Contas à vista

Qual perfil deve ter um ministro do Supremo?

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Melo Guimarães Pinheiro & Scaff – Advogados; é professor da Universidade de São Paulo e doutor em Direito pela mesma Universidade.

11 de setembro de 2012, 8h00

Spacca
Com um ministro aposentado este mês (Cezar Peluso), outro se aposentando em novembro (Ayres Britto) e um terceiro dando aviso prévio de que o fará em breve, abriu-se no meio jurídico brasileiro a temporada de busca à indicação para ministro do STF.

Notícia veiculada no dia 2 de setembro pela ConJur (clique aqui para ler), repercutindo reportagem publicada no jornal O Estado de São Paulo, informa que nossa presidente examina uma lista contendo 12 nomes para suprir as vagas mencionadas. Pelo que li todos preenchem as condições exigidas pela Constituição, sejam as objetivas (ter mais de 35 e menos de 65 anos), sejam as subjetivas (notável saber jurídico e reputação ilibada).

Dentre os mencionados na reportagem colho com muita alegria o nome de alguns amigos, como o do professor Luiz Edson Fachin, da Universidade Federal do Paraná, com quem convivi na época em que partilhamos atividades de Coordenação da Área do Direito na Capes. E também do professor Luís Roberto Barroso, amigo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com quem já palestrei ao redor deste país.

Dentre as amigas, fico contente em ver mencionado o nome de Mary Elbe Queiroz, que conheci durante os anos em que ministrei aulas no doutorado em Direito da Universidade Federal de Pernambuco, cuja amizade sem mantem em debates jurídico-tributários em vários eventos acadêmicos, e da professora Flávia Piovesan, referência nos estudos sobre Direitos Humanos no Brasil e no exterior.

Menciono a estes porque os conheço de perto, mas vejo que a lista contém outros nomes de expressão no mundo jurídico. A reportagem destaca ainda, como “pule de dez”, o ministro da Advocacia-Geral da União, Luiz Inácio Adams. Todos estes, uma vez escolhidos, certamente colaborarão para o engrandecimento de nossa Corte Constitucional.

O que busco destacar, contudo, é outro aspecto que muitas vezes passa despercebido neste debate, que é: Qual perfil deve ter um ministro do STF?

À míngua de critérios, excetuados os que constam da Constituição, este debate deve ser colocado no âmbito dos órgãos de classe (jurídicos ou não) e das universidades. Não para que façam a escolha — esta é privativa do presidente da República, caso o candidato seja aprovado por maioria absoluta do Senado Federal — mas para traçar exatamente isso: Qual perfil deve ter um Ministro do STF.

Volto à reportagem. Menciona que o governo busca “um jurista preparado, com viés de esquerda e que não vote preferencialmente com a opinião pública, mesmo quando isso coloque a governança em risco”. Diz ainda que, para as três vagas devem ser escolhidos dois homens e uma mulher. E que uma das pessoas deve ser do Nordeste, uma vez que esta região ficará sem nomes no STF em face da aposentadoria do ministro Ayres Britto, de Sergipe.

Sei que se trata de uma reportagem que menciona este perfil, e não uma diretriz oficial ou não — esta, até onde sei, não existe. Mas, convenhamos, se for mesmo este o perfil buscado, são linhas largas, de textura aberta, onde cabe muita gente além dos mencionados.

O que busco — desculpem ser repetitivo, mas às vezes é necessário para tentar não ser mal entendido — é um perfil mais nítido do que é ser ministro do STF.

Por exemplo, é importante o critério federativo? Se for, o Rio Grande do Sul está super-representado há anos, pois a quantidade de ministros gaúchos é enorme. Outros estados jamais tiveram ministros no STF ou não o tem há décadas.

Outro aspecto a ser considerado: área do conhecimento. Do rol mencionado temos especialistas em diversas áreas: tributário, civil, constitucional, direitos humanos, e por aí vai. Olhemos a atual composição de nosso STF: Que tipo de especialistas existe nele hoje e quais as eventuais “lacunas”. Será este critério válido?

Mais um item da reportagem a ser analisado: É importante ser “de esquerda”? Começaria debatendo o que é ser “de esquerda” hoje, para analisar o que se busca. Caso usemos o critério de Norberto Bobbio, ser “de esquerda” é ter um perfil mais voltado para a igualdade; ser “de direita” é se voltar mais para a liberdade. Caso adotemos este critério — contestável, como qualquer outro — será ele válido? Deve-se buscar alguém mais igualitário ou libertário? Ademais, como reconhecer isso? Para os que já publicaram livros ou artigos jurídicos é mais fácil saber — basta ler o que já foi editado[1]. E o que fazer com quem nunca publicou uma linha? Ler os votos ou pareceres emitidos nos autos (isso incluiria membros do Ministério Público e da magistratura[2] que eventualmente nada tivessem publicado)? Isso valeria para petições?[3].

Um critério muito interessante, dentre os mencionados na reportagem, é o de que o escolhido “não vote preferencialmente com a opinião pública, mesmo quando isso coloque a governança em risco”. Isso se insere na função contramajoritária que as Cortes Constitucionais devem exercer, mas não deve deixar o tribunal de costas para o povo, fechado em si mesmo — o que é um risco muito grande no Poder Judiciário, mitigado, de certa forma, pelo sistema de “quintos” da OAB e do Ministério Público.

