Cadeira vazia

Advogados e juízes lamentam saída de Asfor Rocha

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3 de setembro de 2012, 12h48

Antonio Cruz/ABr
O Superior Tribunal de Justiça muda um pouco a partir desta segunda-feira (3/9). Não por decisão da Casa, mas porque se aposenta o mais experiente de seus integrantes: o ministro Cesar Asfor Rocha, aos 64 anos. Influente, ele deixa sua marca forte na doutrina e na jurisprudência do STJ, do Tribunal Superior Eleitoral e do Conselho Nacional de Justiça — onde ocupou todos os cargos cabíveis à condição de ministro. Respeitado e articulado, sempre foi ouvido pelo governo e pelo Senado na escolha de ministros para o tribunal. Moderno, foi responsável pela digitalização do acervo do tribunal, o que lhe rendeu o prêmio Innovare. Como advogado, profissão que volta a exercer, foi dirigente da seccional cearense da OAB.

Em tempos de muitas críticas ao Judiciário, a saída do ministro foi lamentada e sua carreira festejada com muitos elogios da parte de juízes e advogados. “Uma perda para o tribunal”, afirma o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Para o seu colega, Dias Toffoli, também do STF, “sua saída antecipada é um prejuízo para todo o Judiciário e induz à reflexão necessária sobre que Judiciário queremos para o país”. Asfor antecipou sua aposentadoria em seis anos, depois de ter seu nome cogitado por muito tempo para ocupar cadeira no STF.

Nas palavras do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, “o ministro, oriundo do quinto constitucional da advocacia honrou a sua origem” e manteve-se aberto ao diálogo com a OAB mesmo nos momentos politicamente mais tensos. A volta de Asfor Rocha à advocacia, diz o dirigente, “é muito bem vinda”.

Para o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, o STJ perde um “interlocutor fundamental”. Para o desembargador, o ministro fez um “bonito trabalho” como presidente do STJ e corregedor do CNJ. “Ele vestiu a camisa do Judiciário”, conclui.

O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, ex-presidente do TJ-SP, Luiz Zveiter, afirma que a aposentadoria de Asfor provocará “um vácuo muito grande” em função do espaço que o ministro ocupou “com sua cultura, competência e visão de futuro”. Embora pense que ele ainda tinha metas a cumprir na magistratura, Zveiter afirma que sua opção pessoal deve ser respeitada. “Afinal, se ele deixa órfãos na Magistratura”, diz o desembargador, “agora emprestará de novo seu brilho à advocacia”.

No dizer do professor de Direito Econômico, Tributário e Financeiro da Universidade de São Paulo, Heleno Torres, “o ministro Cesar Asfor Rocha marcou um momento de aprofundamento da cidadania do STJ, ao consolidar o acesso do jurisdicionado ao processo eletrônico e ampliar a abertura do Tribunal para a sociedade. Suas posições, algumas vezes, foram recebidas como polêmicas, mas não se pode negar seu comprometimento permanente com o aprimoramento e reformas do Judiciário”.

Um dos mais tradicionais advogados de Brasília, com forte atuação nos tribunais superiores, nos últimos 30 anos, Eduardo Antônio Lucho Ferrão afirma que o STJ “vai sentir a sensação dos mutilados”. Referindo-se ao ministro como “um dos maiores magistrados do Brasil”, Ferrão o descreve como uma referência dentro do tribunal: “A favor ou contra, já que pela coragem e pela consistência dos seus votos, sempre foi importante saber da sua visão” em cada litígio. Por algum tempo, diz o advogado, “o STJ ficará à deriva, pois entre seus muitos papéis estava também o de âncora do tribunal”.

Ferrão, assim como o ministro Dias Toffoli, lembra das resistências à informatização do acervo do STJ e dos tribunais estaduais e regionais. Para o ministro do STF, “foi preciso vencer os que não se conformam com os novos tempos”. Para o advogado, Asfor “transferiu o poder que estava nas mãos dos burocratas para o cidadão, ao permitir que até o engraxate da Praça Quinze pudesse acompanhar um julgamento em Brasília”. Ferrão afirma que Asfor Rocha só não foi chamado para compor o STF “por causa de sua capacidade de articulação, pois ele seria, fatalmente, o grande interlocutor do Judiciário com o Legislativo, com o Executivo e com a sociedade”, o que não interessava ao Planalto.

