Tempos de eleição

Está na hora de fazer uma revolução na advocacia

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14 de setembro de 2012, 16h40

Tempos de eleição na advocacia e nos municípios, período propício para pensar os rumos das cidades e da profissão. Qual será o futuro da advocacia? A pergunta é comum na mente e nas conversas dos profissionais, principalmente aqueles que viveram e vivem a acelerada depreciação da qualidade de vida do advogado, seja no tocante ao próprio exercício profissional, seja em relação ao galopante desprestígio social da at ividade. A necessidade de repensar os rumos da advocacia sobressai pela proximidade eleitoral e temas relevantes merecem destaque, dent re out ros: o ingresso na profissão mediante o exame de ordem; a permissão para os escritórios est rangeiros atuarem no país; a baixíssima qualidade de vida do profissional, por diversos fatores (p.e., ausência de fins de semana e férias, quando os prazos correm); o aviltamento dos honorários, e o mal trato, repleto de desconfianças mútuas, nas relações com os demais part ícipes indispensáveis à Administ ração da Just iça (Judiciário, Ministério Público, Polícia, e Servidores Públicos).

Nesse contexto, é hora de enfrentar a questão que envolve o futuro da advocacia como profissão integrante da atividade estatal de distribuição da Justiça. No rumo em que se encontra, em breve, tanto interna quanto externamente, não se conseguirá mais vislumbrar na atividade esse preceito que a norteia desde os primórdios, ausência essa que importará transformar a advocacia em profissão regulamentada equiparada as demais, com cunho essencial na mercancia do conhecimento. A manutenção da advocacia no molde constitucionalmente estabelecido para a Administração da Justiça impõe reflexão e alterações estruturais com referência ao exercício da profissão, a fim de qualificar o advogado na amplitude necessária a exercer o mister que lhe é reservado e, consequentemente, permit ir à classe exigir as condições para

o exercício profissional, com possibilidades reais de êxito, circunstância essa que, atualmente, não ocorre.

Muito se critica a exigência do Exame de Ordem para o ingresso na profissão de advogado pelas centenas de milhares de bacharéis, em número exponencialmente crescente, em face da indiscriminada disseminação dos cursos de direito. Contudo, já não é mais suficiente essa salutar providência para preservar o mínimo de organização qualitat iva a permitir a manutenção da advocacia, especialmente a privada, na moldura constitucional referida. O futuro da advocacia requer a estruturação da profissão como as demais carreiras jurídicas. Nelas, o profissional ingressa nos quadros da inst ituição e lá recebe treinamento específico para, gradativamente, exercer as funções inerentes à at ividade, viabilizando a atuação profissional cada vez mais qualificada. Sem isso, cont inuar-se-á a bradar por melhorias e garantias legais da advocacia, apenas como retórica, em prejuízo crescente aos profissionais, em especial aos jovens, que, na maioria, já não enxergam na advocacia privada at ividade atraente ao futuro profissional, mas mera profissão de passagem até o almejado ingresso em carreira jurídica pública. A lógica da profissão de passagem, notória aos que militam na advocacia e convivem com os jovens profissionais, agrava ainda mais o quadro de descomprometimento com a necessária qualificação dos advogados e influencia negativamente os diversos aspectos da vida profissional, sobretudo de natureza ética e de polít ica inst itucional.

Pode parecer, prima facie, desinteressante ou dificultosa a estruturação de treinamento e de formação específicos como requisito para o exercício profissional pleno do advogado. Todavia, não é. Muito ao revés. É vantajoso aos interessados em ter a advocacia como profissão permanente, organizá-la melhor para viabilizar o resgate das condições de t rabalho, a partir da qualificação e da dignificação do exercício profissional, e com isso estabelecer ambiente propício para melhorias objet ivas tais como fixar, por exemplo, remunerações mínimas compat íveis para os jovens advogados associados ou contratados.

