AP 470

STF terá quebra-cabeça para fixar penas

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22 de outubro de 2012, 5h40

O Supremo Tribunal Federal pretende terminar nesta segunda-feira (22/10) a análise do último capítulo da Ação Penal 470, o processo do mensalão. No item, 13 réus são acusados de formação de quadrilha. Em sessão extraordinária no dia seguinte, os ministros analisarão as consequências da condenação sobre os mandatos dos três parlamentares condenados: João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Na sequência, será decidido o que fazer nos casos dos seis empates registrados até agora no julgamento.

A partir daí, os ministros se debruçarão sobre um verdadeiro quebra-cabeça para fixar as penas que os réus condenados devem cumprir. Nas alegações finais do processo, o procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, pede que os réus sejam condenados, na maior parte dos casos, em concurso material. A tendência no Supremo, contudo, é considerar que os crimes foram cometidos em continuidade delitiva.

A diferença é fundamental para se fixar o tamanho das penas dos réus. Considera-se concurso material quando o mesmo crime é cometido diversas vezes em ações distintas. Neste caso, é fixada uma pena para cada um dos crimes. No caso da continuidade delitiva, considera-se que a primeira ação criminosa levou à segunda, e assim por diante. Ou seja, o mesmo crime foi praticado diversas vezes de forma contínua. Aí se aplica a pena mais grave, que é ampliada de um sexto a dois terços.

José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, foi condenado por nove atos de corrupção ativa, por oito votos a dois. A pena para o crime de corrupção ativa varia de dois a 12 anos de prisão. Se o Supremo atender ao pedido Ministério Público, Dirceu pode pegar até 108 anos de prisão — isso sem a soma de possíveis agravantes.

No caso de se considerar que o crime foi cometido em continuidade delitiva, aplica-se a pena por um crime, que pode chegar a 12 anos, aumentada em até dois terços. Assim, pelo crime de corrupção ativa, a pena máxima de José Dirceu somaria 20 anos de prisão. Mas a expectativa é a de que, no caso, a pena contra o ex-ministro de Lula deve girar por volta dos oito anos de prisão.

A tendência do STF de se considerar os atos como continuidade delitiva transpareceu em um trecho do voto do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, que foi publicado por engano no site do tribunal. Mesmo depois de retirado do ar, foi possível acessar o voto relativo ao item quatro, que tratava de lavagem de dinheiro dos núcleos operacional e financeiro, na internet — clique aqui para ler.

Para Marcos Valério, por exemplo, Barbosa estabeleceu pena de 12 anos e sete meses de reclusão em continuidade delitiva. Pena a ser cumprida em regime fechado, majorada por conta das 46 operações de lavagem de dinheiro. Por ser o proprietário da empresa que “emitiu os cheques que propiciaram a maioria dos repasses lavados”, foi considerado pelo ministro o chefe da parte operacional do mensalão.

Há ainda a figura do concurso formal, quando com uma só ação o crime é praticado por mais de uma vez ou gera outros crimes. Neste caso, é aplicada a pena do crime mais grave, aumentada de um sexto até a metade. Mas essa figura não deve ser usada — ou será muito pouco — na fixação de penas no mensalão.

Para o regime de cumprimento da pena, somam-se todas as condenações. Penas de até quatro anos de reclusão podem ser substituídas por restritiva de direitos. Ou seja, a prisão é substituída por restrições e por obrigações alternativas. Penas entre quatro e oito anos são cumpridas em regime semiaberto. Já as condenações acima de oito anos de prisão são sempre cumpridas em regime inicial fechado.

Caso o Supremo condene Dirceu por formação de quadrilha, a condenação só fará diferença se for aplicada pena acima de dois anos. Isso porque se a pena fixada for de até dois anos, o crime já estaria prescrito. A pena para o crime de quadrilha ou bando varia entre um a três anos. Criminalistas acreditam que é improvável que a pena seja fixada acima de dois anos neste caso. Mas se o tribunal aplicar, em tese, pena de oito anos por corrupção ativa e três por formação de quadrilha para José Dirceu, a pena somaria 11 anos. O regime inicial do cumprimento da pena do ex-ministro de Lula seria fechado.

Matemática da pena
Para calcular a pena, o artigo 59 do Código Penal fixa que o juiz deve observar a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime.

Em seguida, são considerados os agravantes e atenuantes. Depois, as causas especiais de aumento e diminuição da pena. Os agravantes e atenuantes se referem ao crime em si, ao modo como a conduta criminosa foi efetivada. Já as causas especiais se referem à participação do réu no crime.

Este é o chamado método trifásico para a fixação da pena. Um agravante a ser considerado, por exemplo, é o fato de o réu ocupar cargo público. No caso da causa especial de aumento da pena, pode ser avaliado se o ato do ofício foi praticado de fato. Ou seja, se em troca da propina recebida, o acusado fez o que lhe foi exigido.

Na fixação da pena de Marcos Valério, por exemplo, o ministro Joaquim Barbosa considerou que “não se pode ignorar, ainda, que os valores lavados são bastante elevados”. Ainda afirmou que “a culpabilidade, entendida como o grau de reprovabilidade da conduta, apresenta-se em todas as principais etapas do processo de lavagem de dinheiro”.

Depois, passou a analisar os antecedentes. Disse que a existência de “uma ou outra ação penal” não pode ser considerada antecedente, mas, no caso de Valério, “se verificam não uma, mas inúmeras ações penais contra o réu, algumas delas com sentença condenatória”. Por isso, diz que Marcos Valério “ostenta maus antecedentes”.

No dia 15 de outubro, a Justiça Federal de Minas Gerais condenou, por falsidade ideológica, o ex-presidente do PT José Genoíno, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o publicitário Marcos Valério. O motivo foram empréstimos considerados fraudulentos tomados pelo partido no Banco BMG. Também foram condenados quatro dirigentes do BMG por gestão fraudulenta.

A condenação em primeira instância pode ser levada em conta como maus antecedentes. A jurisprudência sobre se considerar processos em andamento ou condenações das quais ainda cabe recurso como maus antecedentes não é uniforme no Supremo. Há ministros que entendem que isso é possível, mas outros são contrários e se apoiam no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Até agora, o Supremo condenou 25 dos 37 réus no processo do mensalão. Os 25 foram condenados por 60 crimes, entre os quais corrupção passiva, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira. Falta a definição sobre a acusação de formação de quadrilha.

Para cada um dos crimes, os dez ministros terão de avaliar todos os critérios subjetivos fixados pela lei para estabelecer as penas que eles devem cumprir. Não é à toa que o final do julgamento pode se transformar em seu ápice, com mais discussões acaloradas sobre os motivos e as condições nas quais os 25 condenados pelo tribunal cometeram os crimes que lhe são imputados. Os últimos dias prometem barulho.

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