"O salto de qualidade com a informatização. Sempre que se mexe com a informação, mexe-se com o poder. Ele conseguiu fazer essa revolução com informática, um legado inestimável. Até como questionamento do poder. A informação é fonte de poder. O poder que estava nas mãos do burocrata passou a ser do cidadão. Só com o tempo saberemos. De repente o engraxate da praça quinze foi produzida pelo ministro", diz Ferrão.

O criminalista José Luís de Oliveira Lima lamentou a aposentadoria precoce, mas enfatiza que “o legado do ministro Asfor Rocha permanecerá vivo pelos brilhantes votos que proferiu ao longo da sua festejada judicatura”. Na mesma linha, o especialista em Direito Societário, Luís André Azevedo, afirma que Asfor “deixará saudades”. E enaltece seu trabalho: “Sob a presidência do ministro Cesar Asfor, o STJ deu um salto significativo rumo à modernidade e à consolidação plena das instituições brasileiras." Com raciocínio semelhante, o civilista Cassio Namur, afirma que o ministro contribuiu com seu trabalho não só com o STJ e com o Judiciário, mas com a “consolidação da democracia do país".

Outro criminalista, Pierpaolo Bottini ilumina a biografia de Asfor Rocha com a definição de “um daqueles magistrados que marcam a história de um tribunal”. Além do conhecimento jurídico e da coragem de defender o devido processo legal, “em tempos nos quais isso se faz importante, Asfor Rocha também demonstrou sensibilidade ao dirigir a corte. Atento às demandas de rotina, fez mais. Trabalhou com portadores de necessidades especiais e humanizou a administração do tribunal, que pode agora com razão ser chamado de tribunal da cidadania".

Para Alberto Zacharias Toron, o magistrado "sabia ouvir e era sensível ao que ouvia". Ele faz um relato: “Conheci o ministro Cesar Asfor como presidente do Conselho da Justiça Federal. Afável no trato e firme nas decisões. Na época, eu tinha assento no CJF como representante da OAB e sou testemunha do seu empenho para a informatização dos processos na Justiça Federal. Mas, noves fora, foi com ele que tive um dos diálogos mais bizarros e produtivos. No meio de uma sessão do CJF, impedido de julgar uma questão, ele saiu pra fumar. E eu com ele. No meio da conversa, expus algo que me angustiava como advogado militante. O sujeito saía de São Paulo ou de outro rincão do nosso Brasil e chegava ao STJ pra sustentar oralmente, mas às vezes dava uma dor de barriga — aconteceu comigo — ia ao banheiro e "pimba" não tinha ganchinho pra pendurar o paletó na ‘hora H’. Já imaginaram a cena: o profissional no trono de paletó! Não dá! Expus que era preciso instalar os tais ganchinhos do lado de dentro da cabine. Ele, sensível ao pleito, disse que ia colocar e afirmou: "Nós juízes não vemos certas coisas". Tinha razão. Por isso, tenho fé ao dizer que nós, os operadores do Direito, precisamos uns dos outros: experiências diferentes e visões diferentes. A Advocacia deve reverenciar o ministro Asfor por sua grande obra no Judiciário e pelo seu marco de realizações e humildade”.

A volta de Asfor Rocha à advocacia é tida como motivo de alegria para o advogado Modesto Carvalhosa. Em carta enviada ao ministro, Carvalhosa afirma estar seu escritório — Carvalhosa e Eizirik Advogados — muito satisfeito com o retorno de Asfor Rocha, "trazendo toda a sua experiência e reflexão sobre os rumos da aplicação do Direito". Carvalhosa também comemora o fato de o ministro rumar a São Paulo, o que permitirá, segundo ele, aproximação e parcerias. 

Para Fernando Mattos, assessor do ministro Carlos Ayres Britto, presidente do STF e CNJ, com a aposentadoria antecipada de Asfor Rocha, a magistratura brasileira perde “um grande líder e um exemplo de magistrado”. O ex-presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), revelou que um dos pontos mais importantes na gestão de Asfor Rocha foi a informatização e a virtualização dos processos, motivo de reconhecimento de toda a magistratura.

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