Justiça Tributária

Quando não se decide conforme a lei, não há Justiça

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

29 de outubro de 2012, 11h47

Spacca
Em uma das primeiras colunas desta série, publicada em 25 de julho de 2011 (clique aqui para ler), trouxemos aos leitores nossas preocupações face aos rumos estranhos que vinham tomando certos órgãos de julgamento administrativo, cuja principal função é dar ao fisco a oportunidade de rever os autos de infração e, reconhecendo seus eventuais enganos, evitar que tais questões cheguem ao Judiciário. Com isso, ganham os contribuintes com o encerramento mais rápido da questão com custos reduzidos e ganha o fisco, economizando despesas judiciais e honorários de advogados.

Todavia, a ensandecida fúria arrecadatória que tomou conta de todos os níveis da administração fazendária já ultrapassou qualquer limite do bom senso.

Já chegou o chamado Tribunal de Impostos e Taxas do estado de São Paulo, por exemplo, a negar vigência a expressa disposição da Lei Complementar (estadual) 939/2003, fingindo não saber o que é paridade.

A mencionada lei, em seu artigo 5º ordena que uma das garantias do contribuinte é:
IV — a obediência aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da duplicidade de instância no contencioso administrativo-tributário, assegurada, ainda, a participação paritária dos contribuintes no julgamento do processo na instância colegiada;

Paritária quer dizer igual. Participação paritária significa que os representantes do contribuinte terão no julgamento da segunda instância (no TIT) votos com peso igual ao dos representantes do fisco.

Em recente julgamento, uma das Câmaras do TIT teve decisão empatada: dois votos a favor do contribuinte e dois contra. Resolveu-se a questão contra o contribuinte, com o voto do relator, assim quebrando a paridade. Tal julgamento não pode prevalecer. O mesmo princípio da igualdade que serve no Direito Penal há de servir na questão tributária, inclusive porque a prevalecer o lançamento onde o contribuinte é apontado como autor de sonegação, haverá reflexo na área penal.

Se o julgamento administrativo concluiu, pela metade dos julgadores, que não ocorreu o fato descrito no lançamento ou que por qualquer circunstância ele não pode prevalecer, isso significa que há dúvida sobre a legitimidade do lançamento. Dúvidas no campo penal resolvem-se sempre a favor do réu. O mesmo deve prevalecer do âmbito do processo tributário, pois em razão dele o contribuinte pode tornar-se réu.

O processo administrativo tributário neste estado está cada vez mais falho. Ao que parece não existe mais um órgão julgador que no passado se respeitava como Tribunal. Temos hoje um órgão que não respeita a paridade que a lei ordena e cuja principal tarefa parece ser fazer rápido uma decisão a favor do fisco, ainda que ela não mereça o nome de julgamento e mesmo que o contribuinte no futuro a derrube no Judiciário.

Uma forte indicação da posição parcial e injusta que o TIT resolveu adotar está no prazo de apenas cinco minutos que concede ao advogado do contribuinte para a sustentação oral. Essa sustentação poderia ser muito útil para esclarecer algumas dúvidas ou trazer novos elementos de convicção aos julgadores. Cinco minutos são suficientes apenas para dizer bom dia aos presentes. Note-se que enquanto o defensor estiver na sala de espera aguardando ser chamado, os membros da turma podem discutir, pelo tempo que julgarem necessário, por quais razões vão homologar mais um lançamento. Isso evidentemente não é Justiça.

Ressalvem-se os esforços dos juízes que ainda conseguem manter sua autonomia nesse contexto. Mas não podemos aceitar como julgamento administrativo uma farsa onde não se obedece sequer à lei complementar estadual 939, documento básico no nosso sistema fiscal.

Um órgão de julgamento administrativo na área tributária pode ser muito útil, desde que tenha autonomia para decidir sem interferências do fisco, sem manipulações, sem votos de “qualidade” que apenas contaminam a decisão com o veneno da parcialidade. No estado mais importante da federação, isso não pode continuar.

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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