AP 470

Valério é condenado a 11 anos e 8 meses por três crimes

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23 de outubro de 2012, 19h52

O Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta terça-feira (23/10), sobre a pena de prisão do publicitário Marcos Valério por três crimes: formação de quadrilha, um peculato e um ato de corrupção ativa. Até agora, o publicitário foi condenado a 11 anos e 8 meses de prisão e ao pagamento de R$ 978 mil de multa.

Antes de começar a análise da dosimetria da pena dos 25 condenados, os ministros decidiram que nos sete casos de empates registrados no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, deve prevalecer a regra do in dubio pro reo. Assim, 12 dos réus terminaram absolvidos pelo tribunal.

Marcos Valério foi condenado a 2 anos e 11 meses de prisão pelo crime de formação de quadrilha. A condenação por corrupção ativa em relação ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, foi de 4 anos e 1 mês, mais 180 dias-multa. O valor de cada dia multa foi fixado em 10 salários mínimos da época do crime. No total, a multa pela corrupção somou R$ 432 mil.

Pelo crime de peculato, também em relação aos fatos da Câmara dos Deputados, os ministros fixaram pena de 4 anos e 8 meses de reclusão, mais 210 dias multa, contra Cunha. Feitas as contas, a multa pelo peculato é de R$ 546 mil.

Os ministros começaram a analisar um segundo crime de corrupção ativa de Valério, pela atuação no caso Visanet, mas a sessão foi suspensa antes da definição.

Nesse caso, o relator, ministro Joaquim Barbosa, propôs pena de 4 anos e 8 meses de prisão. A multa foi fixada nos moldes da de peculato: 210 dias-multa no valor de 10 salários mínimos cada dia. Em valores do salário mínimo da época, a multa soma R$ 504 mil. O revisor, Ricardo Lewandowski, fixou 3 anos e 1 mês de prisão, mais 30 dias-multa, mas no valor de 15 salários cada dia. Essa pena não ficou definida.

Absolvição e dosimetria
Depois de resolvidos os casos dos empates, com a decisão de que eles beneficiam os réus, se desdobrando em absolvições, o relator apresentou Questão de Ordem para confirmar que os ministros vencidos na votação parcial de mérito não poderiam participar da votação pertinente à dosimetria.

A maioria dos ministros considerou que a conclusão posta pelo relator era ponto pacífico. Porém, foi trazida ao Plenário divergência de entendimento expressada no julgamento das Ações Penais 481 e 409. Acabaram vencidos os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que votaram no sentido de que cabe a todo o Plenário proceder com o cálculo das penas.

Para o ministro Dias Toffoli,  trata-se de exemplo análogo a casos em que o ministro vencido em uma preliminar enfrenta , no entanto, o mérito do julgamento. “Não vejo razões para aquele que absolveu não participar da dosimetria. Em colegiado, podemos ficar vencidos em preliminares e em questões de mérito”, disse Toffoli.

Porém, o Plenário adotou o entendimento de que o voto pela improcedencia da ação não é uma questão preliminar, ou seja, o voto de mérito exaure a função jurisdicional. O ministro Celso de Mello chegou a dizer que não se pode confundir questões preliminares com as de mérito. Gilmar Mendes e Dias Toffoli, no entanto, reiteraram a conclusão de que mesmo quem absolve pode participar do cálculo de dosimetria a fim de emprestar efetividade ao julgamento.

O ministro Ricardo Lewandowski, votando com o relator, observou que era uma questão de lógica o fato de quem absolver não participar do cálculo de dosimetria. Seria, de acordo com o ministro, “uma verdadeira violência à consciência do magistrado” fazê-lo decidir a pena contra alguém que ele considera inocente.

Gilmar Mendes afirmou, no entanto, que a participação de todo o Plenário, inclusive de juízes que votaram pela absolvição, pode favorecer o réu. “É uma questão de lógica, mas também de técnica. A participação de todos dar-se-ia em benefício daquele que foi eventualmente condenado”, disse Gilmar Mendes.

Acolheram a Questão de Ordem do relator os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ayres Britto, ficando vencidos Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Matemática fragmentada
O relator procedeu com seu voto em relação à dosimetria das penas, optando por organizá-lo de acordo com os três núcleos nomeados pela denúncia: político, financeiro e operacional, esgotando, assim, todas as imputações que pesam contra cada um dos réus. O ministro iniciou seu voto por Marcos Valério, analisando a pena pelo crime de formação de quadrilha.

