Desafios da AGU

A quem pode interessar a AGU engessada?

Autor

  • Heleno Taveira Torres

    é professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e advogado.

13 de setembro de 2012, 10h40

Nesta semana, o jornal “O Estado de São Paulo” trouxe Editorial intitulado “o aparelhamento da AGU”. Uma redação que, a pretexto de atacar o projeto da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, faz uma crítica pueril, repleta de contradições, e que alinha ideologias e interesses que não revela. Quando se ataca com especulações e acusações não demonstradas os ocupantes dos mais elevados cargos de Estado, atinge-se não bem a pessoa, mas as instituições da República. E querer capitular a governabilidade da República, por meio do enfraquecimento da AGU, é algo que nenhum cidadão pode aceitar.

É aceitável que uma entidade sindical use de todos os meios para atingir seus objetivos. E louvamos que no Brasil essa liberdade nunca feneça. Mas não é razoável que a imprensa dê prevalência opinativa às suas edições internas como se documentos públicos fossem, sem que se abra igual oportunidade para esclarecimentos técnicos dos órgãos questionados.

Daí ser incompreensível um Editorial de tamanha relevância bastar-se com informações obtidas de terceiros, sem qualquer ensejo ao contraditório, unicamente por sugerir conúbio com política, numa alegação sem qualquer consistência. Não é possível calar, pois, quando se vê instrumento de comunicação social, que se propõe como “imparcial”, dar ares de veracidade a postulações classistas, com suas múltiplas demandas, inclusive por políticas salariais, sem qualquer atenção para o quanto o projeto em debate possa ser relevante à sociedade e à Administração Pública.

A AGU, no campo dos órgãos públicos, é a grande novidade do século, no Brasil. Em nenhum outro momento da nossa história o patrimônio dos brasileiros foi defendido com tanta valentia e talento. Não é por acaso que para comandá-la, nos últimos anos, foi necessário convocar notáveis servidores do Estado ou brilhantes advogados, como Gilmar Mendes, Dias Toffoli e, agora, Luís Inácio Adams. A quem pode interessar a AGU pouco eficiente e engessada pela burocracia?

A crítica pede exame mais aprofundado do Projeto de Lei Complementar n. 205/2012. De plano, não se pode negar sua necessidade. Ao longo dos últimos anos, a AGU cresceu e o peso burocrático adquirido reclama inovações e adaptação ao momento histórico. E quanto ao conteúdo, destaco ao menos dois aspectos de suma importância, para os quais o obtuso editorial não atentou.

O primeiro, do art. 1º-A, em auspiciosa inovação, a redação do projeto declara como valores do exercício das funções da AGU, os seguintes: I — segurança jurídica das ações governamentais; II — preservação da continuidade dos serviços públicos essenciais à sociedade; III — busca pela resolução pacífica e conciliação dos conflitos; IV — viabilização jurídica das políticas públicas do Estado brasileiro; V — garantia da eficaz representação judicial dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e de seus agentes; VI — defesa do patrimônio público; e VII — busca da satisfação dos destinatários de sua atividade. São propósitos típicos do Estado Democrático de Direito que se orientam a fins de satisfação da sociedade e que só dignificam a atuação da AGU.

E o segundo está no art. 26 § 4º, naquilo que concerne à responsabilidade dos membros da Advocacia da União, ao garantir a todos que estes não serão passíveis de responsabilização pelo exercício regular de suas atribuições e por suas opiniões técnicas, ressalvada a hipótese de dolo ou erro grosseiro. O projeto expressamente afasta do “erro grosseiro” a “adoção de opinião sustentada em interpretação razoável, em jurisprudência ou em doutrina, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita, no caso, por órgãos de supervisão e controle, inclusive judicial”. Deixa para essa qualificação unicamente “a inobservância das hierarquias técnica e administrativa fixadas nesta Lei Complementar, no Regimento Interno da Advocacia-Geral da União e nas disposições normativas complementares dos órgãos da Advocacia-Geral da União.” Ora, isso equivale à observância dos princípios máximes da Administração pública: legalidade e hierarquia, esta entendida como dever funcional de qualquer servidor público para observar as normas legais e regulamentares.

