Ação Penal Originária

Regimento do STF garante Embargos Infringentes

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13 de setembro de 2012, 7h00

O julgamento da Ação Penal 470 pelo colendo STF tem suscitado um importante debate sobre instigante tema jurídico: cabem ou não Embargos Infringentes de decisão plenária da Suprema Corte em ação penal originária? Bem, antes da análise do problema, vamos aos aspectos objetivos da contenda, mapeando, gradualmente, os pontos nevrálgicos da discussão de forma a garantir a melhor compreensão das nuances normativas que circundam essa delicada questão processual.

Inicialmente, deve ser destacado que o artigo 333 do Regimento Interno do Supremo (RISTF) dispõe que “cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma” que “julgar procedente a ação penal” (inciso I); posteriormente, o parágrafo único do mesmo artigo 333/RISTF estabeleceu: “O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende na existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”. Logo, nos exatos termos regimentais, havendo quatro votos divergentes, estaria autorizada a interposição de embargos infringentes.

Ocorre que a Lei 8.038/1990, que regulamentou o trâmite da ação penal originária perante as Cortes Superiores, incorreu em hermético silêncio quanto ao cabimento de embargos infringentes. Assim sendo, levantam-se vozes sustentando que a referida Lei federal revogou tacitamente o artigo 333 do RISTF, colocando uma pá de cal sobre o referido tipo recursal. Dentre as ilustres opiniões manifestadas a favor da revogação, merece destaque o nobre timbre do professor Lenio Luiz Streck, que pontuou a matéria, afirmando que “a Lei 8.038 foi elaborada exatamente para regular o processo das ações penais originárias. Logo, não há como sustentar, hermeneuticamente, a sobrevivência de um dispositivo do RISTF que trata da matéria de modo diferente”[1].

Em que pese a respeitabilidade natural dos pareceres em sentido contrário, entendo que a Lei 8.038/1990 não revogou o artigo 333 do Regimento Interno do STF. Ou seja, no caso de prolação de quatro votos divergentes, será cabível a interposição de recurso de embargos infringentes, nos exatos termos da norma regimental. Aliás, a Lei 8.038/1990, ao invés de revogar, reforçou o poder normativo do RISTF. Isso porque, no artigo 12 da referida Lei 8.038/1990, foi expressamente estabelecido que “finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno”.

Frisa-se, por imperativo: “na forma determinada pelo regimento interno”!

Dessa forma, salvo melhor juízo, o artigo 333 do RISTF permanece absolutamente válido e normativamente hígido. De destacar que a apontada Lei 8.038/1990 em nenhum momento, linha ou entrelinha disse ou fez menção de que almejava revogar o dispositivo regimental. É certo que o artigo 44 da referida Lei dispôs que “revogam-se as disposições em contrário”. Todavia, as disposições que não a contrariem, que a complementem ou versem sobre tópicos jurídicos autônomos e independentes permanecem em absoluto vigor. Falando nisso, um detalhe merece ser realçado: a Lei 8.038/1990 não disse uma vírgula sequer sobre “embargos de declaração” e, até agora, não há notícias de fontes a sustentar o descabimento de declaratórios na espécie. O vazio da crítica especializada soa, no mínimo, sintomático e revelador.

Aliás, tratando-se de tipo recursal penal e, por assim ser, vinculado à garantia fundamental da ampla defesa, não parece razoável que a adoção de um critério de revogação tácita seria o melhor conselheiro hermenêutico para o caso. Ora, a defesa da liberdade não pode ficar à mercê de juízos subjetivos sobre palavras não ditas ou plantadas na desconhecida imaginação do artífice da lei. Nesse contexto, se fosse o caso de revogação do artigo 333 do RISTF, o legislador deveria ter se pronunciado de forma expressa e categórica, tornando sem efeito a regra regimental. Sobre o ponto, merece destaque judicioso voto do ministro Moreira Alves no qual afirma que “a revogação tácita só ocorre quando há incompatibilidade entre leis que sucedem no tempo” (RE 90.993/SP, Segunda Turma, DJ 03 de julho de 1979). Além disso, no caso em questão, o silêncio da lei deve ecoar em benefício do acusado e jamais em favor do acusador, sob pena de resgatarmos tristes e vetustos métodos inquisitórios de processualística penal.

Enaltecendo uma visão orgânica do ordenamento jurídico, bem como as diretrizes inerentes à ampla defesa em matéria penal, é possível concluir que a Lei 8.038/1990 não é incompatível com o artigo 333 do RISTF. Ao contrário, a referida Lei federal compatibiliza-se com a referida norma regimental, pois, conforme já visto, dispôs — em alto e bom vernáculo — que, “finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno”. Portanto, enquanto pertencer ao RISTF, o artigo 333 legitimará a interposição de embargos infringentes em ações penais originárias da Suprema Corte. Aos mais apressados, é bom que se diga que não se está, aqui, a premiar a impunidade ou a morosidade judicial, mas apenas procura-se garantir a inegociável defesa da liberdade nos exatos termos da lei. E o que a lei quer, a Constituição aprova, pois, como um dia disse Rui, “fora da lei não há salvação”[2].

[1] http://www.conjur.com.br/2012-ago-13/mensalao-nao-cabem-embargos-infringentes-supremo

[2] in Discurso de Paulo Brossard, em 9 de agosto 1970, quando de sua escolha a candidato ao Senado Federal.

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