Eleições 2012

Um lapso no gerenciamento de informações partidárias

Autor

  • Alexandre Basílio

    é assessor da Procuradoria Regional Eleitoral da Paraíba e professor de Direito Eleitoral do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar Paraibana.

4 de setembro de 2012, 9h01

Ao que parece, o problema do momento para a Justiça Eleitoral é quanto à regularidade das Convenções Municipais, das quais depende a escolha dos candidatos para o pleito de 2012. Neste exato momento em que escrevo existem vários processos no Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba aguardando a decisão da corte sobre o assunto. Tal decisão pode influenciar diretamente várias candidaturas, deferindo ou indeferindo a participação de candidatos ou alterando o tempo de propaganda na TV para cada coligação.

Para elucidar bem o caso e para garantir o entendimento do caro e-leitor, é necessário uma breve explicação. As Comissões Provisórias são representações do partido em âmbito municipal. Cabe a essas Comissões, de forma democrática e seguindo as regras do Estatuto do Partido, promover as Convenções Partidárias onde serão escolhidos os seus pré-candidatos.

No âmbito municipal, via de regra, o responsável por realizar as convenções é o Diretório Municipal. Ocorre que, em muitos municípios, esse diretório não existe. Nesses casos, o que existe é uma Comissão Provisória. Essa comissão provisória faz as vezes do Diretório, e, tecnicamente em nada se diferencia quanto às prerrogativas para atuar no microprocesso eleitoral.

Devido aos constantes problemas quanto ao controle dos integrantes e delegados dos órgãos de direção partidária, o TSE, por meio da Instrução Normativa 3/2008, estabeleceu o uso do Sistema de Gerenciamento de Informações partidárias (SGIP).

Instituído para atender os fins do artigo 10 da Lei 9.096/95, e regulamentado pela Resolução TSE 23.093/2009, o SGIP passou a ser de uso obrigatório pela Justiça Eleitoral a partir de 2009, sendo composto por três módulos:
I — Módulo Interno – SGIPin): de uso exclusivo da Justiça Eleitoral.
II — Módulo Consulta Web (SGIPweb): disponível na internet e na intranet do TSE — Possibilita o acesso aos dados inseridos no Módulo Interno e permite a emissão de certidões com certificação ou autenticação digital.
III — Módulo Externo (SGIPex): de uso da Justiça Eleitoral e dos partidos políticos — Permite aos representantes das agremiações partidárias enviar à Justiça Eleitoral, pela Internet, os dados de constituição e alterações dos órgãos de direção partidários, em qualquer âmbito, bem como fazer o credenciamento e descredenciamento de delegados (nacionais e estaduais) perante a Justiça Eleitoral.

Após criar o sistema, foram também criados nomes de usuário e senhas pelo TSE para cada representante do partido. Em seguida foram eles capacitados para que pudessem operá-lo.

Providenciada a parte administrativa de uso e concessão de acesso ao sistema, o controle da composição dos partidos passou a ser realizado de forma totalmente eletrônica. Para melhor compreensão, basta entender que, todas as informações do Diretório Nacional, Regional, Municipal e das Comissões Provisórias passaram a ser controlado pelo SGIP, e o funcionamento é simples.

Os partidos, respeitado o âmbito a que pertencem e, de posse de sua senha, alimentam o sistema com as informações partidárias. Informações do presidente, vice-presidente, tesoureiro, vogais e demais membros que compõem o órgão partidário são digitadas no módulo SGIPex. Incluindo o início e o fim da vigência daquela comissão e de seus respectivos representantes, muito embora, infelizmente, o sistema permita que Comissão Provisória seja anotada com um fim de vigência indeterminado.

Após cadastrada, a informação deve ser oficializada. Para isso, o responsável partidário que alimentou o sistema, precisará imprimir um recibo das alterações. Esse recibo é autenticado pelo sistema com um código de segurança e deve ser assinado pelo presidente do partido ou da comissão naquela circunscrição.

Após a impressão e assinatura do recibo com as alterações da composição partidária, tal documento deve ser encaminhado ao Tribunal Regional Eleitoral. Embora a Resolução 23.093/2009 insista na necessidade de se enviar tal recibo para o juiz eleitoral da zona correspondente, na prática, ele também pode ser enviado diretamente ao tribunal.

O tribunal, ao receber tal documento, oficializa o ato por meio de protocolo. Em seguida, o recibo contendo as informações é enviado ao presidente do tribunal que, verificando a legitimidade do pedido, sem realizar qualquer juízo de valor, em respeito à autonomia partidária, manda oficializar as modificações requeridas. A partir deste momento, as alterações passam a ser oficiais e podem ser requeridas por meio de certidão eletrônica no módulo WEB do SGIP.

