Expressão religiosa

Corte europeia valida veto a trajes muçulmanos

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22 de setembro de 2012, 8h03

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Uma espiadela na jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos mostra que seguir os ensinamentos do Islã e morar na Europa requer uma dose a mais de obstinação. Há mais de 10 anos, a corte vem analisando conflitos culturais sobre a maneira como os muçulmanos se vestem e, quase invariavelmente, vem chancelando que véus e outros trajes religiosos sejam banidos de estabelecimentos públicos.

O entendimento que tem dominado os julgados europeus é o de que o secularismo tem que se sobrepor à liberdade de religião. Os juízes vêm julgando que a expressão religiosa pode ser restringida em busca de uma sociedade democrática e que respeite os direitos e liberdade de todos.

O véu islâmico, por exemplo, pode ser proibido em escolas e universidades na Europa. A corte europeia já se posicionou nesse sentido em pelo menos três ocasiões. A primeira delas foi em 2001. Na Suíça, uma professora de escola primária foi proibida de usar véu para dar aulas e resolveu reclamar para o tribunal europeu. Os juízes europeus consideraram que a proibição era razoável. Justificaram que crianças de quatro a oito anos, faixa etária dos alunos da professora muçulmana, são mais influenciáveis e ela cuidava dos menores como representante do Estado.

Quatro anos depois, foi a vez de uma estudante universitária na Turquia defender seu direito de assistir a aulas com os cabelos cobertos. Não deu certo. A corte europeia considerou que não havia nenhum direito violado. A Corte Constitucional turca decidiu, em 1991, que usar o véu islâmico nas universidades viola a Constituição do país. Para os juízes europeus, a aluna já devia saber da proibição antes de entrar na universidade. A solução da universitária foi terminar os estudos na Áustria, onde véu e faculdade são compatíveis.

Na ocasião deste julgamento, o tribunal europeu firmou o entendimento de que a interferência na liberdade de religião pode ser necessária numa sociedade democrática. Os juízes consideraram que a proibição é bem-vinda dentro do contexto histórico-cultural da Turquia. O país, que é predominantemente muçulmano, vem tentando resgatar os direitos e garantias das mulheres. A corte europeia observou que é grande o impacto do véu, que ainda é considerado por muitos um dever religioso obrigatório, na sociedade. Restringir o seu uso é um meio para buscar o estabelecimento da liberdade tanto das mulheres como das minorias religiosas.

A mesma garantia dos direitos e liberdades alheios serviu como fundamento para a corte validar a expulsão de alunas de escola pública na França, que insistiram em usar o véu, e de alunos que usavam turbante. A corte julgou que os motivos apresentados pelas escolas eram razoáveis. Em um dos casos, as meninas não tiravam o véu para fazer aula de educação física e a escola considerou que o traje era perigoso na prática de esportes. No outro caso, os meninos com turbante foram banidos com base numa lei que impede o uso de qualquer símbolo religioso ostensivo.

Ao analisar as reclamações, a Corte Europeia de Direitos Humanos ressaltou a importância da separação entre Estado e religião. A proibição dos trajes religiosos nas escolas públicas é justificável em prol do secularismo, explicaram os juízes. Eles consideraram que a alternativa para as crianças conciliarem crença religiosa com estudo é fazer cursos por correspondência, disponíveis na França.

A restrição aos trajes chancelada pelo tribunal europeu não se aplica, no entanto, aos espaços públicos abertos. Na Turquia, por exemplo, um grupo de religiosos foi condenado por andar pelas ruas vestido com trajes e símbolos que expressavam sua fé. A reclamação foi levada à corte europeia e, em 2010, os juízes europeus decidiram que o direito à liberdade de religião foi violado. Tudo bem restringir a expressão religiosa em estabelecimentos públicos onde deve prevalecer a neutralidade religiosa. Impedir essa expressão em nas ruas, não.

Diferenças culturais
Uma das ocasiões onde o choque cultural entre muçulmanos e não muçulmanos fica evidente acontece nos aeroportos, mais precisamente na revista de segurança. Uma marroquina casada com um francês não conseguiu passar por esse momento. Ela foi barrada antes, no consulado da França em Marrocos, quando se recusou a tirar o véu na frente de um funcionário homem e deixou o consulado sem o visto francês.

Fatima El Morsli reclamou à Corte Europeia de Direitos Humanos. Além de apontar ofensa à liberdade de religião, ela alegou que também teve violado seu direito ao respeito pela vida privada e familiar. Os juízes europeus não concordaram. Para eles, ela precisava tirar o véu para poder ser mais bem identificada. A medida era necessária para garantir a segurança pública. A corte também considerou que a obrigação de retirar o véu era por um período muito curto de tempo, não o suficiente para violar qualquer direito.

O Cristianismo
Até 2011, a Corte Europeia de Direitos Humanos tinha sido provocada e se manifestado apenas sobre os trajes e símbolos típicos do Islamismo. Em março do ano passado, o tribunal teve de se pronunciar sobre o principal símbolo do Cristianismo, o crucifixo. E surpreendeu. Os juízes decidiram que escolas públicas podem expor cruzes ou outros símbolos religiosos nas paredes. A decisão foi tomada pela câmara principal de julgamentos do tribunal, que reverteu um julgado de uma das câmaras parciais que havia banido crucifixo nas escolas públicas da Itália.

Ao liberar a exposição de crucifixo, os juízes explicaram que o direito à educação das crianças não foi violado. Esse direito seria violado se houvesse tentativa de doutrinar religiosamente os alunos, por exemplo, com aulas de cristianismo ou se houvesse alguma espécie de discriminação com outras religiões. A corte julgou a exposição dos crucifixos de acordo com as regras nas escolas italianas. Para os juízes, permitir que cruzes sejam afixadas nas paredes não é discriminação porque, na Itália, os alunos também podem exibir símbolos de outras religiões.

A decisão pode ser apenas um desvio da jurisprudência da corte, que até então decidia contra expressão religiosa ostensiva em ambiente público, ou o começo de uma mudança no posicionamento do tribunal. A resposta não deve demorar muito a sair. Neste mês, a corte começou a julgar se a crença religiosa de funcionários justifica que eles descumpram regras do local onde trabalham. O caso foi levado ao tribunal por quatro trabalhadores na Inglaterra, que reclamam que regras de vestimenta e de conduta, como validar casamento de homossexuais, atingem sua fé e liberdade religiosa. Eles são cristãos. A conclusão do julgamento, ainda sem data prevista, deve jogar luzes sobre os rumos da liberdade de religião na vida em sociedade na Europa.

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