Para efeito de cálculo de pena, o relator considerou a culpabilidade do réu em um grau bastante elevado. Joaquim Barbosa disse que foi “pormenorizadamente demonstrado nos autos” o papel central do réu como operador da quadrilha criminosa. O relator observou também que coube a Marcos Valério fornecer a estutura empresarial para a consecução dos objetivos do grupo.

O ministro relator disse que acataria o entendimento de que processos ainda em julgamento não geram maus antecedentes. Contudo, Barbosa fez uma ressalva:  apenas acolheu o entendimento por acreditar que a interpretação da matéria ainda está pendente de decisão pelo Plenário. Joaquim Barbosa observou que o STF ainda deve se pronunciar em definitivo sobre o assunto ao julgar o HC 94.680 e o RE 591.054. Pessoalmente, no entanto, o ministro disse estar convencido que, no caso de réus que tenham um número elevado de processos em trâmite na Justiça caberia considerá-los como antecedentes. “A regra é: tem que haver uma sentença condenatória para constituir maus antecedentes, mas ressalvo meu entendimento diverso”, disse.

Acatando o entendimento da maioria, o relator, então, julgou que Marcos Valério não apresenta maus antecedentes. “O réu tem algumas [ações em julgamento], mas enquanto o Plenário não resolver essa pendência, não vejo condições de aplicarmos maus antecedentes”, disse.

O ministro ainda observou que não há dados sobre a conduta social e a personalidade do acusado. Joaquim Barbosa também disse que o objetivo do crime era tão somente buscar benefícios para si próprio e para suas empresas.

Quanto às circuntâncias do ilícito, o relator julgou que elas são desfavoráveis ao réu, uma vez que Marcos Valério agendava reuniões entre José Dirceu e Kátia Rabello, viajou ainda a Portugal para participar da reunião com Miguel Horta e Costa, presidente da Portugal Telecom, facilitou também venda de imóvel da ex-esposa de Dirceu a seu advogado, Rogério Tolentino, além de lhe arranjar emprego no BMG. O ministro observou que a associação entre os membros da quadrilha perdurou por mais de dois anos.

“As consequências do delito também são desfavoráveis”, avaliou o relator. “Os objetivos foram alcançados. O fato colocou em risco o próprio regime democratico, a independência dos Poderes e o sistema republicano.”

Joaquim Barbosa observou que, dada a natureza do crime, não cabe falar em comportamento do réu para fim de cálculo das penas. Portanto, inicialmente, o relator fixou a pena-base de Marcos Valério para o crime de formação de quadrilha em 2 anos e 6 meses, além do pagamento de 250 dias-multa (sendo cada dia-multa equivalente a 10 salários mínimos, valor vigente na época dos fatos delituosos, ou seja, R$ 240). A pena para o crime de quadrilha varia de um a três anos.

Por conta do papel proeminente exercido pelo réu, o relator aumentou a pena para 2 anos e 11 meses, mais os 291 dias multa. O relator observou que o reu “é um homem de posses” e que seu patrimônio declarado à Receita Federal é superior a R$ 8 milhões.

Joaquim Barbosa foi corrigido pelos colegas ministros em Plenário, que observaram que o pagamento de multa é alternativo à reclusão no caso do crime de quadrilha.  Dessa forma, por formação de quadrilha, o relator condenou Marcos Valério por 2 anos e 11 meses de reclusão.

Por terem votado pela absolvição de todos os réus nas imputações de formação de quadrilha, o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, e os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli e Cármen Lúcia não participaram da votação. Acompanharam o relator, por unanimidade, todos os outros ministros.

Sobre o crime de corrupção ativa no âmbito da Câmara dos Deputados e dos fatos envolvendo o deputado federal João Paulo Cunha, o relator observou que Marcos Valério atuou diretamente, pagando propina ao corréu. Novamente o relator não considerou antecedentes ao calcular a pena. Joaquim Barbosa disse também que o motivo do crime praticado pelo réu era “reprovável” e que as circunstâncias eram "desfavoráveis" ao réu, em razão de ter “se servido de um esquema de lavagem de capitais para proceder com o pagamento de propinas”.

O relator estabeleceu a pena-base em 3 anos e seis meses, não considerando atenuantes e deixando de aplicar o agravante que incide quando se verifica que o réu facilita a execução de outros crimes. Neste caso, "esse fato já está incluso no cálculo da pena-base", explicou o relator.

Contudo, Joaquim Barbosa considerou o agravante em relação ao papel de liderança exercido pelo réu no que toca a seus dois outros sócios. Desse modo, aumentou a pena em um sexto, o que levou a 4 anos e 1 mês de reclusão, mais 180 dias-multas, sendo cada dia-multa equivalente a 10 salários mínimos, o que corresponde a R$ 432 mil. Novamente não votaram os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Todos os outros ministros acompanharam o voto do relator.

