Gestação jurídica

Grupo europeu orienta Hungria a democratizar a Justiça

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16 de outubro de 2012, 14h40

Um Judiciário compatível com um país democrático tem que ser eficiente, independente e imparcial. A Hungria tem vivido — e mostrado — o quão difícil é tirar os princípios do papel e colocá-los em prática. O país está tentando reconstruir a sua Justiça. A proposta é transformar um Judiciário fechado e politizado em uma instituição autônoma, livre de influências políticas e que atenda aos padrões europeus.

Na missão, o país tem contado com a ajuda da Comissão de Veneza, órgão consultivo do Conselho da Europa. No último final de semana, durante sessão plenária da Comissão, o grupo europeu se debruçou mais uma vez sobre a situação da Hungria. Fez alguns elogios e muitas críticas. O relatório aprovado na ocasião demonstra que, embora a Hungria esteja no caminho certo, há muito ainda para ser aprimorado.

O grande desafio é fazer o governo húngaro abrir mão do poder que hoje exerce no Judiciário. O país criou uma espécie de Secretaria Nacional de Justiça, um órgão formalmente independente que assume o controle de praticamente toda a parte administrativa dos tribunais. É o Parlamento que escolhe quem vai assumir o cargo de presidente da secretaria e tornar-se o poderoso chefão da Justiça húngara. É o presidente da secretaria, por exemplo, que escolhe novos juízes e nomeia a cúpula dos tribunais. Esse poderoso chefão precisa atender a um único critério objetivo: estar atuando como juiz por pelo menos cinco anos.

A Comissão de Veneza já apontou inúmeras falhas na função do presidente da Secretaria Nacional de Justiça. No relatório aprovado no final de semana, o grupo elogiou algumas medidas adotadas pela Hungria para reduzir seu poder. Uma delas é a necessidade de prestar contas. Inicialmente, o chefe do Judiciário não precisava justificar nenhuma das suas decisões administrativas. Agora, o Parlamento pode questionar o presidente da Justiça sempre que considerar que alguma decisão não foi razoável.

O órgão europeu também elogiou a criação de um Conselho Nacional de Justiça, com o objetivo de repartir um pouco do poder inicialmente depositado nas mãos de uma única pessoa. A Comissão não se mostrou satisfeita, no entanto, com o fato de esse conselho ser formado apenas por juízes. Os europeus recomendaram que a Hungria permitisse que outras pessoas ligadas ao Judiciário, como advogados e professores, façam parte do conselho para que ele seja, de fato, um controle externo das atividades da Justiça.

Mobilidade da Justiça
Ao reformar a sua Justiça, a Hungria tem apostado na mobilidade — de juízes e de processos — para lidar com a quantidade de processos que lotam as prateleiras dos tribunais da capital, Budapeste. Pelas novas regras já aprovadas pelo Parlamento húngaro, a cada três anos, um juiz pode ser transferido por até um ano para outro tribunal mesmo contra a sua vontade. Os processos também podem ser transferidos para tribunais menos abarrotados no interior do país.

Os dois pontos já tinham sido criticados pela Comissão de Veneza, mas foram mantidos até agora pelos húngaros. No parecer aprovado no final de semana, o grupo europeu reafirmou que os juízes não podem ser transferidos com tanta frequência e que eles têm que poder rejeitar a transferência, sem sofrer qualquer sanção por isso. Os europeus também rejeitaram a distribuição de processos pelo interior do país. Para eles, essa distribuição só poderia acontecer se obedecesse a critérios objetivos.

Outro assunto que ainda preocupa a Comissão de Veneza é a problemática em torno da redução de 70 para 62 anos da idade da aposentadoria compulsória dos juízes. Com a aprovação da medida, cerca de 10% dos juízes foram obrigados a se aposentar. Em junho do ano passado, a Comissão alertou que a mudança abrupta prejudicaria a capacidade das cortes e a segurança jurídica no país. Em julho deste ano, o Tribunal Constitucional da Hungria considerou a redução inconstitucional, mas o governo tem dificultado a volta dos juízes ao cargo. Para poder reassumir a função, eles estão tendo de abrir um processo trabalhista e, mesmo após conseguir uma vitória, têm de enfrentar um recurso do governo para a segunda instância.

Além de pedir que os juízes aposentados voltem ao cargo, a Comissão de Veneza também apelou para que a Hungria elimine outra regra considerada discriminatória. É que, no país, quem está a um ou dois anos de se aposentar não pode ser nomeado para cargo de chefia dos tribunais. A justificativa húngara é a de que os mais velhos precisam ficar ensinando os mais novos, e não comandando os tribunais. Já o grupo europeu defendeu que os jovens aprendem mais vendo como os velhos agem em cargos de liderança.

Carta nova
Boa parte das mudanças no Poder Judiciário faz parte da nova Constituição da Hungria, aprovada em abril do ano passado para substituir a carta de 1949. Além de apontar falhas nas medidas aprovadas, a Comissão de Veneza também já criticou duramente o processo eleitoral por falta de transparência e pelo tempo reduzido para o debate — levou 36 dias desde que a proposta foi apresentada até a sua aprovação.

Na Hungria, a nova carta constitucional foi classificada como conservadora e discriminatória pela oposição e por defensores das minorias. Também já foi criticada pela Alemanha. O texto constitucional ressalta a importância do Cristianismo e reforça os valores da família. Uma das críticas é contra o que foi classificado de discriminação contra os gays. O texto aprovado prevê que o casamento se dá entre um homem e uma mulher. A legislação civil do país, no entanto, continua a permitir a união de pessoas do mesmo sexo

A nova Constituição também enfatiza a proteção ao feto. Embora no país esteja em vigor lei que permite o aborto, ONGs já reclamam que a mudança pode levar à proibição. A carta também diferencia a nação originalmente húngara dos cidadãos que nasceram lá, mas fazem parte da minoria não húngara.

Clique aqui para ler o relatório da Comissão de Veneza em inglês.

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