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Advogado contesta tributação de serviço de outdoor

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8 de setembro de 2012, 7h03

A não incidência de ISS sobre as atividades de veiculação de publicidade e propaganda criou um problema para as empresas do ramo. Principalmente para as que alugam espaços em outdoor. Em 2003, quando foi publicada a Lei Complementar 116, que trata do tributo, a atividade foi excluída, por veto presidencial, do rol das tributadas pelo fisco municipal. O item 17.07 prescrevia a cobrança do imposto sobre atividades de "veiculação de publicidade e propaganda", mas foi retirado da lei pelo então presidente Lula. Isso atraiu os fiscos estaduais a cobrar ICMS das empresas, como forma de incrementar a arrecadação.

O movimento é questionável, segundo explicação do tributarista André Mendes Moreira, sócio do Sacha Calmon, Misabel Derzi Advogados e Consultores e especialista em tributação de serviços de comunicação. Ele conta que os estados resolveram cobrar o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços das empresas de outdoor — locadoras de espaço para publicidade, portanto — desde 2003, quando as empresas deixaram de ser tributadas pelo ISS.

As secretarias de Fazenda têm obtido aval dos tribunais de impostos e taxas (TITs), os tribunais fazendários administrativos, para fazer a manobra (clique aqui e aqui para ler exemplos). Os julgadores têm entendido que as empresas de outdoor prestam serviço de comunicação, o que está dentro da competência tributária do ICMS, conforme dispõe a Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996). Em São Paulo, o posicionamento do TIT já foi confirmado pelo Tribunal de Justiça.

É daí que decorre todo o problema. A questão é complexa e passa por uma série de definições jurídicas, que nem sempre coincidem com as definições cotidianas. O começo do imbróglio, defende Moreira, está em erros tributários conceituais cometidos pelo TIT paulista. “O mero fato de não incidir ISS não atrai automaticamente a incidência de ICMS. Trabalhar com essa premissa é um erro.”

Pelo que diz o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, os municípios só podem tributar o que não for tributado pelos estados. Ou seja: só pode incidir ISS nos casos em que não incide ICMS. “Se os estados querem cobrar ICMS das empresas que estão isentas, deveria cobrar desde 1988, quando foi promulgada a atual Constituição”, resume o tributarista.

Aproximações supremas
Outra definição equivocada é considerar as empresas de outdoor como prestadoras de serviços de comunicação. O que elas fazem, conforme sustenta Moreira e sua sócia Alice Gontijo Santos Teixeira em artigo publicado no livro do 4º Encontro de Julgadores Municipais Tributários (Ejumt), é alugar espaço para divulgação de mensagens, e não transmitir a mensagem. As empresas de outdoor, diz o advogado, não se responsabilizam, ou relacionam, com o conteúdo da publicidade que veiculam.

Aqui cabem mais definições, mais antigas. O fato de prestar serviço de comunicação ou alugar espaço para divulgação de mensagem faz toda a diferença na concepção do serviço. Daí depende se ele deve ser tratado como "de comunicação" ou como simples espaço para veiculação de publicidade e propaganda.

Em 1978, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário 87.049 e decidiu que os jornais prestam uma série de serviços. Entre eles, a cessão de espaço para divulgação de anúncios e peças publicitárias, uma importante fonte de renda para sua atividade-fim. “O jornal, por sua natureza, é um prestador de serviços. Assim, evidentemente, pratica atos que, em tese, incidiram o Imposto Sobre Serviços”, diz o acórdão.

Em 1979, o STF julgou o Recurso Extraordinário 90.749 e decidiu que a TV Aratu, por sua atividade, não deve pagar ISS, mas sim imposto sobre a comunicação, à época federal. Isso porque a propaganda, quando divulgada pela televisão, “é uma forma de difusão e, portanto, está ela implícita na comunicação intermunicipal, cuja competência tributária pertence à União”. A televisão, portanto, no entendimento do Supremo, se dedica à prestação do serviço de comunicação. Jornais, não.

