Divisão de tarefas

Justiça não tem condições de gerenciar a conciliação

Autor

  • Doorgal Borges de Andrada

    é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais coordenador da Escola Nacional da Magistratura (AMB) diretor da Escola Judicial da América Latina (EJAL) e ex-presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis).

30 de outubro de 2012, 15h15

[Artigo originalmente publicado no jornal Hoje em Dia]

Em novembro próximo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acertadamente promoverá em todo o país mais uma importante Semana Nacional da Conciliação, convocando os magistrados, advogados, servidores, e todo o Judiciário a divulgar e trabalhar pelo instituto da conciliação, disseminando na população essa ideia como um eficiente meio para solução de conflitos a evitar uma demorada sentença.

De fato, um bom acordo é sempre melhor do que a demanda, ante a incerteza da futura decisão judicial. E cabe registrar, no passado, no Brasil, aquém do Poder Judiciário sempre tivemos a figura do juiz de Paz eleito pela população para a missão específica de conciliar de forma institucional e informal, que desempenhavam muito bem essa tarefa. Porém, no governo militar a Constituição de 1967 extinguiu essa função de conciliador e a eleição.

Após a alteração dos artigos 125 e 331 do CPC na década de 1990, o surgimento da Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais e da Lei 9.037 da Arbitragem, os institutos da conciliação, transação, arbitragem e mediação se fortaleceram, ganhando maior espaço no mundo jurídico apesar de setores da OAB, naquela época, terem protestado contra a aprovação da Lei dos Juizados Especiais.

No meu livro As Faces Ocultas da Justiça (Editora Del Rey), publicado há 12 anos, quando a ideia da conciliação era mal vista e criticada, registrei na folha 56 que: “… as Faculdades de Direito não se prepararam para ensinar ou estimular uma prática judiciária conciliatória … para as técnicas de conciliação e mediação (…). Pela cultura predominante, o mais importante é demandar, ter argumentos e conhecimentos jurídicos para debater teorias, pouco importando com a solução prática do problema…”

De outro lado, se é verdade que o CPC há anos já prevê a conciliação das partes em juízo, tal instituto nem sempre foi devidamente valorizado. Agora, ante a explosão do número de demandas e a avalanche de processos sobre cada juiz, a conciliação está sendo uma das formas encontradas pelo CNJ e por muitos tribunais para aliviar esse grande número e um caminho para findar os processos.

Na condição de defensor da conciliação desde a primeira hora, ouso agora ponderar e trazer a debate uma reflexão sobre este novel trabalho atribuído aos magistrados e ao Judiciário, missão que antes era destinada ao juiz de Paz leigo.

O Judiciário gerencia uma estrutura muito cara e muito técnica, formada por juízes e servidores concursados preparados para decidir conflitos dentro do devido processo legal e já possui a jurisdição do Juizado Especial. A sociedade tem que avaliar se ao Judiciário é cabível mais este peso burocrático de estruturar também a conciliação informal, ou, talvez, tal gerência fosse mais apropriada para a Defensoria Pública (Poder Executivo), OAB, advogados, tribunais arbitrais e, sobretudo, os sindicatos com suas práticas bem reconhecidas e antigas.

Portanto, ponderamos ser mais apropriado ao Executivo e a outros entes da sociedade civil a tarefa de aparelhar grupos de conciliação nos bairros, nas comunidades, junto ao comércio, do que agregar ao Judiciário uma tarefa extra. Não que a conciliação não seja valiosa e necessária, mas porque, ante o alto número de audiências, ela está a desvirtuar a finalidade histórica e Constitucional que é esperada do Judiciário, pela população, as partes e a advocacia.

Ante o CPC e a Lei 9.099/95, um dever do juiz de Direito é tentar incentivar uma eventual conciliação entre as partes durante uma fase do processo, mas, outra, bem diversa — como está ocorrendo — é ver o Poder Judiciário direcionar sua estrutura (de modo não previsto na lei) a criar grupos de conciliação — e gastos — mediante publicidade, mas longe da sua missão e finalidade de ‘produzir’ decisões jurídicas técnicas, nos processos ajuizados pela população.

Assim, ao se dedicar à promoção informal da conciliação em massa, já começam a questionar se o Judiciário visa impedir a população e os advogados de ingressarem com processos judiciais. Dessa forma, a Justiça — supersaturada — estaria confessando uma inoperância, fraqueza operacional e quase falência da sua estrutura material e de pessoal. Melhor seria se vivêssemos um enfrentamento sem rodeios ou remendos de eventual crise processual, com uma atuação de maior coragem cívica, a superação e buscar soluções reais para tão grave problema institucional.

No Judiciário, trabalham uma magistratura composta por juízes togados, e não por conciliadores profissionais. Por isso, defendemos que esta nobre e virtuosa tarefa de conciliar em massa deva ser gerenciada sobretudo pela sociedade civil, talvez alicerçada em técnicos bem preparados, a Defensoria Pública (Executivo), a OAB, advocacia, juízes de paz, sindicatos e tribunais arbitrais (Lei 9.0397/96). Aliás, nos países mais cultos e democráticos do mundo, como os da Europa, Canadá e EUA, a procura pela arbitragem é uma prática forte e rotineira de sucesso, que, com isso, promove o Judiciário à condição de última opção ante as necessidades da população.

Além disso, o artigo 98 da atual Constituição Federal de 1988 prevê que o juiz de Paz leigo, eleito pela população para um mandato de 4 anos, deve “exercer funções conciliatórias sem caráter jurisdicional previstas em lei ”. Mas, embora o STF tenha julgado legítima tal eleição, já se passaram 25 anos de vida da Constituição e essa importante função do juiz de Paz — profissional da conciliação —, incoerentemente, sequer foi colocada em prática ou incentivada pelo poder público.

Por derradeiro, entendemos que a conciliação é um excelente meio de solução de conflitos, seja antes ou durante o processo, porém, sem que venha desvirtuar a finalidade e a missão do Judiciário, que é decidir tecnicamente, observado o Direito e respeitada a lei, quando assim solicitado pelas partes. Ante os seus parcos recursos orçamentários e a sua reduzida força material e de pessoal, o Judiciário não pode, sozinho, agregar para sempre mais esta gigantesca tarefa, por mais aplaudida que ela seja.

Portanto, que prevaleça a Constituição: juiz de Direito não é um juiz de paz! Aquele está apto à missão de julgar, ao outro é devido a bela tarefa de conciliar.

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    é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, coordenador da Escola Nacional da Magistratura (AMB), diretor da Escola Judicial da América Latina (EJAL) e ex-presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis).

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