Literatura no Supremo

Audiência sobre livro de Monteiro Lobato não tem acordo

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11 de setembro de 2012, 23h41

Depois de uma reunião de conciliação de quase três horas no Supremo Tribunal Federal, presidida pelo ministro Luiz Fux nesta terça-feira (11/9), representantes do Ministério da Educação (MEC) e do Instituto de Advocacia Racial (Iara) não chegaram a um acordo sobre a manutenção da adoção do livro As Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, como obra de leitura obrigatória em escolas públicas. Ficou acertado que haverá uma nova rodada de negociações no MEC, no dia 25 de setembro.

O Instituto considera que o livro tem elementos racistas e, por isso, deve ser acrescido de uma nota explicativa sobre o tema antes de ser debatido em salas de aula. A discussão sobre o possível conteúdo racista na obra de Monteiro Lobato chegou ao Supremo por meio de Mandado de Segurança impetrado pelo Iara e pelo técnico em gestão educacional Antônio Gomes da Costa Neto, da Universidade de Brasília (UnB).

A intenção dos autores da ação no STF é anular ato homologatório do parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) que liberou a adoção de livros de Monteiro Lobato por escolas públicas depois de cassar seu primeiro posicionamento, que fixava que os livros não fossem distribuídos ou ao menos que trouxessem nota explicativa que discutisse “a presença de estereótipos raciais na literatura”.

Os autores afirmam que “não há como se alegar liberdade de expressão em relação ao tema quando da leitura da obra se faz referências ao negro com estereótipos fortemente carregados de elementos racistas”. Entre os trechos considerados racistas, está uma passagem em que a boneca Emília, do Sítio do Pica-Pau Amarelo, diz: “É guerra e das boas. Não vai escapar ninguém, nem Tia Nastácia, que tem carne preta”. Em outro trecho, o autor escreve que “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão”.

O livro Caçadas de Pedrinho foi publicado em 1933. É adotado por escolas públicas e faz parte do acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). Na grade curricular, é classificado como livro de leitura obrigatória. O advogado Humberto Adami, que representa o Iara, afirmou que a intenção da ação não é censurar a obra de Monteiro Lobato ou impedir que seja adotada em escolas.

“Ninguém quer banir nada, nem censurar. O que não se pode é tratar a discussão como se fosse uma banalidade, com argumento de que o autor escreveu isso em outra época. Na verdade, há um problema sim. Isso provoca a realimentação e a reinvenção do racismo em sala de aula. Não adianta fazer campanha de educação para combater bullying se você não ensina as crianças que elas não podem chamar a colega de macaca preta ou dizer que ela vai subir na árvore como uma macaca de carvão. Isso provoca um efeito deletério”, afirmou.

A solução, para o advogado, é manter a distribuição do livro com uma nota explicativa e dando formação e capacitação aos professores, para que eles possam enfrentar o tema em sala de aula com propriedade. “Nações democráticas já enfrentaram o problema. Tanto na França, quanto na Alemanha, eles estão o tempo todo mostrando como não esquecer o holocausto, embora alguns digam que não existiu”, afirmou Adami. Mas com a explicação do contexto.

Humberto Adami afirmou que já foi encartada uma nota explicativa no livro, por conta da lei de proteção ambiental, explicando às crianças que a caça à onça é proibida. No caso, a nota explica que a aventura aconteceu em uma época em que a onça pintada não estava ameaçada de extinção. E em que os animais silvestres não eram protegidos por lei.

Depois da reunião, o secretário de Educação Básica do Ministério da Educação, Cesar Callegari, defendeu a manutenção do parecer. Segundo ele, o parecer do CNE fixa orientações para o combate a qualquer forma de discriminação em livros didáticos, mas também estabelece que não pode haver nenhuma forma de censura. De acordo com ele, o centro do debate está em aprofundar as políticas públicas que já vêm sendo implementadas no sentido do combate ao racismo.

“A aquisição de novas obras já devem ser feitas acrescidas de um conteúdo explicativo nas primeiras páginas sobre o contexto histórico e regional em que foram escritas”, afirmou. Ou seja, o MEC está disposto a conversar sobre como fazer as orientações do parecer serem mais respeitadas, mas não cogita de sua anulação. Nem cogita de banir a adoção do livro: “Não vamos censurar jamais a obra de Monteiro Lobato. Isso está fora de cogitação”.

De acordo com o advogado Humberto Adami, o MEC apresentou números de que, de um universo de mais de 2 milhões de professores, apenas 69 mil receberam capacitação para enfrentar o problema do racismo em suas aulas nas escolas públicas. “É pouco. O Ministério da Educação não pode se limitar a dar um parecer. Tem de elaborar políticas para coloca-lo em prática”, disse.

Após a nova reunião no MEC, as partes voltarão ao ministro Luiz Fux para apresentar o resultado. Se chegarem a um acordo, o Mandado de Segurança será arquivado. Caso contrário, o processo será julgado pelo plenário do Supremo. O prazo para apresentar o saldo da negociação é o dia 5 de outubro.

Para o ministro Luiz Fux, a audiência de conciliação foi proveitosa. “Criou-se, inclusive, novas perspectivas de ampliar a discussão para outras obras, além do livro de Monteiro Lobato, que é objeto do Mandado de Segurança”, diz Fux. 

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