Estabilidade econômica

Suprema Corte Alemã salva a união monetária na Europa

Autor

  • Otavio Luiz Rodrigues Junior

    é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP) com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

12 de setembro de 2012, 13h49

A esperada decisão do Tribunal Constitucional da Alemanha (Bundesverfassungsgericht) sobre o chamado Mecanismo Europeu de Estabilização (MEE) foi publicada nesta quarta-feira (12/9) e, em linhas gerais, reconheceu a constitucionalidade desse instrumento fundamental para salvar a união monetária na Europa. Com isso, a Alemanha poderá ratificar o Tratado Orçamentário Europeu e os acordos que regulam o MEE.

O tratado que institui o MEE, firmado por Alemanha, Bélgica, Estônia, Irlanda, Grécia, Espanha, França, Itália, Chipre, Luxemburgo, Malta, Holanda, Áustria, Portugal, Eslovênia, Eslováquia e Finlândia, em 25 de março de 2011, era o foco central das reclamações constitucionais ajuizadas por Peter Gauweiler, membro da União Social Cristã – o partido conservador da Baviera que é aliado à União Democrata Cristã, do qual Merkel é uma das líderes – e pelo partido die Linke (A Esquerda). A organização Mais Democracia, que contou com o apoio de mais de trinta e sete mil assinaturas, renomados professores universitários, a ex-ministra da Justiça Hertha Däubler-Gmelin, integrante do Partido Social Democrata, de esquerda, e outras figuras preeminentes da vida política e econômica do país também respaldaram as reclamações ao Tribunal Constitucional. A conjugação de neocomunistas – die Linke –, socialdemocratas, conservadores bávaros, lideranças acadêmicas ligadas ao Partido Liberal e organizações não governamentais dá a exata medida de como essa questão divide a sociedade alemã, ao ser capaz de congregar grupos de extrações ideológicas tão díspares.

As teses apresentadas pelos reclamantes baseavam-se na defesa da autonomia do Parlamento, pois o Tratado Orçamentário e o MEE permitiriam que parcelas significativas das competências constitucionais do legislativo local e da soberania alemã fossem transferidos a órgãos europeus, o que seria contrário à Lei Fundamental de Bonn, especificamente seu artigo 20, 1 e 2, e seu artigo 79, 3.

Nos termos do tratado do MEE, a gestão do mecanismo caberia um Conselho de Governadores e a um Conselho de Administração. Em seu artigo 15, o tratado afirma que “o Conselho de Governadores pode decidir conceder assistência financeira mediante empréstimos a um membro do MEE para o fim específico de recapitalizar as instituições financeiras desse membro do MEE”, sendo que ao Conselho de Administração caberá a aprovação do orçamento anual do MEE, conforme artigo 26.

O acórdão do Bundesverfassungsgericht foi antecedido de grande expectativa na sociedade alemã e fundados receios da administração Angela Merkel  quanto à continuidade da ajuda financeira aos países endividados da eurozona. Segundo o jornal Der Spiegel, que classificou o resultado como um “revés para os eurocéticos da Alemanha”, o presidente da Corte Constitucional, ao proclamar o resultado, cometeu um ato falho ao dizer que as reclamações constitucionais eram “fundadas”, e, em seguida, retificou sua declaração e afirmou serem “infundadas” as pretensões contrárias ao MEE, o que gerou alguns risos na assistência.

O Tribunal Constitucional, com o veredito de 11 de setembro, manteve coerência com decisões anteriores sobre o financiamento da crise europeia por mecanismos de repasse de recursos e de compra de títulos, como já se analisou na revista Consultor Jurídico, em outra oportunidade.

Agora, com o sinal verde da justiça, a Alemanha poderá ratificar os acordos relativos ao MEE. No entanto, o Tribunal apresentou algumas condicionantes à participação alemã. A mais importante delas está em que eventuais alterações nas regras do MEE ou mesmo o aumento no volume de recursos, que atualmente é de 190 bilhões de euros, dependerão do placet do representante da Alemanha no comitê que administrará o mecanismo de estabilização. E isso implicará a aprovação do Parlamento alemão sobre as questões mais relevantes, o que não é visto com simpatia pelo Governo.

A rejeição do MEE pelo Tribunal Constitucional poderia colocar a situação econômico-financeira da Europa em estado de emergência. A Alemanha é o maior financiador das dívidas dos países endividados. As garantias bancárias alemãs respondem por quase um terço dos recursos que lastreiam o MEE. E, até agora, é o único Estado signatário do Tratado do MEE que não o ratificou.

Em larga medida, essa derrota dos eurocéticos é plena de significados. Existe hoje um debate social e político na Alemanha sobre se o país deve ser mais alemão ou mais europeu. Esse é o ponto central da controvérsia e o Tribunal Constitucional tem-se orientado pela ideia da europeização.  A outra face da moeda é que a maior parte dos países endividados encara a Alemanha com imensa reserva e com muita indignação, como se a exigência de medidas saneadoras e de austeridade fosse uma forma de indevida ingerência em seus assuntos internos.

O exemplo europeu evoca muitas lembranças aos brasileiros. Nas últimas décadas, conseguimos ordenar o sistema financeiro, tornando-o mais robusto e infenso a crises sistêmicas; instituir medidas severas de responsabilidade fiscal e eliminar a gastança das unidades federadas, especialmente com a alienação dos bancos estaduais (pequenos “bancos centrais”, que, na prática, emitiam “moeda” e geravam um endividamento de toda a federação); estabilizar a moeda (com o Plano Real) e, finalmente, iniciar uma ampla política de distribuição de renda e de fortalecimento do mercado consumidor interno, sem conflitos sociais e sem ruptura do sistema democrático. Muitos dos problemas europeus são velhos conhecidos do Brasil. Como a Europa não é uma federação em sentido pleno, ela convive com uma moeda única, ao tempo em que os governos locais têm autonomia orçamentária e bancária. Como dizem os europeístas, a única solução é mais Europa.

Clique aqui para ler a decisão em alemão e aqui para ler a decisão em inglês.

Autores

  • é advogado da União, pós-doutor (Universidade de Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); membro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française (Paris, França) e da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano (Oviedo, Espanha).

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