Muitas vezes nos deparamos com um grande problema, quando temos nosso veículo abalroado por outro.
Isso porque nem sempre os envolvidos concordam com a descrição da dinâmica do acidente, ou mesmo com quem deu a causa, o que acaba gerando grande transtorno para as partes.
Quem nunca teve seu veículo colidido e ao entrar em contato com a seguradora do “culpado” lhe fora negada a cobertura do seguro de terceiro, ao argumento de que, ao tomar conhecimento da dinâmica do acidente, a seguradora entende que quem deu causa à colisão foi você?
Ou mesmo quem nunca foi importunado pelo terceiro quando a sua seguradora não autoriza o pagamento dos prejuízos causados no veículo de terceiros, figurando no pólo passivo de demanda, tendo que contratar advogado e comparecer em audiências?
Na maioria das vezes, isso ocorre eis que o segurado, ao se envolver em um acidente, deve descrever à sua seguradora como ocorreu o fatídico acontecimento, para que o seguro possa ser acionado. Se a seguradora entender que o segurado não foi o culpado, não pagará os danos de terceiros.
Também quando é lavrado boletim de ocorrência por policial responsável, se a seguradora entender que a descrição do acidente demonstra que o culpado foi o terceiro, nega a cobertura.
Outra hipótese que gera transtorno é o fato do próprio segurado, que deu causa ao acidente, se negar a utilizar o seguro para cobrir prejuízo de terceiro.
Ainda, muitas vezes a seguradora se nega a pagar terceiros, mesmo quando o segurado assume a culpa do acidente, com base apenas na descrição do acontecimento.
Nesses casos, o proprietário/motorista do veículo abalroado (que na verdade foi a vítima) ingressava com ação em juízo contra o condutor e/ou contra o proprietário do veículo que deu causa ao acidente. Muitas vezes o proprietário do veículo e/ou o condutor causador da colisão, não possuía possibilidades financeiras para custear os estragos do veículo colidido, deixando o proprietário no prejuízo.
Por tais motivos, muitos ingressavam com demanda contra o proprietário e/ou o condutor do veículo que deu causa ao acidente, ou contra o proprietário, o condutor e a seguradora de uma só vez —o que era raro.
Em verdade, a seguradora, quando acionada, sempre arguiu ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, já que aquele que cobrava o reparo no veículo não era seu cliente, asseverando que não possuía qualquer vínculo com terceiro.
Muitos juízes acolhiam a ilegitimidade suscitada, o que causava grande transtorno para o terceiro, que demorava para ser restituído ou ter seu veículo reparado, arcando, muitas vezes, com todo o prejuízo, eis que nem a seguradora, nem o proprietário e nem o condutor, arcavam com as despesas do conserto.
No entanto, recentemente, a 3ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.245.618-RS (2011/0065463-7), de relatoria da ministra Nancy Andrighi, entendeu que a seguradora pode ser demandada diretamente por terceiro, sem a participação do demandado no pólo passivo do feito.
Através do julgado referido, a 3ª Turma do STJ entendeu que, mesmo que o contrato de seguro seja celebrado apenas entre o segurado e a seguradora, no caso de conter previsão em favor de terceiro, deve mesmo haver a cobertura, de modo que o valor segurado deve ser pago.
Com isso, pacificou o entendimento de que a seguradora, mesmo não possuindo qualquer vínculo com terceiro, é parte legítima para figurar em demandas indenizatórias de acidente de veículo, quando no contrato firmado entre seguradora e segurado (de seguro de veículo automotor), houver a previsão de cobertura de terceiro.
O que vinha ocorrendo há bastante tempo era a seguradora integrar o pólo passivo da lide em litisconsórcio com o segurado. Certamente foi daí que se extraiu a conclusão de referida Turma do STJ, ao entender que, se a seguradora pode demandar como devedora solidária, obviamente poderá ser demandada diretamente, sem que, obrigatoriamente, o segurado seja parte na ação.
Importante mencionar que os artigos 436 e 438 do Código Civil, que preveem sobre a estipulação de terceiros, possibilitam que o terceiro (beneficiário) possa exigir da seguradora o cumprimento da obrigação contratada pelo segurado, no caso de contrato de seguro de veículo, quando há previsão de cobertura de danos a terceiros.
O ministro Ruy Rosado de Aguiar, também do STJ, no Resp 294.057/DF (DJ 12.11.2001), ressalta que esse terceiro não precisa ser previamente determinado, bastando ser determinável:
“Ocorre que o contrato de seguro pode caracterizar uma situação em que a avença celebrada entre duas partes tenha estipulação em favor de um terceiro, não figurante da relação e mesmo ainda não identificado, embora identificável, que seria o beneficiário, com direito de recebimento do valor segurado”.
(…)
“Muito embora o beneficiário não figure na relação contratual, o princípio que fomentou a aceitação da estipulação em favor de terceiro, de modo a permitir que um estranho viesse a pedir o cumprimento de obrigação contratada por outros, é o mesmo que nos auxilia a compreender e encontrar a solução ajustada à dificuldade criada em casos tais. A permitir a ação direta do lesado contra a seguradora está a lição de Aguiar Dias: ‘Em última análise, o que se faz, com a ação direta, é dar pleno cumprimento à vontade das partes. Na verdade, que quis o segurado? Livrar-se de todos os ônus e incômodos decorrentes de sua responsabilidade civil. Quanto ao segurador, o objeto de sua estipulação é satisfazer essas obrigações. Ora, que faz a ação direta?
Proporciona a exoneração objetivada pelo segurado e não prejudica o segurador, porque mais não se lhe exige o que pagaria, realmente, ao segurado’ (Da Responsabilidade Civil, II/849”.
Portanto, vê-se que a possibilidade do terceiro ingressar diretamente e unicamente contra a seguradora do segurado, será mais benéfico ao terceiro, eis que, se condenada, a seguradora terá que indenizá-lo e o risco da seguradora não possuir recursos é remoto. Ao contrário, se o terceiro ingressar contra o segurado e a seguradora, o prazo para o recebimento de eventual indenização será muito maior, eis que o prazo processual conta em dobro (quando os réus possuem advogados diferentes), além de outros prejuízos.
Também, a possibilidade do terceiro ingressar diretamente e unicamente contra a seguradora (do segurado), beneficia o segurado, vez que este não terá de ser submetido a uma disputa judicial; não terá despesas processuais, despesas com contratação de advogado e tudo será resolvido somente com a seguradora.
Ora, se o segurado paga pelos serviços de uma seguradora, de fato, tem que ter a comodidade de não ser importunado com os problemas causados pelo acidente que envolveu seu veículo, seja ele culpado ou não. Basta que ele passe os dados de sua seguradora e/ou do corretor ao terceiro, para que estes solucionem o problema.
Aliás, é o que sempre deveria ocorrer, já que a seguradora é contratada e deveria, ao menos, trazer comodidade para seu cliente e não transtornos.