Confiança nas instituições

"TJ-SP fará novas entrevistas sem ressentimentos"

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22 de setembro de 2012, 5h38

O constitucionalista Luís Roberto Barroso, autor da reclamação que acabou com as entrevistas secretas nos concursos para o Tribunal de Justiça paulista, diz que o Conselho Nacional de Justiça prestou “um relevante serviço ao Poder Judiciário brasileiro e ao país como um todo, ajudando a superar algumas tradições que devem pertencer exclusivamente ao passado”.

Segundo Barroso, perguntas subjetivas dão margem a avaliações preconceituosas e a idiossincrasias, o que não é admitido pela Constituição nem pela legislação, muito menos em um concurso promovido pelo Judiciário.

Questionado sobre a isenção dos desembargadores diante da decisão do CNJ, Barroso declarou à revista Consultor Jurídico que "por princípio, acredita, que a vida civilizada é feita de boa-fé entre as pessoas e confiança nas instituições”. E acrescentou: “Tenho certeza de que o TJ-SP tratará a situação dos candidatos que farão nova prova como um novo jogo, com senso de justiça e sem ressentimentos”.

Na última terça-feira (18/9), a maior parte dos integrantes do CNJ considerou que as entrevistas secretas, apesar de serem tradicionais nos concursos da corte, afrontam, no mínimo, o princípio constitucional da impessoalidade.

O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, resumiu, ao final da sessão, o sentimento da maioria dos conselheiros: “Concursos públicos devem primar pela imparcialidade dos julgadores e pela objetividade dos critérios. Quanto maior a objetividade, maior a imparcialidade. Quanto mais se aproxima da subjetividade, mais se afasta do desejo constitucional da imparcialidade. Essa tal entrevista reservada seguiu o caminho inverso, colocou-se em rota frontal de colisão com a Constituição.”

O CNJ decidiu que os 146 candidatos reprovados na prova oral terão o direito de refazer o exame e os 70 candidatos aprovados tomarão posse imediatamente, mas sem que o concurso seja homologado pelo tribunal. Apenas após a classificação que surgirá dos novos exames é que o certame poderá ser homologado. O prazo para que o tribunal conclua as novas provas é de 60 dias.

Leia a entrevista

ConJur — O que o motivou a entrar com reclamação no CNJ contra o exame para a magistratura no Tribunal de Justiça de São Paulo?
Luís Roberto Barroso —
O Tribunal de Justiça de São Paulo submeteu os 216 candidatos aprovados nas provas escritas do concurso para juiz a entrevistas reservadas, com perguntas de natureza íntima ou pessoal. Na sequência de tais entrevistas, realizadas após a prova oral e sem previsão no edital do concurso, o tribunal realizou uma sessão secreta e reprovou dois terços dos candidatos, admitindo apenas 70. Não há precedente desse tipo de reprovação em massa. A Constituição e a legislação não admitem este tipo de juízo subjetivo, que dá margem a avaliações preconceituosas ou idiossincráticas. O CNJ declarou a nulidade dessa etapa do concurso e determinou a realização de novas provas orais com os 146 candidatos excluídos, com uma nova banca examinadora, no prazo de 60 dias. E, naturalmente, as perguntas só poderão versar sobre conhecimentos jurídicos. São vedadas perguntas do tipo: A senhora pretende engravidar? Seu marido vai morar na comarca? Qual a sua religião? O que acha do aborto de fetos anencefálicos? Como há excesso de vagas (há mais de 250 cargos de juízes não preenchidos), os 70 candidatos já aprovados poderão tomar posse, enquanto aguardam o desfecho da situação dos demais. A ordem de classificação do concurso será definida após essas novas provas.