Naquela época, quem tributava os serviços de comunicação que alcançassem mais de um município era o governo federal. Aos municípios, cabia tributar os serviços de comunicações prestados dentro de seus territórios. Com a Constituição de 1988, as mercadorias e serviços, inclusive os de comunicações, passaram a ser tributados pelos estados, por meio do ICMS.

Mas os jornais foram excluídos da categoria das comunicações. Sobre a veiculação de propaganda incidiria o ISS, não fossem “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão” imunes a qualquer imposto. É o que diz o artigo 150, inciso VI, alínea “d”. “Ora, se estamos fazendo aproximações, um outdoor é mais próximo de um jornal do que de uma emissora de rádio ou TV”, conclui André Mendes Moreira.

Exclusões executivas
Outra origem do problema, então, é o veto à cobrança de ISS sobre a veiculação de publicidade, prevista no item 17.07 da lista anexa da Lei Complementar 116/2003. A argumentação do veto do então presidente Lula diz que o item deixa a possibilidade de ser cobrado ISS sobre jornais, cuja atividade principal, juridicamente, é a venda de espaço para veiculação de publicidade.

A mensagem de veto diz: "O dispositivo em causa, por sua generalidade, permite, no limite, a incidência do ISS sobre, por exemplo, mídia impressa, que goza de imunidade constitucional (cf. alínea "d" do inciso VI do art. 150 da Constituição de 1988). Vale destacar que a legislação vigente excepciona – da incidência do ISS – a veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de publicidade por meio de jornais, periódicos, rádio e televisão (cf. item 86 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar no 56, de 15 de dezembro de 1987), o que sugere ser vontade do projeto permitir uma hipótese de incidência inconstitucional. Assim, ter-se-ia, in casu, hipótese de incidência tributária inconstitucional”.

Usa a mesma argumentação do Supremo Tribunal Federal de 1979. E se apropria do ordenamento jurídico daquela época: “Ademais, o ISS incidente sobre serviços de comunicação colhe serviços que, em geral, perpassam as fronteiras de um único município. Surge, então, competência tributária da União, a teor da jurisprudência do STF, RE no 90.749-1/BA, Primeira Turma, Rel.: Min. Cunha Peixoto, DJ de 03.07.1979, ainda aplicável a teor do inciso II do art. 155 da Constituição de 1988, com a redação da Emenda Constitucional no 3, de 17 de março de 1993."

No entendimento do tributarista André Moreira, além de errada, a argumentação da mensagem de veto é “completamente anacrônica”. “Usa os motivos de 1979 para explicar uma decisão de 2003.”

O primeiro erro, diz o advogado, está em considerar que o item da Lei 116/03 permite a incidência de ISS sobre a veiculação de publicidade em jornais. "Esqueceu-se de considerar que a Constituição isenta livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão de qualquer imposto."

Mais grave, o segundo erro apontado pelo tributarista, está em usar um precedente do STF que considera a veiculação de publicidade prestação de um serviço de comunicação. Deveria, na opinião de Mendes Moreira, vetar a incidência do ISS sobre a veiculação de publicidade por TV e rádio e suprimir o dispositivo inteiro. Impediria assim a possibilidade de se cobrar o tributo de veiculadores de publicidades não imunes ou prestadores de serviços de comunicação.

Clique aqui e aqui para ler exemplos de decisões do TIT-SP sobre autorização de incidência de ICMS sobre serviço de outdoor.

Clique aqui para ler o acórdão do TJ-SP que autorizou a cobrança de ICMS sobre o serviço de outdoor.

*Texto alterado às 20h50 do domingo (9/9) para correção de informações. Ao contrário do que dizia a reportagem, livros, jornais, periódicos não estão isentos de tributação, mas foram imunizados pela Constituição Federal de 1988. A ConJur agradece o comentário do estudante Lucas da Silva e a contribuição de André Mendes de Moraes.

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