Filtro no tribunal

STJ também barrará HC substitutivo de recurso

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7 de setembro de 2012, 8h14

Depois da decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, de não mais admitir pedidos de Habeas Corpus que tenham caráter de substitutos de recursos, as duas turmas e a seção responsáveis pelo julgamento de matéria penal no Superior Tribunal de Justiça seguirão o mesmo caminho. Ministros do STJ ouvidos pela revista Consultor Jurídico disseram que a sinalização do STF não podia vir em melhor hora e que, assim, eles também passarão a refrear o que entendem ser um abuso no manejo do Habeas Corpus.

Os ministros do STJ já vinham criticando o volume de Habeas Corpus e, principalmente, as matérias trazidas à discussão nos pedidos. Em voto no final do ano passado, o ministro Gilson Dipp disse que o HC ganhou status de remédio para qualquer irresignação, o que, para ele, é inadmissível. “O Recurso Especial, instrumento ordinariamente previsto no ordenamento jurídico para que esta Corte Superior analise eventual ofensa à legislação federal nos fundamentos da dosimetria da pena, aqui deliberadamente desdenhado, não pode ser substituído pelo Habeas Corpus, exceção que se liga necessariamente à violência, à coação, à ilegalidade ou ao abuso”.

Na semana passada, quando tomou posse, o presidente do STJ, ministro Felix Fischer, também fez críticas nesse sentido. “O Habeas Corpus, no nosso país, está sendo utilizado para qualquer coisa. Até para obter passaporte. E não é essa a função do HC, que virou um verdadeiro substituto processual”. Fischer afirmou que não é preciso restringir as possibilidades de uso de Habeas Corpus. “Basta aplicar a Constituição. Habeas Corpus diz respeito à liberdade de ir e vir. O passaporte pode ser um instrumento para essa liberdade, mas o direito a ele não deve ser analisado por meio de HC”.

Quatro ministros que compõem a 3ª Seção do STJ — que reúne a 5ª e a 6ª turmas — falaram para a ConJur que seus colegiados seguirão o entendimento do Supremo nos novos pedidos de Habeas Corpus. Os antigos, que já foram impetrados e tramitam hoje no tribunal, serão analisados normalmente. Mas em breve pedidos claramente substitutos de recurso ordinário e especial sequer serão analisados pelas turmas.

“Iremos seguir o entendimento do Supremo. Isso não significa dizer que haverá abuso na rejeição da análise de HC. Deveremos fazer uma mudança gradual, com uma espécie de período de carência, para não surpreender os advogados com a mudança de jurisprudência”, afirmou um ministro da 6ª Turma do tribunal. O ministro garante que o STJ não fechará os olhos para os casos de flagrante ilegalidade, mas irá se adaptar à nova realidade imposta pelo Supremo.

De acordo com o ministro, o STJ vinha aceitando pedidos de HC com caráter nitidamente substituto de recursos por conta da jurisprudência do Supremo. “Não adiantava negar o HC, porque o STF reformava a decisão. Agora, a situação é outra e ao STJ cabe, até por uma questão de segurança jurídica, seguir as orientações do Supremo”, afirmou.

Outro ministro, da 5ª Turma do STJ, fez coro ao colega. “A decisão do Supremo recoloca as coisas nos eixos e nos permite fazer o mesmo aqui no STJ. O voto da ministra Rosa Weber vai ao ponto do problema e deve ser tomado como paradigma para decidir casos semelhantes”, afirmou.

Em seu voto, proferido no dia 28 de agosto, a ministra do Supremo afirmou que o HC é garantia fundamental que não pode ser vulgarizada e que seu emprego não pode servir a escamotear o instituto recursal previsto no texto da Constituição. Rosa trouxe números para fundamentar seu argumento de que o instrumento está vulgarizado. Citou que, no ano passado, STJ recebeu mais de 36 mil pedidos de HC. E deu como exemplo a pauta da 1ª Turma do Supremo, que semanalmente tem “mais de uma centena de HCs sobre os mais variados temas”.

O voto da ministra corroborou decisão tomada 20 dias antes pela turma, em Habeas Corpus da relatoria do ministro Marco Aurélio. Pelo entendimento, não serão mais admitidos pedidos de Habeas Corpus que tenham por objetivo substituir recursos. No caso, o réu pretendia obter a produção de novas provas e já havia feito o pedido de HC no Tribunal de Justiça do Paraná e no Superior Tribunal de Justiça. Em ambas as instâncias o pedido foi rejeitado.

Segundo outro ministro da 6ª Turma do STJ, a tendência natural do tribunal é seguir os precedentes fixados pela 1ª Turma do Supremo. “O pedido de HC ganhou caráter ordinário, o que corrompe a natureza constitucional e libertária do instituto”, disse o ministro. De acordo com ele, não se trata de uma mera questão de volume de trabalho, mas de desvirtuamento do remédio.

O ministro conta que são muitos os casos em que, após uma condenação em primeira instância, na qual o juiz, em decisão fundamentada, determina que o condenado seja preso, o advogado entra com recurso e, paralelamente, com pedido de Habeas Corpus. Negado em segunda instância, vai ao STJ. Em seguida, ao Supremo. Isso sem que o recurso tenha sido sequer analisado.

“A decisão do Supremo nos permite uma correção de rumos, um acerto da rota”, afirmou o ministro. “Nenhum julgador em sã consciência irá menosprezar o uso adequado do Habeas Corpus. Não haverá decisões autoritárias, nem é esse nosso objetivo, mas a correção do que estamos a assistir se faz necessária”, argumentou o mesmo ministro. Ainda segundo ele, haverá um tempo de adaptação para que os advogados não sejam pegos de surpresa, mas o STJ será, sim, mais rigoroso na análise dos HCs.

De acordo com dados estatísticos do STJ, foram distribuídos, no primeiro semestre deste ano, 16.372 pedidos de Habeas Corpus. A maioria aos ministros que compõem a 3ª Seção do tribunal, que julga matéria penal.

A média é de 1.600 HCs para cada um dos dez ministros. Ou quase 270 pedidos de HC por mês, por ministro. Como ao menos uma das cadeiras das turmas ficou vaga durante o período, o número individual é ainda maior. “Os dados revelam como o uso do instrumento foi vulgarizado a ponto de ser necessário este redirecionamento que será, agora, levado a efeito”, concluiu um dos ministros. 

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