Ecos do mensalão

Brasil combate a impunidade, diz jornal dos EUA

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31 de outubro de 2012, 3h41

A cultura da impunidade está dando lugar à Justiça no Brasil. O principal marco dessa mudança é o julgamento do mensalão, em que figuras exponenciais do país estão sendo condenadas por crimes de corrupção, entre outros, e podem ir para a prisão. Outro marco é a recente condenação de dois policiais acusados pelo massacre, em 1996, de 19 militantes sem-terra. Essa foi a notícia dada nesta terça-feira (30/10) aos americanos pelo jornal The Christian Science Monitor.

"Historicamente, poucas pessoas passam um tempo considerável na prisão, no Brasil, por envolvimento em escândalos originários de corrupção política, mas o julgamento do mensalão mostra que essa tendência pode estar chegando ao fim", diz o artigo assinado por Joe Bateman, do staff da WOLA (Washington Office on Latin America) — uma ONG financiada pelo governo americano, fundações e doações privadas, cuja missão, declarada em seu website, é "promover os direitos humanos, a democracia e a justiça social" na América Latina.

"Da mesma forma, assassinatos cometidos pela polícia no Brasil são muito mais altos do que em outros países. São raros os casos em que autoridades policiais, que matam civis quando em serviço, sejam indiciados e condenados pelos crimes. Assim, a condenação dos policiais envolvidos no massacre de 1996 é uma mudança bem-vinda", diz o jornal.

Mas apesar dos ataques à cultura da impunidade do Brasil, uma mudança decisiva ainda não foi realizada. "Até agora, ninguém foi condenado por centenas de casos de desaparecimento, tortura e assassinatos políticos durante a ditadura militar, principalmente graças à Lei da Anistia de 1978, que impede que qualquer um seja julgado por aqueles crimes", afirma o The Christian Science Monitor.

No entanto, há sinais de que o Brasil pode estar se aproximando do ponto de virada em sua história de violações dos direitos humanos, sem responsabilização dos implicados, passando finalmente a confrontá-las, diz o jornal. Nos últimos meses, promotores abriram cinco casos criminais contra membros das Forças Armadas e da Polícia, responsáveis por desaparecimentos de militantes durante o regime militar. "Os casos ainda estão em fase inicial, mas se forem em frente e resultarem na condenação dos acusados, isso irá representar uma mudança definitiva do Brasil para a rota da responsabilização e da Justiça", afirma.

O artigo se refere também à Guerrilha do Araguaia. Informa que, em novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que o Brasil era responsável pelo desaparecimento de 62 guerrilheiros. E que o Brasil tem de investigar esses casos e processar criminalmente os responsáveis, o que não tem acontecido por causa da Lei da Anistia. Entretanto, segundo o jornal, isso mudou em agosto, quando uma juíza federal do Pará aceitou abrir um processo contra dois ex-integrantes das Forças Armadas, que seriam responsáveis pelo desaparecimento de vários guerrilheiros na década de 70. A juíza baseou sua decisão no argumento de que os casos ainda estão em aberto, porque os corpos nunca foram encontrados. E, portanto, não estão prescritos, apesar de se passarem mais de 20 anos, e não se enquadram na Lei da Anistia.

O jornal também vê como um fato positivo a decisão do Supremo Tribunal Federal de autorizar a extradição para a Argentina de um ex-militar acusado de participar de tortura e desaparecimentos durante a "Guerra Suja", com uma condição: a de que ele fosse julgado por sequestro e não por outros crimes já prescritos no Brasil. Com esse precedente, um juiz em São Paulo aceitou, em 23 de outubro, processar um ex-militar, um ex-policial e outro policial ainda na ativa por suas participações no desaparecimento de um homem que desertou das Forças Armadas, assim que os militares assumiram o poder no Brasil. "Usando o argumento da não prescrição de sequestros sem corpos, uma série de casos de desaparecimentos forçados, na época da ditadura militar, pode chegar aos tribunais brasileiros nos próximos meses", diz o jornal.

Segundo artigo, é uma pena que o argumento da não prescrição e do não enquadramento na Lei da Anistia só seja válido para casos de sequestros, porque centenas de casos de tortura e de execuções extrajudiciais, durante o regime militar, ficarão impunes. "Apesar da tortura não ser explicitamente protegida pela Lei da Anistia, o Supremo Tribunal Federal e outras instituições jurídicas do Brasil já decidiram, em várias ocasiões, que ela caracteriza crime político e, portanto, está coberta por essa legislação, em desafio às convenções internacionais de direitos humanos", declara o artigo.

O artigo sugere que o Brasil deve revogar a Lei da Anistia, porque, graças a ela, ninguém foi para a cadeia, até agora, pelas centenas de casos de tortura ocorridos no período de 1964 a 1985. "Devido a essa falta total de justiça, é provavelmente muito cedo ainda para dizer que o Brasil deixou totalmente para trás a cultura da impunidade e completou a transição para uma sociedade justa e responsável", afirma o artigo. "Felizmente, há sinais de que esse processo está a caminho", conclui.

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