Disponibilidade de bens

Não se combate improbidade com sonegação de direitos

Autor

  • Benedito Cerezzo Pereira Filho

    é advogado doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com pesquisa pós-doutoral pela Universidad Complutense de Madrid na Espanha professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) pesquisador do Grupo de Pesquisa Processo Civil Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos (CNPq/UnB) e membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC).

18 de setembro de 2012, 13h03

Viva o futuro! Voltamos ao passado! O sentido desta expressão, neste texto, é diferente daquele empregado pelo processualista Ovídio Araújo Baptista da Silva. Aqui significa “voltar atrás” mesmo, regredir. O espanto e, portanto, a preocupação é tirada das últimas interpretações do Direito pelos tribunais pátrios, lançadas à contramão da história de luta por conquistas de direitos fundamentais. Custa caro ouvir dizer que, se a prova da acusação for fraca, caberá ao acusado fazer prova da sua inocência.

Nesta luta do Bem contra o Mal, da necessidade de se evidenciar o respeito à moralidade, temos visto, em larga escala, sacrifícios às garantias constitucionais. A interpretação que se tem dado à Lei de Improbidade Administrativa é exemplo vivo disso. Recentemente, no site do Superior Tribunal de Justiça, noticiou-se: “Decretação de indisponibilidade de bens em ação de improbidade não exige demonstração de dano.” Essa foi a conclusão a que, por maioria, chegou a 1ª Seção do STJ.

A Seção entendeu que o periculum in mora é presumido em lei, em razão da “gravidade do ato e da necessidade de garantir o ressarcimento do patrimônio público em caso de condenação, não sendo necessária a demonstração do risco de dano irreparável para se conceder a medida cautelar”.

Desta forma, toda ação de improbidade já começará com o decreto de indisponibilidade de bens dos acusados. Bastará o recebimento da ação. Assim, superada a defesa preliminar que, aliás, muitos julgadores nem permitem, por entendê-la incabível, apesar da previsão expressa no artigo 17, parágrafo 7º da Lei 8.429/92, a medida extrema será decretada.

O argumento de que “a medida cautelar de indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da LIA não é uma medida de urgência, mas tutela de evidência e que por isso prescinde da demonstração do perigo de dano”, contraria a natureza, o sentido das tutelas de urgência, que tem como espécies a cautelar e a tutela antecipatória, sendo que esta pode ser prestada, também, se evidente o direito da parte.

Em outras palavras, a medida de indisponibilidade de bens ou é considerada cautelar ou tutela antecipada. A primeira, a cautelar, tem natureza instrumental na exata medida em que foi pensada para servir a uma tutela final, ou seja, acautelam-se do risco do perecimento de pessoas, provas ou coisas para, no final, se procedente o pedido da parte, o bem discutido no processo esteja protegido e em condições de ser entregue ao vencedor. Por isso, é imprescindível a prova não só do fumus boni iuris, mas também e principalmente, do perigo de dano.

Enquanto a segunda, a tutela antecipada, é despida de instrumentalidade. Ela não tem o compromisso de assegurar o resultado útil do processo. Pelo contrário. A urgência do direito material controvertido não suporta o tempo do processo — periculum in mora — e, assim, o mérito da causa, o bem discutido em juízo, tem de ser antecipadamente entregue para a parte.

Na tutela de evidência, por sua vez, que é espécie de tutela antecipada, ocorre o mesmo. O direito controvertido, ante a evidência da sua titularidade, é entregue à parte na qualidade de procedência do pedido. Esclarece Luiz Guilherme Marinoni[1] que “essa modalidade de tutela antecipatória é relacionada à evidência do direito, e por isso somente pode ser concedida quando não é mais preciso a produção de prova para elucidar a matéria por ela abordada”.

Assim, fumus boni iuris jamais pode ser considerado tutela de evidência. Se o for, o direito terá de ser antecipado, satisfeito. Na Lei de Improbidade Administrativa, portanto, e em qualquer outra relação de Direito Processual, tutela de evidência é prestada pela técnica antecipatória e não acautelatória. Agora, a pergunta que não pode deixar de ser feita: na ação de improbidade o juiz, com base no fumus, fumaça, portanto, poderá antecipar o pedido do Ministério Público, satisfazendo sua pretensão?

É um pouco mais do que evidente que não. Só se voltarmos naquele passado em que não existiam garantias constitucionais e processuais, cuja interpretação da lei ao invés de limitar o Poder, concedia-lhe mais força e arbítrio em detrimento do jurisdicionado, sob a especiosa capa do hermetismo de servir ao bem comum.

A indisponibilidade de bens é uma medida odiosa e, como bem salientou o ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski[2], “é a morte civil do cidadão”, não podendo, então, ser corolário de presunção legal, mas, ao contrário, somente se demonstrar imprescindível naquele caso específico e por tempo determinado, ou seja, enquanto perdurar o perigo de dano, pois, trata-se de medida cautelar marcada pela temporalidade.

Não se combate criminalidade ou improbidade com sonegação de direitos, ainda que se alegue ser benéfico à sociedade. Importante à sociedade é a segurança num ordenamento jurídico que propicie limites ao Poder, seja em prol de um ou de todos. Esperamos, sinceramente, que o terror não volte e que a expressão “absolvição” suscitada por um cidadão ou delegado da polícia federal não redunde em detenção, suspensão ou procedimento correcional.


[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 473.

[2] LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Improbidade administrativa. Comentários acerca da indisponibilidade liminar de bens prevista na lei 8.429, de 1992. 1ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2001, p. 162/163.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!