Por isso, a aparente dificuldade para se alcançar o exercício profissional pleno será recompensada pela segurança de fazer parte de profissão estruturada e respeitada, além de remuneração digna garantida, para aqueles que superarem os obstáculos iniciais e nela permanecerem, como ocorre com as demais carreiras jurídicas tais como a Polícia, a Magist ratura, o Ministério Público e a Advocacia Pública. Na Polícia, em particular a Federal cobiçado concurso , após aprovados, os bacharéis ficam em treinamento, por meses, na Escola respect iva e os inaptos não são aprovados para exercer a profissão. Em graus diferentes, assim também ocorre na Magistratura e no Ministério Público através dos cursos de formação, realizados após o certame, bem como nos de aperfeiçoamento durante a carreira. Em face disso, não influencia tanto para essas profissões a imutável realidade da proliferação dos cursos jurídicos, porque a seleção e a qualificação dos profissionais compete à própria inst ituição respect iva, prevalecendo a meritocracia, em regra.

Na advocacia não deve ser diferente. Ent retanto, o Exame de Ordem não é suficiente para essa finalidade, pois assegura o ingresso na profissão, tal como o concurso nas citadas out ras atividades, mas não assegura o treinamento e a formação profissional; isto é, passar no Exame de Ordem (duas provas), não significa que o bacharel teve a formação necessária para se tornar profissional da advocacia, pois esta não prescinde de treinamento específico, além do conhecimento jurídico adquirido nos cursos de formação, tal como ocorre nas out ras profissões da área. Tal t reinamento deve ser fornecido como

condição para o exercício profissional pleno, em seguida à aprovação no Exame de Ordem. Visando a alcançar os objetos acima expostos, a proposta ora apresentada consiste nas seguintes etapas, a serem desenvolvidas em dois anos, após a aprovação no Exame de Ordem, mediante curso de formação profissional do advogado a ser promovido, exclusivamente, pela OAB:

a) Aprovado no Exame de Ordem, o bacharel ingressa nos quadros da OAB, sendo encaminhado para a respectiva Escola, onde iniciará a qualificação profissional específica, podendo advogar nos Juizados Especiais, nos seis primeiros meses do curso de formação, com honorários mínimos compatíveis, fixados para cont ratação por escritórios ou terceiros;

b) Após aprovação no primeiro semestre, o novo advogado cont inuará no curso de formação, mas poderá advogar também no Primeiro Grau de jurisdição, com o ajustamento dos honorários mínimos para essa etapa;

c) Aprovado no final do primeiro ano, o advogado estará apto a advogar igualmente nos tribunais de segundo grau, a respeito dos quais tenha part icipado e sido aprovado em disciplinas específicas de advocacia nesses tribunais, momento em que também deve haver imposit iva atualização dos respect ivos honorários mínimos para cont ratação;

d) Aprovado no segundo ano formação profissional, o advogado estará plenamente apto a advogar sem rest rições em qualquer tribunal, salvo para a prática de determinados atos, tais como sustentação oral, que requererão a aprovação em disciplina específica, sempre com a atualização dos honorários mínimos a serem fixados, compat íveis com a fase profissional.

Os cursos para a prática de determinados atos (p.e., sustentação oral) nos tribunais devem ser permanentes, podendo os advogados interessados deles participar a qualquer tempo e com isso receberem a qualificação e cert ificação próprias para essa espécie de atuação, quando aprovados. Igualmente, necessária regra de t ransição para os advogados atualmente inscritos, a qual se sugere a part icipação obrigatória em cursos da OAB, sem caráter eliminatório, no prazo de alguns anos. Tema relevante é o custo dos cursos de formação, sendo por óbvio que eles não devem ser fonte de arrecadação da OAB e, se não puderem ser gratuitos como esperado, devem ter custo mínimo, resguardando-se, inclusive, a isenção aos que não puderem comprovadamente pagar.

Por certo, as propostas ora apresentadas merecem ser detalhadas e aperfeiçoadas, mas visam cont ribuir para o necessário debate a respeito do futuro da advocacia, pois não se pode mais adiar a reflexão a respeito dos dest inos da profissão, sendo o tempo eleitoral a isso propício. Também as mudanças necessárias não devem ser temidas, pois podem assegurar um futuro melhor aos advogados, bem como não devem os bacharéis vislumbrarem as dificuldades para o ingresso e o exercício pleno da profissão, mas sobretudo confiarem que, superada essa fase, terão profissão jurídica grat ificante e com remuneração digna garant ida, tal como ocorre nas demais carreiras jurídicas, condições que a situação atual não permite assegurar. A melhoria do futuro da advocacia requer uma revolução hoje.

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