AP 470

Barbosa condena réus por lavagem de dinheiro

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10 de setembro de 2012, 21h16

Na sequência do julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa votou, nesta segunda-feira (10/9), pela condenação de ex-dirigentes do Banco Rural e de sócios e funcionários de empresas do publicitário Marcos Valério pelo crime de lavagem de dinheiro. Para o relator da ação, o delito de “branqueamento de capitais” foi praticado 46 vezes em continuidade delitiva por todos os réus.

Joaquim Barbosa usou seu voto para atacar teses apresentadas pelas defesas dos réus, como a de que não houve a devida descrição de delitos antecedentes para basear as acusações de lavagem de dinheiro. O ministro afirmou que, dada a incidência e complexidade com que eram praticados, parte dos crimes antecedentes ocorreu paralelamente ao processo de lavagem. Para o relator, ficou provado que a promessa de oferecimento ou ainda o oferecimento de vantagens indevidas ocorreram antes dos esforços para dissimular a origem dos recursos.

O ministro condenou por lavagem de capitais os ex-dirigentes do Banco Rural Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane. Barbosa votou também pela condenação dos sócios Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, do advogado Rogério Tolentino e das funcionárias da agência SMP&B Propaganda Simone Vasconcelos e Geiza Dias.

Joaquim Barbosa excluiu da condenação apenas a ex-vice-presidente do Banco Rural, Ayanna Tenório. Ele fez ressalvas sobre sua posição, dizendo que a absolvia não por considerá-la inocente, mas por acatar a determinação do Plenário do STF, que a absolveu dos crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira. Deste modo, não havia conduta antecedente para sustentar a acusação de lavagem de dinheiro, o que levou o relator a desistir da condenação.

Citando o jurista Abel Fernando Gomes, Barbosa disse que, no que toca a comprovação da ocorrência de delito antecedente, basta que haja a proveniência ilicíta dos bens e que o sujeito ativo esteja consciente da necessidade de ocultá-la.

“Os crimes de corrupção ativa e passiva já haviam se consumado desde o prévio oferecimento ou promessa de oferecimento de vantagem indevida”, disse o relator. "Tanto o oferecimento de vantagem indevida quanto a aceitação dessa ocorreram antes das operações de lavagem de dinheiro. Somente o efetivo pagamento e recebimento de dinheiro é que se deu depois”, sustentou o ministro.

Organização criminosa
No que se refere especificamente à organização criminosa, o ministro diz seguir a corrente segundo a qual não se trata de um crime antecedente, mas, sim, da forma como o crime é cometido. “Daí porque não se faz necessária a existência de um tipo específico de organização criminosa para a aplicação do inciso 7 do artigo 1º da Lei 6.913 (Lei de Lavagem de Dinheiro)”, afirmou.  

Joaquim Barbosa voltou a muitos pontos já tratados no julgamento de itens anteriores da denúncia.  O relator citou, como evidência de um esforço em grupo para a prática de crimes, três encontros de dirigentes do Banco Rural e de Marcos Valério com José Dirceu no Palácio do Planalto.

O ministro ainda atacou a forma como os beneficiários procediam com o saque e a leniência do banco em não fiscalizar as operações. O relator observou que os repasses eram feitos, por cheque, a terceiros sem a devida indicação dos verdadeiros destinatários. O espaço referente aos dados do portador, afirmou Barbosa, eram preenchidos com o nome jurídico dos sacadores assim como a emissão dos cheques era feita em favor da pessoa jurídica do titular da conta.

Ainda segundo o relator, dos 78 registros de repasses registrados no processo, 55 deles apresentaram o campo de movimentadores da conta vazio.

Joaquim Barbosa respondeu às alegações da defesa de que o Banco Central (Bacen) não exigia, à época, a discriminação do portador da quantia, apenas da pessoa jurídica.  O ministro disse que a cartas circulares 3.098, de junho de 2003, bem como a 3.151, de 2004, já  se referiam a identificação de pessoa física e indicavam a necessidade de informar o CPF.

O ministro ainda se referiu à decisão do Banco Central, que, em processo administrativo, condenou a ex-vice-presidente do Banco Rural, Ayanna Tenório, e o ex-vice-presidente operacional, José Roberto Salgado, por não repassar informações quanto aos saques e o risco de fraudes. Joaquim Barbosa afirmou que tanto Salgado quanto Tenório entraram com recurso contra a decisão, que foi indeferido posteriormente pelo ministro da Fazenda.

O relator também atacou outra das principais ideias da defesa, a tese do excesso de zelo, de que justamente o rigor do Banco Rural em registrar as informações sobre os saques e empréstimos é que permitiu que o Ministério Público Federal procedesse com a acusação e enumerar réus.

“Não se trata de informar o nome das pessoas físicas ou jurídicas, não se cuidou de informar o verdadeiro, o real sacador ou devedor”, pontuou o ministro relator. Para Barbosa, os registros internos e informais feitos pelo banco tinham apenas a “finalidade de prestar contas à quadrilha”.

Barbosa criticou também argumentos das defesas de Kátia Rabello, Roberto Salgado e Vinícius Samarane de que, embora outras instituições financeiras não realizassem o registro de repasses como estabelecia o Banco Rural, apenas os dirigentes do Banco Rural são acusados de não fazê-lo.

O ministro lembrou que no julgamento do 15º Agravo Regimental da Ação Penal 470, pelo STF, ficou definido que o ilícito cometido por outros bancos “não tem o condão de tornar lícitas” condutas análogas dos dirigentes do Banco Rural.

Joaquim Barbosa referiu-se também ao esforço das defesas dos réus em desqualficar o depoimento do ex-superintendente de compliance do banco, Carlos Godinho.

Para o relator, houve a tentativa de inviabilizar o depoimento desfavorável à defesa por meio de ações judiciais. Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Ayanna Tenório moveram ações contra Godinho, perdidas em primeira ou segunda instância ou ainda objeto de perícia, disse o relator.

Barbosa lembrou que, de acordo com o depoimento de Godinho, os relatórios que indicavam fraudes “morriam sempre em um diretor estatutário”.

Marcha lenta
No final da sessão, o ministro relator demonstrou preocupação em relação ao ritmo do julgamento, chegando a sugerir que o tribunal faça mais sessões para julgar exclusivamente o processo do mensalão, a despeito das sessões extras que o STF passará a realizar nas manhãs de quarta-feira para julgar processos paralisados com o julgamento da AP 470.

“Seria muito bom avançarmos, porque o julgamento já ultrapassa um mês”, disse o ministro relator. “Sugiro que reexaminemos a sequência dessa ação penal. Muito provavelmente encerraremos o terceiro item esta semana. Talvez fosse conveniente estudarmos a possibilidade de sessões exclusivamente para o julgamento. Do contrário, adentraremos o mês de outubro.”

“Sou receptivo à postulação de vossa excelência, mas a ouviremos no devido tempo”, disse o presidente do STF, ministro Ayres Britto.

Críticos à demora no julgamento temem que ele não seja finalizado até as eleições para prefeito e vereador, marcadas para o dia 6 de outubro, reduzindo, assim, sua influência direta na política.

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