O funcionamento do sistema é primoroso. A não ser por um pequeno lapso. Devido à ampla liberdade que tem de controlar suas questões internas, fruto das garantias oferecidas pelo artigo 17 da Constituição Federal, podem, os partidos políticos, alterar como bem entenderem essas informações partidárias. A Justiça Eleitoral não faz qualquer verificação da veracidade de tais informações. Apenas confere a autenticidade. Ou seja, apenas verifica se as alterações foram realizadas por quem tinha permissão. Se a alteração é legal, ou não, pouco importa.

Cito a questão da legalidade, pois, por ser excessivamente ampla a liberdade de os partidos atualizarem suas informações, vez por outra, ocorrem excessos.

Tomemos como exemplo o notório caso de um partido em João Pessoa. O partido X.

O presidente do partido comunicou aos seus filiados que no dia 30 de junho de 2012 ocorreria a convenção para escolha de candidatos decisão sobre a possibilidade de coligações. Tudo transcorria com naturalidade. A convenção ocorreu, os correligionários votaram e decidiram que o partido X deveria se coligar com o partido Y, oferecendo o candidato ao cargo de vice-prefeito da coligação.

A efêmera normalidade se esvaiu, pois, determinada ala do partido, ao tomar conhecimento das intenções de o partido X coligar-se ao partido Y, tramou uma jogada de mestre. Acessaram o sistema SGIPEX no dia 29 de junho, às 21 horas e, em seguida inativaram o presidente, vice-presidente e tesoureiro da Comissão Provisória à frente da convenção. Feito isso, no dia seguinte, tratou de realizar, também, uma convenção para estabelecer coligação com o partido W.

Cumpridas as exigências legais de escolha de pré-candidatos por meio de convenção, apresentaram, no dia 5 de julho, o requerimento de registro das candidaturas, também chamado de DRAP (Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários).

A ala 1 do partido X coligara-se com o partido Y. A ala 2 do partido X, coligara-se com o partido W.

Munidos de documentos e certidões, estabelecia-se, naquele momento, o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, carinhosamente chamada de lide.

A ala 1 do partido X juntara certidões, comprovando que, no dia da convenção, o presidente da Comissão Provisória e, portanto, responsável pela convenção, era o Sr. João. Provou tudo por meio de certidões tiradas do módulo Web do SGIP.

A ala 2 do partido X fez o mesmo. Provou, juntando certidões do SGIP, que no dia da Convenção o presidente do partido era o Sr. Zé.

A essas alturas, juízes, promotores, advogados e demais servidores da Justiça Eleitoral não compreendiam mais a quem favorecia a razão. Como pode a Justiça Eleitoral oferecer certidões contraditórias, perguntou a promotora.

— Impossível. Encaminhe cópia dos autos à Polícia Federal, há alguma fraude — posicionou-se o juiz.

O fato é que, simplesmente o Sistema de Gerenciamento de Informações partidárias, permite, inclusive, que sejam feitas alterações retroativas quanto ao prazo de vigência do mandato do presidente das comissões e demais membros. Portanto, ambas as certidões eram válidas e verdadeiras.

Se ambas eram verdadeiras, qual ala do partido teria razão?

Simples! Basta verificar o que diz o artigo 2º da Resolução TSE 23.373/2011, in verbis:
Art. 2º Poderá participar das eleições o partido político que, até 7 de outubro de 2011, tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral e tenha, até a data da convenção, órgão de direção constituído no Município, DEVIDAMENTE ANOTADO no Tribunal Regional Eleitoralcompetente (Lei nº 9.504/97, art. 4º, e Lei nº 9.096/95, art. 10, parágrafo único, II).

Basta lembrar que, ainda que o partido tenha ampla liberdade de realizar as alterações no sistema, elas precisam ser validadas pela Justiça Eleitoral. Ao validar as alterações, o presidente do tribunal determina que elas sejam oficializadas, propagando seus efeitos a partir do exato momento em que foram protocolizadas junto ao tribunal.

Para a solução do caso, bastou verificar que a única Comissão Provisória validamente anotada junto ao tribunal, no momento da realização da convenção, era aquela cujo o Sr. João era presidente. A Convenção realizada pela Ala 2 do partido, era ilegítima, pois, embora houvesse sido modificada, só seria anotada 2 dias após a convenção, a partir de quando expediria certidões informando o conflito de datas e de presidentes.

Explicado o funcionamento do sistema, concluiu de forma brilhante o seu voto, o relator:
“Voto pelo desprovimento do recurso para validar a coligação entre o partido X e Y, tudo como diz a lei, em harmonia com o parecer Ministerial.
É como voto, senhor Presidente,
Publique-se,
Registre-se,
Intimem-se.”

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    é assessor da Procuradoria Regional Eleitoral da Paraíba e professor de Direito Eleitoral do Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar Paraibana.

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