos da importância da interdisciplinariedade.

Mas pensando especificamente no impacto que a Neurociência pode provocar no Direito, há dois aspectos merecedores de destaque. O primeiro consiste na compreensão neurocientífica dos comportamentos. O segundo corresponde às perspectivas e possibilidades de leituras de pensamento e memórias episódicas.

Quanto à compreensão do comportamento, a Neurociência vem nos proporcionando uma compreensão nunca antes imaginada. Até mesmo a psicanálise, que tem como pretensão compreender os elementos inconscientes que carregamos e os quais influenciam nossos comportamentos, está em processo de reflexão, de modo a promover, por exemplo, uma releitura de Freud a partir da Neurociência.

Mas o fato é que as construções neurocientíficas nos permitem entender nossas atitudes e vontades sob outro prisma. Conforme sustenta o festejado neurocientista e neurologista português Antonio Damásio, “…a vontade de viver oculta nas células corpo pôde um dia traduzir-se em uma vontade consciente surgida na mente. As vontades ocultas, celulares, passaram a ser ilimitadas por circuitos cerebrais… O fato de que o corpo é o tema dos neurônios e do cérebro também sugere o modo como o mundo externo poderia ser mapeado no cérebro e na mente….” (E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das Letras, 2011,p. 57)

Isto é, nossas ações, nossas manifestações de vontade, nossas condutas passíveis de serem consideradas típicas conforme as normais penais, são resultados de interações entre neurônios e determinados neurotransmissores, bem como fruto da ação de determinadas áreas do cérebro. Olhando por outro ângulo, também são frutos de equilíbrios e desequilíbrios bioquímicos.

Assim, por trás de uma conduta, há uma complexa estrutura neural, fruto da ação integrada de várias partes funcionais do cérebro e atuação das células neurais.

Por conseguinte, entender o que está por trás das ações em termos neurocientíficos, pode facilitar a real compreensão da verdadeira, em termos neurais, intenção do agente no âmbito do Direito Penal. Em outro sentido, pensando na resolução de conflitos e busca da pacificação social, saber quais são as verdadeiras causas da lide pode ajudar significativamente na busca da conciliação.

Nem sempre aquilo que é exteriorizado é a realidade do que está ocorrendo em termos mentais. Em pesquisa recente realizada na Inglaterra, um grupo de pessoas havia sido colocado para assistir dois programas de TV, um mais sério e instrutivo e outro no estilo de reality show, menos valoroso intelectualmente. As pessoas estavam com o cérebro sendo mapeado, por meio de equipamentos de geração de imagens do funcionamento cerebral, e deveriam atribuir notas.

Ao se analisar as notas atribuídas aos programas, estas forma elevadas para o programa instrutivo e contidas para o reality show. Porém, ao se analisar as imagens, o que se constatou foi o contrário, ou seja, no momento do reality show as pessoas ativavam áreas do cérebro responsáveis pela satisfação, comparativamente com o que ocorria quanto ao outro programa. Assim, a conclusão foi de que as pessoas passavam uma mensagem, mas o cérebro passava outra divergente (MARTIN, Lindstrom. A lógica do consumo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009,p. 150).

Outra contribuição importante envolve a possibilidade de leitura dos pensamentos. E nisto não se pode ignorar os grandes avanços que estão em andamento por parte da neurociência.

Conforme notícia publicada na revista Mente e Cérebro, “…em um futuro próximo, pessoas que perderam a fala poderão se comunicar através da mente; técnicas sofisticadas devem ajudar a descobrir se pacientes em estado vegetativo estão conscientes, reconstruir sonhos e até revelar o que se passa na cabeça dos animais.” (A ciência que lê pensamentos. Ano XIX, No. 236, p. 25).

Outro dado indicativo dos avanços neste campo consiste nas pesquisas lideradas pelo grande neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, responsável pelo projeto “Walk Again”, o qual tem como base a conversão de impulsos neuroelétricos em comandos motores para equipamentos capazes de movimentar o corpo. Segundo sustenta Nicolelis em seu livro, “…nas próximas décadas, ao combinar essa visão relativística do cérebro com nossa crescente capacidade tecnológica de ouvir e decodificar sinfonias neuronais cada vez mais complexas, a neurociência acabará expandindo a limites quase inimagináveis a capacidade humana…” (Muito além do nosso Eu. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 22).

Saliento que as pesquisas mencionadas não envolvem os antigos polígrafos, de grande precariedade e falta de precisão científica. Trata-se de uma conversão de impulsos neurais em outra modalidade de linguagem, de modo a identificar a mensagem neuroelétrica.

Portanto, o encontro do Direito com a Neurociência trata-se de um evento natural, contra o qual não há como se opor. Estou aguardando o dia em que terei um equipamento à minha disposição na sala de audiência, para utilizar durante a instrução processual, com a intenção de ler os impulsos neurais produzidos na mente da testemunha, de modo a captar as suas memórias episódicas relacionadas aos fatos controvertidos. Não tenho dúvida de que isto contribuiria com a busca da verdade real e com o fim da prática do crime de falso testemunho, além de otimizar a colheita da prova.

Ou seja, estou aguardando o dia do encontro entre o Direito e a Neurociência!

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