Direito & Mídia

Joaquim Nabuco, candidatos e Justiça Eleitoral

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31 de outubro de 2012, 7h00

Spacca
Terminou o período eleitoral e escrevo na véspera das eleições do segundo turno na capital paulista (e outros 49 municípios com mais de 200 mil eleitores que não liquidaram a questão na primeira rodada). Após o desestimulante debate, realizado na noite de sexta (26/10), entre os dois candidatos à Prefeitura de São Paulo, terminei a leitura de Joaquim Nabuco, os salões e as ruas, livro de Angela Alonso na série “Perfis brasileiros” da Companhia das Letras. O debate e o livro despertaram sensações similares, com algumas conexões.

A leitura da biografia de Nabuco faz parte de um projeto de longo prazo, de investigar pausadamente alguns dos grandes nomes da imprensa no período de nossa formação — há ainda na fila Saldanha Marinho (presidente das províncias de Minas e São Paulo, era também Joaquim e pernambucano, como Nabuco) e Quintino Bocaiúva, um dos pais da República, chamado em seu tempo de “príncipe dos jornalistas brasileiros”.

Nabuco, após a leitura do bom trabalho de Angela Alonso, sai um tanto chamuscado, pois se deduz que não foi o idealista que a Revista Illustrada, de Angelo Agostini, pintou na comemoração da abolição da escravatura, na edição histórica 498 de 19 de maio de 1888 (a revista, semanal, circulava aos sábados e a Lei Áurea foi assinada num domingo: a cobertura dos acontecimentos do dia 13 saíram no sábado seguinte).

Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (parte de sua visão de um grupo aristocrata em tempos republicanos) e grande amigo de Machado de Assis (que tinha na parede de casa um retrato do pernambucano, um elegante mancebo), Nabuco mergulhou na causa abolicionista como alavanca para uma carreira política que se frustrou com a proclamação da República. Após uma década de ostracismo, aproveitou a expertise dos tempos de dândi pelos salões londrinos e seguiu carreira diplomática, chefiando a delegação brasileira em Londres e, a seguir, sendo o primeiro embaixador do Brasil nos Estados Unidos (1905-1910), onde morreu.

Mais importante que sua trajetória, aqui, é a constatação de que muitos dos problemas, dilemas e escolhas que atormentaram Joaquim Nabuco — e dos que muitas vezes escorregou tangenciando — sobrevivem em nosso tempo. Aparentemente há entre nós uma deficiência histórica de encarar e resolver problemas. Empurrar com a barriga parece estar no DNA do jeitinho brasileiro. Foi assim com a questão da escravidão, já apontada por José Bonifácio como uma falha estrutural para pensar o país que nascia após 1822. Embora Bonifácio propusesse o fim do tráfico também por motivos de “pureza étnica” (afinal, ele não era contemporâneo dos “discursos da sustentabilidade” e sua postura era racista, como era a de Monteiro Lobato, conforme já se comentou aqui — clique aqui para ler), a batata quente da escravatura foi levada em fogo lento por mais de 60 anos. E a questão do negro continua na agenda do país na busca de uma democracia de fato.

Como herança dessa falha genética, temos o quadro atual da legislação e do sistema eleitoral brasileiro, algo que também fez parte da agenda de Nabuco: mudar as regras para que as eleições expressem a decisão popular diante de “programas e propostas de governo”. As eleições de que participamos nesse bissexto ano colocam à exposição essas fraturas nunca resolvidas — e qualquer um sabe que não há como sanar fraturas sem dor.

Passemos às eleições deste domingo. Quando o leitor me dá agora sua atenção nesta quarta-feira, os resultados já foram conhecidos, divulgados menos de uma hora de encerrado o processo. O lamentável é que a diferença do resultado não estabelece distinções. Tanto José Serra quanto Fernando Haddad são produtos de um sistema emperrado e enferrujado. Há apenas o detalhe de que um é velho e conhecido personagem; o outro jovem estreante. O pano de fundo é o mesmo — como nas disputas entre liberais e conservadores do Império agonizante de Pedro II. O paradoxo é que, no presente, o partido de Haddad parece mais a encenação do conservador na sanha de não querer largar o osso. Ou vice-versa.

