AP 470

Ministros do STF dizem não flexibilizar jurisprudência

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6 de setembro de 2012, 18h59

O Supremo Tribunal Federal não está flexibilizando sua jurisprudência em ações criminais ao julgar a Ação Penal 470, o processo do mensalão, garantiu o ministro Gilmar Mendes, nesta quinta-feira (6/9), durante o julgamento do processo. Mendes respondeu a provocação do presidente da corte, ministro Ayres Britto, que disse ter lido nos meios de comunicação "que o Supremo estaria decidindo nessa causa de modo a se colocar quase que em rota de colisão com sua própria tradição de observância das garantia constitucionais do processo”.

Gilmar Mendes respondeu que o STF tem adotado a jurisprudência consolidada em outros julgamentos de processos relativos à corrupção. “Todos [os ministros] procuraram analisar o caso detidamente, fugindo a qualquer pretensão de adotar uma ideia de responsabilidade objetiva ou coletiva”, disse. “Tem se falado muito que violamos a jurisprudência da Ação Penal 307 [Caso Collor] sobre o ato de ofício”, lamentou.

Celso de Mello também defendeu a atuação do Supremo na condução do julgamento da Ação Penal 470. “O tribunal deixou claro então [na AP307] e voltou, ao meu juízo, a reafirmar agora que não há necessidade de que se pratique concretamente um determinado ato, mas, sim, que o ato que se busca seja um ato primeiro, que se inclua na esfera de atribuições funcionais do agente”, reiterou o decano da corte, ministro Celso de Mello.

Três condenados
A corte encerrou, nesta quinta-feira,o julgamento do item cinco da Ação Penal 470, condenando, pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, três executivos do Banco Rural. Apenas a ex-vice-presidente do banco, Ayanna Tenório foi absolvida. Na tarde desta quinta-feira, votaram os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e  o presidente do tribunal, ministro Ayres Britto.

Ayanna Tenório foi absolvida apenas do crime de gestão fraudulenta. A ré responde ainda, junto com os outros três dirigentes do banco, por imputações referentes aos crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. No entanto, como nove ministros disseram estar convencidos de que Ayanna Tenório, como recém contratada, não tinha sequer “condições técnicas” de interferir na renovação dos empréstimos fraudulentos, é improvável que a ré seja condenada por outros crimes.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e o ex-vice-presidente operacional José Roberto Salgado foram condenados por unanimidade. A ex-vice-presidente Ayanna Tenório foi absolvida por nove votos a um, e o atual vice-presidente da Vinícius Samarane foi condenado por oito votos a dois. O ministro relator Joaquim Barbosa foi o único que acolheu integralmente a acusação e condenar os quatro. Já o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, acompanhado do ministro Marco Aurélio, votou pela absolvição de Ayanna e Samarane. Os sete outros ministros absolveram apenas Ayanna Tenório. 

O ministro Gilmar Mendes, o primeiro a votar nesta quinta-feira, retomou aspectos abordados por outros ministros que o antecederam. O ministro citou como evidência dos crimes atribuídos aos réus o fato de as “concessões temerárias de crédito” terem ocorrido a partir de cadastros incompletos dos contraentes e por meio de “manobras contábeis e escriturais”, que maquiavam a não amortização dos empréstimos. Mendes observou, ainda, o risco assumido pelo banco ao  incidir no não provisionamento de capital, dado o risco assumido com os empréstimos fraudulentos. Gilmar Mendes observou que, dessa forma, o banco incorreu na diminuição da liquidez e na descapitalização da instituição.

O ministro afirmou ainda que é farta a prova documental, inclusive de natureza técnica, trazida pelo Ministério Público e aproveitou para criticar o argumento da defesa de que as renovações de empréstimo, por não implicarem em nova injeção de recursos por parte do banco, eram procedimentos mecânicos, que dispensavam o juízo dos réus.

Críticas às fatias
Segundo a votar nesta quinta, o ministro Marco Aurélio começou seu voto criticando novamente o fatiamento do julgamento. “Seria pertinente nós vogais termos uma visão conjunta do processo, uma visão conjunta do que foi  elaborado pelo relator e revisor”, disse Marco Aurélio.

“Não há crime por presunção”, disse Marco Aurélio ao absolver Vinícius Samarane. O ministro disse que, embora Samarane dirigisse a área de controle interno do banco, ele  não operava a parte financeira, já que o setor atuava mais sob o ângulo administrativo. “Antes, se ter um culpado solto do que um inocente preso”, observou Marco Aurélio. O ministro ainda observou que Samarane subscreveu o relatório que encobria as fraudes em conjunto de mais de uma dezena de outros funcionários. “A situação dele não é diferente dos demais que subscreveram o relatório e não foram acusados pelo Ministério Público Federal”, ponderou.

Já o ministro Celso de Mello fez referência à doutrina do domínio funcional do fato para justificar a condenação de Samarane e absolver Ayanna Tenório, votando, assim, de acordo com a linha de pensamento aberta pelo voto da ministra Rosa Weber.

Celso de Mello afirmou que, quando o crime é praticado em concurso de pessoas, não é necessário que todos os réus tenham praticados todos os atos ilícitos. Samarane, afirmou o ministro, “incluía-se no itinerário criminoso” , tomando parte da produção de documentos que tinham por fim omitir as fraudes embora não tenha participado destas.

“Cada co-autor tem a sorte do fato total em suas mãos, através do cumprimento de uma função específica na perpetração de um projeto criminoso”, disse Celso de Mello ao citar o jurista Claus Roxin, autor da obra “Autoria e Domínio do Fato em Direito Penal”.  

Despersonalizar as diferenças
Celso de Mello elogiou também em seu voto o esforço do ministro Luiz Fux, durante sua fala na quarta-feira (5/9), de aproximar a questão dos crimes financeiros a aspectos constitucionais. Para o decano, a regulação penal de crimes dessa ordem buscam garantir o cumprimento de um mandamento constitucional, uma vez que tratam da segurança da ordem econômico-financeira.

O ministro também procurou, durante o seu voto,  despersonalizar as diferenças de ponto de vista entre os ministros sobre a matéria em julgamento. Celso de Mello observou que, como decisão colegiada, a solução emana do Supremo e não individualmente, e que, dessa forma, o veredito se sobrepõe às figuras dos ministros.

No entanto, a despeito do esforço do decano, o ministro Joaquim Barbosa insistiu em lembrar de sua atuação à frente da condução do processo. “Espero que nunca esqueçamos os ataques covardes de que fui alvo tendo como sempre pano de fundo essa açao penal”, disse o ministro relator.

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