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Impressões de uma viagem à China – Mao e China Mobile

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5 de setembro de 2012, 15h51

Spacca
Num tempo de carência de imagem, em que a televisão ainda não havia chegado aos rincões brasileiros, colecionei na infância alguns ídolos em selos. Foi pelas pequenas estampas que conheci o poeta indiano Rabindranath Tagore, de quem os Correios lançaram em 1961 um selo comemorativo dos 100 anos de nascimento, no valor de Cr$ 10,00. Impressionava sua figura com imensa barba. Outro ícone daqueles tempos foi o imperador da Abissínia, Hailé Sellasié, visitante extemporâneo que merecera estampar um selo postal, um ano antes. Outra fonte eram as visitas à então pujante cidade de Londrina onde nasci, autodenominada “capital mundial do café”. O presidente Café Filho esteve no município, desfilando pela Avenida Paraná, assim como a futura deputada federal Edna Lott, em campanha pelo pai à presidência da República, apresentando-se na Arol, a Associação Recreativa e Operária Londrinense, um clube de afrodescendentes.

Mao Tsé Tung, hoje chamado de Mao Zedong, não esteve em Londrina e nem foi selo de nosso Correio, mas é um ícone daqueles tempos. Não pela imagem, que fui conferir mais tarde (talvez nas páginas da revista O Cruzeiro), mas pela famosa frase “A longa caminhada começa com o primeiro passo”, antigo provérbio chinês a ele atribuído.

Hoje, após tantos anos e com as reviravoltas que a História dá, a imagem do líder presente na Praça da Paz Celestial, em Pequim, trouxe essa reflexão. Como a Itabira do poema de Carlos Drummond de Andrade, Mao parece ser apenas uma foto naquela parede. A visão que tem hoje o cidadão chinês mudou. A revisão crítica, em resumo, mostra que ele foi um grande líder e um péssimo gestor.

No afã de fazer a longa caminhada iniciada em 1949 se tornar uma corrida de 100 metros rasos, Mao tomou medidas que deixaram a China quase uma terra arrasada. Os projetos de reforma agrária e a criação de fazendas coletivas provocaram as grandes fomes de 1958 e 1962, quando mais de 45 milhões de chineses morreram de fome. A seguir, a voracidade da Revolução Cultural (1965-1971) fechou as universidades e obrigou professores e eminentes pesquisadores a trabalhos forçados e manuais, para a reeducação contra os vícios burgueses das mãos impecáveis. Como na metáfora jornalística, era preciso sujar as mãos, criar calos para demonstrar que o camarada deixara de lado as mordomias intelectuais. O que isso representou em atraso no campo da pesquisa e da inovação é inimaginável, algo que a China busca recuperar, agora sim, numa corrida veloz em busca do tempo perdido.

Na época em que a China esteve na iminência de confronto com a Rússia, a política de incentivo à fertilidade, para contar com novos combatentes, levou o país à explosão populacional (que durante o período da liderança de Mao cresceu de 550 a mais de 900 milhões). Hoje, como se sabe, há um estrito controle da natalidade (um filho por casal, com a exceção de que, sendo o primeiro uma menina, há a possibilidade de tentar um segundo filho varão). Isso se explica: é o filho varão que dará aos pais a garantia de assistência na velhice, pois a filha ao se casar passa a fazer parte da família do marido, sem compromissos com a velhice dos pais. A segurança social é um dos problemas não resolvidos na China, o que em parte explica a preocupação com o acúmulo de economias, levando à geração de poupança, umas das riquezas do país.

No entanto, Mao foi o grande líder. Não seria fácil comandar um país com quase uma centena de diferentes etnias (são oficialmente 56) e com tamanha extensão territorial (é o único país do mundo que divide fronteiras com outros 14 Estados). Mao foi o timoneiro que colocou a China no caminho da dimensão que ocupa hoje. E o país que ele assumiu em 1949 estava exaurido, pelas sucessivas guerras civis e ocupações.