Vejamos: Serra é remanescente do velho PMDB em que brilharam figuras históricas como Ulysses Guimarães e Franco Montoro — em cujo governo à frente do estado de São Paulo o agora candidato iniciou uma trajetória de gestor eficaz. Foi personagem atuante na Constituinte e um ministro da Saúde de alta competência. Mas figura um tanto pernóstica, mergulhou num projeto personalista, ceifando novas lideranças e comprometendo sua imagem com a patacoada de abandonar a Prefeitura da capital, após compromisso público em debate televisivo. Foi para “não deixar o governo do estado nas mãos do PT”, como se justificou.

Já o candidato do PT é definido pelo jornalista Guilherme Fiúza, no blog de O Globo, como “um sujeito inexpressivo de boa aparência, colocado no Ministério da Educação para fazer política. Sua candidatura é a menina dos olhos de Lula, mais um plano esperto dessa turma que descobriu que pode viver de palanque sem trabalhar”. Proposta muito semelhante à dos Conservadores do Império. Segue Fiúza: “O fenômeno Haddad conseguiu bagunçar a vida dos vestibulandos por três anos seguidos com erros primários no Enem, típicos de inépcia e vagabundagem. Se fosse no Japão, o então ministro teria se declarado humilhado e se retirado da vida pública. No Brasil, vira um ‘quadro’ forte da política.” Ao contrário do que afirmou a propaganda eleitoral, Fernando Haddad não foi o melhor ministro da Educação deste país.

Daí a afirmação de que a diferença não faz a diferença. O desconcertante é constatar que a população que acompanha atenta o julgamento do mensalão não faça a conexão de que o STF condena em essência uma forma de fazer política. E essa forma de fazer política é que está no centro da questão. Vamos a ela.

A reforma política é um assunto discutido desde que se promulgou a Constituição de 1988, dada a série de temas que ela não conseguiu resolver. Essa reforma está em discussão na Câmara dos Deputados desde 2003, uma década portanto, propondo mudanças no sistema eleitoral e partidário. Não se muda porque não interessa mudar. Para não ir mais longe, basta considerar o primeiro dos 27 estados da Federação, o Acre. Com uma população de 746.375 habitantes, tem no Parlamento 3 senadores e 8 deputados. São Paulo, com 41.252.160, é representado por 3 senadores e 70 deputados — estes, pela proporção, deveriam ser 320. Esse engessamento que vem da década de 30, e se aprofundou com o “pacote de abril” do general Geisel, em 1977, tira força das regiões mais fortes (em linhas gerais, Sul e Sudeste, com 60% da população e 65% do eleitorado, têm 40% da Câmara e apenas 25% do Senado) dando lugar à permanência de um processo político ainda preso a oligarquias regionais.

Na outra ponta da linha, a legislação não acompanha a evolução dos tempos. E isso ficou patente nessa eleição municipal — sobretudo por expor o desconhecimento dos juízes sobre a internet. Houve o caso do juiz eleitoral da Paraíba que decretou a prisão de Fabio Coelho, diretor do Google, por não retirar uma informação do ar. Depois, outro juiz do Amapá determinou que o jornal O Estado de S. Paulo apagasse o texto do blogueiro João Bosco Rabello “Um prefeito sob controle judicial”. O fato existe: o prefeito de Macapá não pode se locomover sem o conhecimento da Justiça. Mas como ele é candidato (puxa vida!!!, como é candidato um sujeito que não pode sair de seu estado sem o conhecimento da Justiça?), o fato não pode ser noticiado.

Os juízes eleitorais, ao confundir as coisas, privam os cidadãos a possibilidade de se informar, de analisar e formar opinião. Ao proibir que um eleitor critique ou comente um fato sobre a vida do candidato, estão desrespeitando a Constituição. Afinal, ela está acima do Código Eleitoral.

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