ConJur — Qual a importância da decisão do CNJ?
Luís Roberto Barroso —
Há certas tradições que são repetidas acriticamente. Hábitos ruins, reproduzidos inconscientemente. Um dia, muda a percepção acerca da legitimidade de tais condutas. Foi assim com o nepotismo, que foi outra causa que eu patrocinei para a AMB [Associação dos Magistrados Brasileiros], ao tempo da presidência do Rodrigo Collaço. Havia uma tradição de que quando o desembargador tomava posse, ele podia preencher os cargos de confiança do gabinete com os parentes, sem concurso. Uma prática secular. Um dia, o CNJ, com ratificação do STF, proibiu essa prática, por ser antirrepublicana. A mesma coisa aconteceu aqui, com essa história da entrevista reservada. Uma prática que vinha do regime militar, na época para excluir adversários do regime, mulheres desquitadas e pessoas de orientação sexual "discutível". Em uma república democrática, o que tem que valer é o mérito. Ninguém tem o direito de escolher subjetivamente quem tem o "perfil adequado" para um cargo. A subjetividade é sempre um perigo e dá margem a preconceitos. Justo ou injusto, o sujeito que é negro, a mulher que está grávida, o candidato nordestino ou o que defendeu a descriminalização do aborto poderão sempre achar que este foi o fator decisivo da sua reprovação. Sobretudo, em alguns casos, porque eles haviam sido os primeiros colocados na fase em que a prova era não identificada. O CNJ prestou um relevante serviço ao Poder Judiciário brasileiro e ao país como um todo, ajudando a superar algumas tradições que devem pertencer exclusivamente ao passado. Em um ambiente republicano, a seleção dos servidores públicos em geral, e de magistrados em particular, deve privilegiar os sinais objetivos de competência e compromisso com a função pública. Submeter candidatos já aprovados nas provas escritas a entrevistas reservadas, sem gravação ou testemunhas, com perguntas d e natureza pessoal, é uma prática inadmissível.

ConJur — O senhor acredita que as novas entrevistas serão feitas sem “ressentimentos”?
Luís Roberto Barroso —
Eu acredito, por princípio, que a vida civilizada é feita de boa-fé entre as pessoas e confiança nas instituições. Tenho certeza de que o Tribunal de Justiça de São Paulo tratará a situação dos candidatos que farão nova prova como um novo jogo, com senso de justiça e sem ressentimentos. Foi isso o que ouvi de Rodrigo Capez, ilustre magistrado que representou o tribunal perante o CNJ e que me causou uma excelente impressão por seu preparo, correção e serenidade. A esse propósito, o desembargador Nelson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, e uma figura muito estimada na magistratura paulista, deu informalmente uma sugestão que me pareceu ótima: a de que a banca fosse composta por professores de Direito — de preferência, digo eu, que não advoguem no TJ-SP — o que asseguraria uma nova prova imune a quaisquer especulações. Eu passei a minha vida atuando perante o Poder Judiciário. Acho que o Judiciário tem prestado um serviço valioso na consolidação democrática brasileira. Embora tenha vista coisas erradas aqui e ali, no geral encontrei pessoas idealistas e dedicadas, que levam uma vida de trabalho duro e procuram cumprir a Constituição, a lei e as decisões dos tribunais superiores. Não teria nenhuma razão para achar que seria diferente.

ConJur — Como avalia a solução encontrada pelo CNJ?
Luís Roberto Barroso —
É preciso louvar, em primeiro lugar, a coragem do conselheiro Gilberto Valente, que examinou com minúcia o conjunto impressionante de problemas que houve no 183º concurso para juiz de São Paulo e declarou a nulidade das entrevistas reservadas, em meio a outras inadequações. E o voto do presidente Carlos Ayres Britto, que é uma pessoa de coragem moral extraordinária, apesar da doçura com que atua e da luz que irradia. Prevaleceu uma solução intermediária razoável, que foi a de dar posse aos 70 aprovados e refazer as provas orais dos indevidamente alijados. Esta solução, de certa forma, contraria a decisão do ministro Joaquim Barbosa, do STF, que sugeria que todos deveriam refazer a prova. No entanto, procurei convencer os candidatos que melhor do que continuar litigando no STF era dar um crédito de confiança ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

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