Já em 1912, quando o golpe de Estado pôs fim ao decadente império da enfraquecida Dinastia Quing (Pu Yi, o último imperador), a China era um parque de diversões disputado pelas potências do final do século XIX, com Inglaterra (sempre os ingleses), França e Estados Unidos impondo condições e decidindo quais regiões do país queriam ter como suseranos. Os anos dourados de paz e prosperidade da Dinastia Tang (618 a 907), quando o país atingiu seu maior tamanho e inventou a impressão pela xilogravura, ou da longa e esclarecida Dinastia Ming (1368-1644), a construtora do complexo palaciano conhecido com a Cidade Proibida, no coração de Pequim, haviam ficado muito para trás.

Num país enfraquecido durante a primeira República, com a disputa entre os nacionalistas do Kuomintang no poder e os comunistas na oposição, até o Tibete, um aliado milenar, expulsou os chineses, declarando independência (voltaremos a falar sobre isso). Pior, com o país em frangalhos, o Japão ocupara em 1931 a Manchúria, invadindo depois boa parte do norte chinês, incluindo a sempre fervilhante Xangai e o vale do Yang Tsé-Kiang. Até hoje essa é uma questão pendente na agenda diplomática entre China e Japão, pois este nunca se desculpou pelas crueldades praticadas.

Com a expulsão japonesa ao fim da Segunda Guerra Mundial, a China entrou numa guerra civil que terminou com a declaração da República Popular, fundada por Mao em 1949.

Mao teve a fibra de colocar a unidade do país no centro de suas metas. E ganhou a parada. Tem no currículo os apontados erros da falta de paciência ao eliminar os pequenos produtores e a indústria, coletivizando a propriedade e a produção, com o Grande Salto Adiante, de 1958, e os ciclos de fome — e tragédia seguinte foi a Revolução Cultural (1965-1971). Mas ele é reconhecido como o fundamento da China potência de hoje.

Uma visita à sede da China Mobile Communications Corporation, empresa criada em 2000, é uma bela mostra da exuberância dos caminhos trilhados desde a abertura para um “socialismo capitalista”. Hoje a maior operadora de telefonia móvel do mundo, no ano passado a China Mobile ocupou a 87ª colocação no ranking das 500 maiores empresas da Fortune, sendo incluída entre as 50 empresas mais inovadoras do planeta. Ela opera no setor de telefonia móvel, serviços multimídia como internet e outros negócios e soluções de comunicação. Ao contrário das nossas operadoras, recentemente multadas pelo péssimo suporte aos usuários, a China Mobile tem 900 mil bases de estação, atendendo a 650 milhões de consumidores. Há quatro anos, é distinguida pelo selo de sustentabilidade pela Dow Jones americana. E agora desenvolve um ambicioso projeto de armazenamento de dados no sistema cloud (nuvem), em que as informações podem ser acessadas de qualquer computador.

Recentemente, lançou no Salão do Automóvel de Pequim, em abril, um sistema 4G para conectar os veículos e disponibilizar todos os serviços, de GPS e navegação a informações de trânsito em tempo real, diagnóstico remoto e resgate do veículo, além das ligações convencionais (ainda se falará sobre o trânsito nas cidades chinesas).

No total, 31 províncias são servidas pelo sistema wireless, atendendo 350 grandes cidades. A cobertura nacional é completa, com 50 canais de aplicação, que vão do monitoramento do tráfego das cidades a serviços e urgências médicas, localizando especialistas em diversas áreas de Medicina, além de controle de veículos, fornecimento de informações para aparelhos tipo TVBus. A expansão apenas começa: a empresa está presente no Paquistão, onde comprou a Paktel e opera com o nome Zong.

O que mais chamou a atenção desse observador pouco familiarizado com siglas como 4G ou TD-LTE, foi um prático modelo de checagem de compras em supermercado, exibido no showroom da China Mobile. Basta colocar as mercadorias no carrinho e passá-lo pelo censor do caixa: todos os produtos comprados são registrados e aparece na tela a lista completa com os preços e o total a pagar. Seria o fim das filas em nossos lotados supermercados. Não é o menor dos feitos desta nova China, criada por Mao.

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