Parâmetros para avaliação

Prova e condenação no julgamento do Mensalão

Autor

  • Antonio do Passo Cabral

    Professor Doutor de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Direito Processual pela UERJ e pela Universidade de Munique Alemanha. Mestre em Direito Público pela UERJ. Procurador da República no Rio de Janeiro.

22 de outubro de 2012, 16h45

O julgamento do caso do Mensalão pelo Supremo Tribunal Federal tem se revelado importante para a pacificação de inúmeras questões comuns a milhares de outros processos nos Triubnais Federais e Estaduais de todo o Brasil. De fato, o STF ao decidir a causa, não apenas tem resolvido discussões em matéria penal (como aquelas sobre a lavagem de dinheiro e sobre o ato de ofício para o crime de corrupção), mas também tem fixado relevantes parâmetros para a condução de processos no que tange às preclusões e à avaliação da prova, e aqui queremos ressaltar estes dois aspectos.

Acerca das preclusões, ao indeferir requerimento de desmembramento do processo, o Supremo Tribunal Federal, em questão de ordem, afirmou a preclusão consumativa pro iudicato inclusive para “questões de ordem pública” (no caso, tratava-se de alegação de incompetência da Corte Suprema para julgar quem não tem foro por prerrogativa de função). Em termos simples, afirmou o STF que, quando a defesa alega diversas vezes uma mesma questão já decidida pelo juízo, não cabe ao Judiciário decidir novamente o tema pois a discussão já foi exaurida naquele ponto. Aplicando-se a premissa a outros processos, reduz-se a complexidade da controvérsia, diminuindo custos e tempo de tramitação, pondo por fim a insistência da defesa — comumente verificada na prática ― em repetir argumentos e alegações já rechaçados pelo juiz.

Também no campo da avaliação da prova, as decisões até agora tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente do restante do julgamento, elevaram a um excelente nível teórico — e com importantes repercussões práticas — as discussões sobre ônus da prova e valoração dos elementos probatórios no direito processual brasileiro. Os votos dos ministros que compuseram a ampla maioria da Corte até agora abordaram com acuidade as mais contemporâneas teorias sobre a prova, salientando que, no processo, as partes colocam seus argumentos procurando apresentar uma versão convincente e verossímil para a prevalência de seus interesses, cabendo a cada um a prova dos fatos que componham suporte fático para as normas que pretendem ver incidir em seu favor. O ônus da prova, portanto, como há muito repisado na jurisprudência, é dividido entre acusação e defesa.

Por outro lado, a prova não deve ser concebida numa visão cientificista, ultrarracionalista (e até certo ponto ingênua) a respeito da cognição humana. Assim era a antiga e superada compreensão da prova apenas em sua função “demonstrativa”: em se exigindo prova técnica ou a certeza de verdades apodíticas, uma condenação só seria possível se o agente público fosse filmado recebendo propina do corruptor, ou se o criminoso tivesse conversa telefônica interceptada confessando o cometimento do delito.

A prova, como salientaram os ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Marco Aurélio, Cezar Peluso, dentre outros, deve ser compreendida em sua função persuasiva, no âmbito da argumentação e do debate em contraditório, pela qual os elementos probatórios permitem a formação do convencimento do magistrado a partir de uma ampla discussão entre todos os sujeitos participantes do processo. Ao Judiciário cabe sopesar as alegações de cada parte e as provas existentes no processo para verificar, à luz do convencimento formado neste debate, qual dos interesses deve prevalecer.

A consagração da função persuasiva da prova no julgamento do Mensalão, há muito já sustentada na literatura especializada, reforça para o juiz o dever de justificar suas conclusões, tornando o resultado do processo mais racional e controlável, o que é evidentemente uma garantia de toda a sociedade. Por outro lado, a função persuasiva da prova reafirma a consolidada jurisprudência da Suprema Corte brasileira, que há décadas considera suficiente, inclusive para uma condenação criminal, um conjunto forte e sólido de indícios e circunstâncias comprovados, e que conduzam à conclusão segura de que o fato ocorreu. Posicionamento, aliás, que prevalece na jurisprudência da imensa maioria dos tribunais do mundo ocidental.

Isso é especialmente importante em contextos associativos complexos — marca da criminalidade contemporânea — no qual os crimes ou infrações administrativas são praticados por muitos indivíduos consorciados e tem relevante implicação prática em casos como de formação de cartéis, organizações criminosas, quadrilhas, e crimes e infrações no mercado de capitais (como citado pelo ministro Luiz Fux), onde a prova indiciária é predominante pois é raro que se obtenham documentos e gravações dos fatos criminosos (até porque toda associação pressupõe acordos que normalmente são realizados a portas fechadas).

Diante destas premissas fixadas pelo STF, frisemos, em coro com os mais abalizados entendimentos nacionais e internacionais, vemos uma reação descofortada de certos setores aos quais interessa um processo caótico em que o Judiciário é posto numa relação de vassalagem à defesa, como se os réus pudessem proceder como queiram e o magistrado deva valorar os fatos e as provas sempre a seu favor; como se o juiz fosse compelido a tolerar qualquer tipo de conduta e o Judiciário tivesse que afastar sucessivas vezes a mesma alegação. A previsão constitucional da ampla defesa — um relevante direito fundamental de todos nós, que deve ser prezado — não significa que a defesa possa tudo.

O direito processual (e o Judiciário), se bem que postos à disposição dos indivíduos para a solução dos conflitos em sociedade, atuam com vistas à consecução de outros interesses públicos relevantes, cabendo aos juízes, como bem salientado pelo STF, conduzir este debate em ambiente harmônico e democrático, mas sem tolerar excessos e sem admitir abuso dos mecanismos processuais.

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    Professor Doutor de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Direito Processual pela UERJ e pela Universidade de Munique, Alemanha. Mestre em Direito Público pela UERJ. Procurador da República no Rio de Janeiro.

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