Nova obrigação

"Lei da Lavagem não pode atingir profissionais liberais"

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28 de setembro de 2012, 9h16

Obrigar profissionais liberais a informar seus rendimentos a órgãos estatais de controle de movimentação financeira afronta o princípio constitucional da razoabilidade. É o que defende a Confederação Nacional dos Profissionais Liberais (CNPL) em Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada no fim agosto no Supremo Tribunal Federal.

A nova obrigação de informação está descrita no artigo 2º da Lei 12.683/2012, a nova Lei da Lavagem de Dinheiro. O dispositivo deu nova redação aos artigos 10 e 11 da Lei 9.613/1998, a antiga lei da lavagem. Com esse novo texto, “as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza” devem informar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf.

Essa nova redação, argumenta a CNPL, vai contra os princípios legais e éticos das profissões liberais. Isso porque, continua a confederação, os profissionais liberais oferecem a seus clientes a garantia de que seus contatos são confidenciais, inclusive (e principalmente) para os órgãos de controle do Estado.

“A violação da Carta, todavia, é manifesta e deverá ser declarada por essa Excelsa Suprema Corte, nos pontos apontados. Com efeito, os profissionais referidos no inciso XIV do art. 9º são todos exercentes de profissões liberais e estão investidos no direito-dever de manter sigilo em relação aos negócios jurídicos assistidos, conforme se verifica de suas leis de regência”, diz a ADI, assinada pelo advogado Amadeu Roberto Garrido de Paula.

Como exemplos de lei que obrigam o sigilo, a ação cita a Lei 8.906/1994, o Estatuto da OAB, que o estabelece no artigo 7º, inciso XIX, como direito do advogado. O parágrafo 6º do inciso XX do mesmo artigo protege de qualquer investigação os “documentos, mídias e objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado”.

Também cita o Código de Ética do Profissional do Contador (CEPC) que, no artigo 2º, inciso II, apresenta o sigilo entre contador e cliente como um dos “deveres do profissional da contabilidade”. A mesma obrigação está no Código de Ética dos Profissionais da Administração (Cepa) e no Código de Ética dos profissionais de arquitetura e engenharia.

Direitos fundamentais
O Ministério Público Federal, em parecer enviado ao Supremo, é contra a argumentação da CNPL. Concorda que o sigilo profissional é um direito fundamental e que o bom exercício de todas as profissões, além de ser um direito do profissional, é de interesse da sociedade, em sentido amplo.

Entretanto, afirma que, “como se dá, aliás, com qualquer outro direito fundamental, não é absoluto, pois deve conviver com outros interesses constitucionalmente protegidos”. Citou os mesmos dispositivos citados pela confederação de profissionais liberais.

O Estatuto da OAB, mostra o MPF, ressalva que é infração disciplinar “violar, sem justa causa, sigilo profissional”, como diz o inciso VII do artigo 34 da lei. A determinação legal de se informar o Coaf, para o Ministério Público, seria justa causa.

O Código de Ética dos contadores faz ressalva mais explícita. No mesmo artigo 2º citado pela CNPL, o contador está proibido de revelar o sigilo profissional, a não ser quando houver determinação legal. O mesmo acontece com os engenheiros e arquitetos, em que há a obrigação do segredo, “salvo em havendo obrigação legal da divulgação ou da informação”.

“Parece suficientemente claro que tais normas contêm cláusulas de exceção ao sigilo profissional, o que permite que as exigências de controle previstos na lei antilavagem apliquem-se a essas categorias”, conclui o parecer, assinado pela vice-procuradora-Geral da República, Deborah Duprat.

Exceção da exceção
A violação ao sigilo profissional do advogado, na opinião da Ordem dos Advogados do Brasil, afronta outro aspecto constitucional. O artigo 133 da Constituição, disse a autarquia em parecer aprovado pelo Conselho Federal, estabelece o segredo da relação advogado-cliente como uma das prerrogativas dos defensores.

Isso porque, explica voto da conselheiro Daniela Teixeira, o advogado não pode ser tratado como “‘delator de seu cliente’, senão como defensor dos interesses de quem é suspeito ou acusado de estar envolvido em um crime ou com assistente de vários assuntos”. Sendo assim, diz a Ordem, a nova Lei da Lavagem já não incluiria de qualquer forma os advogados.

“É de clareza solar que o advogado mereceu tratamento diferenciado na Constituição Federal, que expressamente o considerou indispensável à Justiça. Assim, não parece razoável supor que uma lei genérica, que trata de “serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza” possa alterar a Lei específica dos Advogados para criar obrigações não previstas no estatuto, que contrariam frontalmente a essência da profissão, revogando artigos e princípios de forma implícita”, diz a autarquia.

Caso sensível
O Ministério Público concorda com os advogados. Afirma que violar o sigilo profissional, no caso dos defensores, afetaria “o núcleo essencial dos princípios do contraditório e da ampla defesa”. Pede, também, que essa garantia seja estendida ao âmbito dos processos administrativos e das atividades de consulta.

Mas faz uma ponderação importante. “Sempre que houver sérios indícios do crime de lavagem” e excluído o risco de violação do princípio da ampla defesa, diz o parecer do MPF, o advogado pode e deve informar o Coaf, “sem risco de inconstitucionalidade”, as operações previstas na nova Lei da Lavagem. “Mesmo no caso mais sensível, como é o da advocacia, essa atividade [dos profissionais liberais] apenas é atingida em seus aspectos mais periféricos, sem repercussão direta com os princípios da ampla defesa e do contraditório.”

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