Consequências dramáticas

Fim do HC substitutivo é um golpe para a cidadania

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25 de setembro de 2012, 13h19

Há poucos dias, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não mais admitirá apreciar Habeas Corpus ingressados na corte como impetração substitutiva do Recurso Ordinário. Havendo a possibilidade de recurso contra o acórdão denegatório do Habeas Corpus na instância inferior, o impetrante não poderá mais utilizar o caminho de um novo e rápido Habeas ao tribunal imediatamente superior. A decisão foi prontamente abraçada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Explico: Quando uma ação de Habeas Corpus é denegada, há possibilidade de o impetrante combater esta decisão por meio de um recurso, que é interposto contra o acórdão. Este recurso precisa aguardar a lavratura do acórdão e sua publicação, devendo ser apresentado com respectivas razões, seguindo-se vista para contrarrazões do Ministério Público, e só então enviado ao tribunal superior. Este trâmite toma tempo porque a lavratura do acórdão e a vista para razões e contrarrazões demoram. Muito tempo!

Os advogados, notadamente quando o paciente está preso, costumaram preparar Habeas Corpus substitutivo do recurso, impetrando Habeas Corpus diretamente à corte imediatamente acima, documentando o pedido com a prova do resultado negativo na instância inferior.

Esta prática vinha sendo acolhida durante as últimas décadas, sem qualquer óbice, pelos tribunais superiores, pois os recursos consomem enorme tempo para serem processados até que cheguem ao tribunal superior e ali sejam processados. Há um estoque brutal de processos nos tribunais superiores. Tribunais que resistem em crescer em número de integrantes e para atender as demandas de uma população que aumenta a cada ano!

O Supremo Tribunal Federal, sem imaginar o grave equívoco em que incorria, chegou mesmo a arvorar-se competente para julgar Habeas Corpus contra decisões de Turmas Recursais dos Juizados Especiais. A matéria se tornou Súmula (690), rapidamente abandonada pela Suprema Corte. Daí passou a enviar aos tribunais de segundo grau estes recursos, criando uma terceira instância ainda no âmbito de cada estado federado.

O acúmulo de Habeas Corpus naqueles tribunais superiores (cerca de 8% do estoque de seus feitos aguardando julgamento) tem motivado variadas queixas dos seus magistrados. De um lado, para tentar sanear o enorme "passivo", uma corrente ensaiou a orientação de que os Habeas Corpus somente deveriam cuidar de discutir preservação da liberdade do paciente, recusando o instrumento para combater qualquer outra ilegalidade apontada no processo penal. A proposta violentava toda a construção jurisprudencial sobre o alcance do Habeas Corpus. Esta linha de entendimento chegou a ser formulada no malfadado anteprojeto de Código de Processo Penal aprovado pela Comissão do Especial do Senado presidida pelo ministro Hamilton Carvalhido. Mas, em boa hora, o Senado Federal manteve a tradicional abrangência do Habeas Corpus. O projeto de CPP se encontra na Câmara. O Instituto dos Advogados Brasileiros produziu um Código de Processo alternativo e esta proposta também se encontra na Câmara dos Deputados por iniciativa do deputado Miro Teixeira.

Agora, com claro e inequívoco propósito de "limpar" as prateleiras de Habeas Corpus pendentes de julgamento, o STF e o STJ estão ensaiando decisões que consideram inaceitável o Habeas Corpus ofertado diretamente, sem observância do ritual recursal. Afirma-se, como motivação, que o HC substitutivo do Recurso Ordinário não está sujeito às regras de interposição do Recurso Ordinário, sendo "comum" virem ofertados após o prazo em que competiria interpor o referido Recurso Ordinário, permitindo que os impetrantes do HC avaliem o melhor momento para ingressar com a impetração originária substitutiva, driblando o prazo recursal.

Trata-se, evidentemente, de artificioso argumento, pois não pode um tribunal deixar de avaliar, a qualquer tempo, as imputações de ilegalidade na prisão ou de ilegalidade praticada no âmbito do processo penal. Não há limites legais temporais para se discutir nulidades no processo penal! São frequentes as concessões ex officio de Habeas Corpus pelas cortes brasileiras quando verificam a presença de nulidade não vislumbrada pelo impetrante.

De toda sorte, assim decidindo, os tribunais superiores começam — e, mais gravemente, sem qualquer pré-aviso — a "jogar no lixo", sem qualquer apreciação, todo e qualquer HC substitutivo, ao argumento de que o impetrante deveria ter formulado o recurso ordinário, ao invés de impetrar nova ordem diretamente à corte superior.

É lamentável que se valham desta novíssima e mal inspirada orientação para dar cabo de tantos Habeas Corpus que lá se encontram aguardando julgamento. E há anos esperando julgamento tanto no STF como no STJ. As consequências são dramáticas para o jurisdicionado, pois tendo utilizado o HC substitutivo, abandonou-se a opção do Recurso Ordinário, e, assim, as questões abordadas no HC ficarão sem reapreciação.

Será possível que os cidadãos perderão o direito de discutir as nulidades de um processo, no âmbito de Habeas Corpus, apenas pelo fato de não terem exercitado o Recurso Ordinário perante o tribunal inferior? A perda deste prazo consolidaria e sanearia um ato processual nulo, impedindo sua discussão futura?

Ora, se assim as coisas caminham, é óbvio que os tribunais estão-se conduzindo para o entendimento de que a deliberação anterior transitou em julgado, por falta de Recurso Ordinário. A consequência é a de que o magistrado que tenha possivelmente violado o devido processo legal restará abonado pelo acórdão denegatório do Habeas Corpus, e a nulidade apontada poderá perfeitamente ser afastada pelo entendimento do prolator da decisão apontada como nula, e, a seguir, confirmada pelo tribunal ad quem que proferiu o acórdão no Habeas Corpus, representando que a própria instância que deliberou o Habeas Corpus também, em princípio, já recusou a impugnação.

Percebem-se, ictu oculi, as gravíssimas consequências da mal inspirada orientação que o STF está dando aos Habeas Corpus substitutivos. Momentos terríveis estes em que se proclama estarmos em um Estado democrático de Direito, quando se produz enorme violência a instrumento fundamental de exercício do direito de defesa do cidadão. Que nossos tribunais reconsiderem, urgentemente, esta tática atroz para diminuir a carga de feitos nos gabinetes dos seus magistrados. 

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