Segunda Leitura

Os reflexos do julgamento do mensalão pelo Supremo

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

28 de outubro de 2012, 7h56

Spacca" data-GUID="coluna-vladimir.png">Encaminha-se para o final o mais célebre julgamento do STF das últimas décadas, quiçá de toda sua história. Conhecido como “Mensalão”, vem sendo acompanhado pela sociedade brasileira de perto. E, neste particular, impõe-se reconhecer, a exibição pela TV Justiça e o papel da mídia foram decisivos.

Muito se falará deste julgamento. Teremos reportagens, livros. A internet deixará para a eternidade todos os seus passos. Antevejo mestrandos de 2030 elaborando dissertações sobre a matéria. Seminários em 2040 discutindo o Judiciário do Brasil de 2012. A sociedade dará o seu veredicto e nele não só os denunciados serão julgados, mas também o sistema político destes dias, o comportamento da mídia e os próprios julgadores, pelos votos que proferiram.

Poucos se dão conta, mas estamos vivendo momento histórico. Feitas estas observações, vamos ao foco desta coluna: os reflexos, efeitos e consequências do julgamento da ação penal originária 470 do STF. Vejamos:

1. O STF sai com uma imagem positiva. A Corte passa à sociedade a mensagem de independência e imparcialidade. Cala os céticos que, por diferentes formas, anunciavam o nada jurídico. E neste particular o grande mérito é de seu presidente, ministro Ayres Britto. Ao assumir a presidência, colocou o processo em pauta e conduziu o julgamento com suave e obstinada energia.

2. O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, torna-se uma pessoa conhecida, admirada, por uma enorme parcela da sociedade brasileira. Concorde-se ou não com suas posições, palavras, forma de exteriorizar suas opiniões, o fato é que ele traduz o desejo de Justiça da sociedade. Sai do julgamento com o mais elevado nível de popularidade possível a um magistrado.

3. Os ministros do STF passam a ter a experiência da primeira instância. Após a colheita de provas pelo Relator, no julgamento todos os ministros passaram a manifestar-se sobre pedidos diversos, questões de ordem, dosagem de penas (sabendo que delas depende o reconhecimento da prescrição), e logo em seguida decidindo embargos infringentes (de discutível cabimento, face àLei 8.038/1900) e muitos embargos de declaração. Enfim, tudo aquilo que faz parte da rotina das Varas Criminais de todo o país, mas não da realidade dos Tribunais. Esta novidade pode alterar a visão dos ministros sobre o processo penal e a reformulação de posições nos futuros julgamentos.

4. O regime de cumprimento da pena será fixado pelo STF (Cód. Penal, art. 589, III). Nos termos do art. 33 do Cód. Penal, a pena de prisão será cumprida em regime fechado se superior a 8 anos. Os que receberem sanção de 4 anos e 1 dia a 8 anos iniciarão o cumprimento em regime semi-aberto, ou seja, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. Os apenados até 4 anos poderão cumpri-la em regime aberto, o que significa conseguir a substituição por penas restritivas de direitos (´p. ex., prestação de serviços à comunidade), pernoitando em estabelecimento prisional e nele passar os fins-de-semana (p. ex., casa do albergado).

5. A execução das penas será feita nos Juízos da Execução e não pelo STF. Será o juiz de primeira instância do local em que os condenados tenham domicílio e onde deverão cumprir a pena que analisará eventuais requerimentos de substituições, de progressão no regime de cumprimento, aplicação de indulto e outros incidentes da execução.

6. A pena de multa não deve ser levada a sério. É que se o condenado não pagá-la em 10 dias, ela será inscrita como dívida ativa e cobrada em uma das Varas de Execução Fiscal. Aí o condenado, se não tiver bens, não sofrerá nenhuma sanção. E se tiver e forem penhorados, poderá discutir a dívida por 10 ou mais anos.

7. A prescrição pela pena aplicada poderá beneficiar alguns condenados. Ela se conta por cada crime e não pela soma das condenações. Assim, por exemplo, se a condenação por corrupção passiva, prevista no art. 317 do Código Penal, cuja pena mínima até 12.11.2003 era de 1 ano (a Lei 10.763 elevou-a para 2 a 12 anos), for estabelecida em até 2 anos, prescreverá em 4. Como a ação penal tramita há cerca de 6 anos, será reconhecida a prescrição. Mas, se o fato for posterior a 12.11.2003, será aplicada a lei nova, mesmo tendo o crime tido início antes (Súmula 711do STF). Daí, basta que seja fixada em 1 dia a mais para não ocorrer a prescrição. Pelo mesmo raciocínio, vê-se que os crimes de quadrilha, cuja pena mínima é de 1 ano, terão grande possibilidade de prescrever (exceto para os chefes, se reconhecida a agravante do art. 62, I do CP). Os de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, cuja sanção parte de 3 anos, dificilmente prescreverão.

8. Para os que estiverem exercendo cargo, função pública ou mandato eletivo, poderá ser decretada a perda do cargo (Cód. Penal, art. 92). Se a pena privativa de liberdade for superior a 1 ano, será preciso que o STF assim decida explicitamente quando for lavrado o acórdão. Mas se a pena imposta for superior a 4 anos, a perda será automática. Nada precisa ser dito. Caberá posteriormente, ao Juiz da Execução, comunicar a quem possa demitir o detentor do cargo. Por exemplo, se for um prefeito, será expedido ofício ao presidente da Câmara de Vereadores.

De todo o exposto, deve ser lembrado que prescrições serão reconhecidas e regimes prisionais mais favoráveis ao condenados serão concedidos (p. ex., regime semi-aberto). Isto não deve ser visto pela sociedade como complacência dos julgadores da ação penal ou dos juízes que vierem a executar a pena. É que assim é a legislação brasileira e os condenados deste caso têm o direito de receber tratamento igual aos condenados em outros processos criminais.

Em suma, o julgamento da Ação Penal 470 é um divisor de águas no sistema judicial brasileiro. Não é um “julgamento de exceção”, mas sim um elemento a mais na transformação do Estado brasileiro, que vem editando leis mais favoráveis à sociedade (p. ex., a responsabilidade por improbidade administrativa e a da “ficha limpa”) e punindo desvios de detentores de cargos elevados (p. ex., aposentadoria compulsória de magistrados). Ainda há muito a ser feito. Estas mudanças levam décadas. Mas o fato é que elas já se encontram em andamento.

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