A advocacia de Estado não é apenas mais um agente da burocracia estatal. Isso é certo. Seus membros, entretanto, não se podem compreender como profissionais “autônomos”, a postular independência em relação aos normativos internos. Aquela, como na advocacia privada, é essencial à justiça, mas suas ações são vinculadas à assessoria e defesa dos interesses do Executivo Federal. Portanto, deve servir à União, que é seu único “cliente”, e aos ditames da governabilidade, em favor da sociedade, que é o seu fim precípuo.

Indiscutivelmente, nenhuma lei pode tolher do advogado público as garantias que o Estatuto da Advocacia lhe confere. Ser advogado da União é ser, antes de tudo, advogado. Não é por menos que todos devem ser filiados à OAB. A única diferença é que defenderá somente os interesses da União, conforme o art. 131 da Constituição, na sua representação judicial e extrajudicial, e mediante consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo. Não se trata de mais um ministério público, com garantia constitucional de independência funcional (art. 127, da CF).

O problema concentra-se no agir de uma minoria que não entende o quanto seu papel funcional pode prejudicar o funcionamento das instituições e da vida social do Brasil. E nosso país perde muito com isso. A insegurança jurídica decorrente da falta de uniformidade de decisões da AGU (em pareceres ou em processos administrativos ou judiciais) afeta a vida de todos, pela quebra de isonomia ou imprevisibilidade de procedimentos. Para alguns (poucos), de nada servem os regulamentos, as portarias ou pareceres dos superiores, publicados com o fim de uniformizar procedimentos ou entendimentos. Até mesmo pareceres assinados pela presidência da república são descumpridos por uma minoria, sem cerimônias, quando a lei estabelece sua vinculação (LC 73, de 1993, art. 40, § 1º). Em casos isolados, serviços ou obras são suspensos abruptamente, atuações em processos são tratados segundo critérios pessoais de interpretação até mesmo de decisões definitivas do STF. Por isso, postular independência de preferências pessoais sobre decisões nas escolhas de políticas públicas ou de ações executivas e ministeriais, definitivamente, é algo que atenta contra a segurança jurídica e a governabilidade.

Por conseguinte, não há nada de errado em cobrar observância de legalidade do advogado público. No trato judicial, o advogado deve buscar decisão favorável ao seu constituinte e nas atividades de atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas, funcionar com máxima vinculação à legalidade, à impessoalidade, à eficiência e moralidade. Disposições normativas de órgãos superiores são regras gerais, públicas e controladas por todos. Quem com essas disposições não concordar, que se utilize dos meios internos ou judiciais para seu afastamento. É odioso imaginar que algum Advogado da União pudesse sucumbir a pedido orientado por interesses políticos de seus superiores. Quem assim o diz, definitivamente, não conhece o valor, a seriedade e a honradez das pessoas dos advogados de Estado. E não vejo qualquer permissivo no projeto que deponha contra essa presunção.

A AGU será sempre e tão mais forte quanto maior possa ser sua capacidade de superar as limitações de simplesmente atender às burocracias do Executivo ou do Judiciário, seu empenho em prover soluções efetivas aos processos nos quais a União seja parte, evitar o litígio mediante propostas de adequação da ação estatal à legalidade e à justiça, implantar uma política orientada ao atendimento dos cidadãos e aceitar a redução de divergências de entendimento como algo imprescindível às múltiplas relações jurídicas entre União e sociedade.

Órgãos de estado não revelam crises pelos descontentamentos episódicos de parcela minoritária de seus membros, mas pelo quanto eles são incapazes de realizar em favor da sociedade. A Advocacia pública federal, porém, segue o destino das instituições mais admiradas, está entre as mais qualificadas do mundo, com atuação comprometida e com êxitos sobremodo relevantes. O novo modelo traz, diferentemente do que aparenta aos olhos míopes de alguns, notável fortalecimento da AGU, segundo critérios de compromisso com a governabilidade e com a eficiência administrativa. E com ganhos notáveis para toda a sociedade.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!