Nexo de continuidade
O ministro Marco Aurélio touxe ao debate a questão do nexo de continuidade delitiva no que toca a crime de corrupção ativa referente aos episódios envolvendo a atuação de Marcos Valério e o presidente da Câmara dos Deputados à época, João Paulo Cunha. Marco Aurélio questionou se, naquele caso, não incidia agravante por continuidade delitiva. O relator observou que esse crime de corrupção ativa corresponde ao primeiro ato de corromper parlamentares na cronologia do processo é um fato isolado, não integrado ao resto da cadeia de eventos da Ação Penal 470. 

Os ministros, por unanimidade, também votaram com o relator na fixação da pena pela condenação de Marcos Valério por peculato, em relação à Câmara dos Deputados e João Paulo Cunha. Para o crime, o relator estabeleceu a pena em 4 anos e 8 meses, além de 210 dias-multa, no valor de R$ 546 mil reais. 

O Plenário do STF não conseguiu concluir, contudo, a votação da dosimetria referente a outra condenação por corrupção ativa contra Marcos Valério, dessa vez referente ao repasse de recursos vindos do Fundo Visanet e do Banco do Brasil.

Nesse ponto, o relator fixou a pena em 4 anos e 8 meses e em 210 dias-multa, o que corresponde a R$ 504 mil. O revisor, ministro Ricardo Lewandowski, que condenou Marcos Valério nesse subitem da denúncia, também votou. Ele explicou que, para calcular a dosimetria, preferiu considerar o papel do réu no âmbito do que julgou o Plenário, ou seja, que uma quadrilha formada operou para o cometimento de crimes e que, desse modo, cada crime foi praticado com o mesmo fim e objetivo. Além disso, o revisor propôs que fosse aplicada a lei anterior que disciplina o crime de corrupção ativa. A lei mudou em novembro de 2003, prevendo um período maior de reclusão.

“Sou um tanto quanto mais brando, mas tenho minha lógica. No caso do peculato, a pena varia de 2 a 12 anos de prisão. O réu não registra antecedentes. Por outro lado, inexistem elementos que permitam analisar a conduta pessoal do acusado, afinal de contas, são peculatos iguais àqueles que se fazem contra a administraçao publica”, disse Lewandowski. "São vários peculatos e vários delitos que se somaram em concurso material. Em homenagem, portanto, à razoabilidade, preferi ser mais moderado na dosimetria das penas individualmente. Não vejo só a árvore, vejo a floresta também”, disse.

O revisor estabeleceu a pena em 3 anos, 1 mês e 10 dias, além de 30 dias-multa, considerando, no caso, cada dia multa equivalente a 15 salários mínimos. O relator, ministro Joaquim Barbosa, protestou quanto ao entendimento do colega, criticando o fato de o revisor estabelecer penas-bases tão baixas e proceder com aumentos modestos frente aos agravantes. “O relator barateia demais o crime de corrupção ao fixar em tão pouco o aumento da pena-base”, disse Barbosa. Ao que o revisor respondeu: “A dosimeteria deve ser aplicada tal como remédios aviados em farmácias e a quimioterapia. Tem que ser na dose certa, prevenindo que outros crimes sejam praticados”, disse Lewandowski.

Na esteira da discordância entre relator e revisor, sucedeu uma discussão sobre como proceder com a técnica para o cálculo das penas no crime de corrupção ativa, dada a mudança da lei. O decano do tribunal, ministro Celso de Mello, observou que  o “momento consumativo” do crime ocorreu antes das mudanças introduzidas pela Lei 10.763/2003. Até então, a pena para o crime de corrupção ativa era de 1 a 8 anos. Com a nova lei, passou de 2 a 12 anos.

O presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, chegou a abrir a votação, e a ministra Rosa Weber anunciou que votaria com o revisor, mas a sessão foi interrompida sem que os ministros votassem formalmente sobre o cálculo da pena neste subitem. A diferença entre as penas fixadas entre o relator e revisor foi de 1 ano e sete meses.

Além de darem continuidade à votação sobre as penas, os ministros confrontarão, nesta quarta-feira (24/10), as penas votadas em Plenário com o cálculo procedido pelo ex-ministro Cezar Peluso. Peluso, que se aposentou em setembro, votou no julgamento de mérito e na dosimetria dos crimes descritos no subitem 3.1 da denúncia formulada pelo Ministério Público, que tratava das acusações envolvendo a Câmara dos Deputados, o Fundo Visanet e a corretora Bônus Banval.

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