E o fato de ser mulher, traz alguma diferença? O STF atualmente conta com duas ministras e já teve outra, aposentada, que chegou à presidência da Casa. O discrímen de gênero trouxe alguma diferença na Corte? Ou basta que seja uma pessoa qualificada, homem ou mulher, sendo o critério de gênero algo irrelevante para esta específica função?

Seria interessante usar um critério etário? Em uma Corte cujos cargos são vitalícios, nomear alguém para que nela passe 20 anos ou mais será uma decisão adequada? Ministros como o já aposentado Moreira Alves, ou o ainda em atividade Celso de Mello, passaram mais de 20 anos naquela Corte. Será isso uma opção republicana? Ou, pelo contrário, a busca da estabilidade com este perfil longevo é algo positivo e deve ser incentivado?

Enfim, acima listei muitas dúvidas dentre os critérios apontados. Mas, quais são mesmo os critérios?

Este é o ponto central deste texto. Mais do que debater os nomes apontados na reportagem — repito, todos da mais alta estirpe —, busco conclamar os órgãos de classe (jurídicos ou não) e as universidades a discutir critérios para subsidiar o Senado Federal e a Presidência da República (os atuais e futuros ocupantes desses cargos) na escolha de ministros para o STF.

O que não deve acontecer é uma escolha dentre círculos restritos, quando os “candidatos” ficam sem saber como se comportar e o que fazer para se apresentarem como tal. Observe-se que sequer sabem se são mesmo candidatos, pois esta é uma indicação feita pela mídia, e não por meios oficiais, como nos casos dos “quintos” da OAB e do MP, quando existem inscrições, listas oficiais, votações etc. Como saber se se é candidato? Por que o jornal A ou B mencionou? Já tivemos casos recentes em que o escolhido sequer havia sido mencionado pela imprensa.

No caso da indicação para o STF nos moldes atuais, existe uma escolha dentre poucos, quando um ou outro “candidato” usa de suas ligações pessoais e visa influenciar quem tem os “fatores reais de poder” (Ferdinand Lassalle) para uma eventual indicação. No modelo atual, quem for escolhido pela presidente da República vai para o cargo, vitalício, mesmo sem a escuta do imenso auditório brasileiro, que fica apenas bestificado (José Murilo de Carvalho). Sua atuação pode vir a legitimá-lo no cargo, mas a origem do provimento somente terá legitimação racional (Max Weber).

Enfim, é hora de a sociedade civil brasileira se mover e estabelecer linhas mais definidas sobre qual perfil se deve buscar para compor a mais alta Corte brasileira. Só assim se poderá reclamar das escolhas efetuadas — seja por ser jovem, seja por ser mulher, ou por ser civilista, ou proveniente do Nordeste, e por aí vai. Com critérios discutidos e debatidos de forma ampla, aberta e plural, se poderá chegar a um perfil mais nítido e auxiliar a Presidência da República na escolha que vier a fazer, nesta ou nas próximas oportunidades.

Quem pode iniciar o debate aqui proposto? Alguma Faculdade de Direito? A OAB? A ABI? Fica o repto.

PS — O leitor mais atento perguntará: por que este assunto está sendo abordado em uma coluna chamada “Contas à vista”, que visa tratar de Direito Financeiro? A este leitor atento apresento uma lembrança e uma justificativa.

A lembrança: Anos atrás, no doutorado que cursei na Faculdade de Direito da USP, tive um professor de Direito Econômico com quem estudei no âmbito dessa disciplina Filosofia e Teoria do Direito, Direito Constitucional e outras matérias. Perguntado pelos alunos porque não se cingia à disciplina proposta pelo curso, respondia: “O Direito Econômico é só o mote. Devemos estudar Direito. Portanto, estas outras matérias também são Direito Econômico”. Este professor, na época, sequer sonhava em chegar ao STF — naquela Corte chegou e já se aposentou: Eros Roberto Grau.

A justificativa: Ela é necessária, afinal a ConJur me convidou para escrever sobre Direito Financeiro neste site e, portanto, devo escrever sobre esta área do Direito. A conexão existente é que, quem vier a compor o STF deverá dar seguimento a vários julgamentos na área do Direito Financeiro, dentre eles a ADI 2.238, onde se contestam normas da Lei de Responsabilidade Fiscal, sob o argumento de extrapolarem o limite de normas gerais de Direito Financeiro, invadindo autonomia dos entes federativos. Este julgamento, iniciado há mais de 10 anos, ainda se encontra pendente no STF. Logo, o escolhido para compor o STF deve se posicionar também sobre Direito Financeiro, neste e em outros julgamentos, motivo pelo qual esta coluna também trata desta matéria.


[1] E este, seria um bom critério de escolha?: Só selecionar dentre aqueles que já tivessem expressado sua opinião acerca de algum assunto em público? As palavras comprometem a ações. A pensar.

[2] É necessário ter muita cautela, pois muita produção nesses órgãos é colegiada.

[3], Outra cautela é necessária, pois os advogados, ao peticionar, não fazem em nome próprio, mas no de seus clientes. Pensemos em um advogado público que, por dever de ofício, teve que defender coisas nas quais não acreditava plenamente; sua assinatura foi na petição, mas nem sempre com ela concorda.

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