Novas fundações

Previdência dos servidores ignora estruturas existentes

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14 de outubro de 2012, 8h00

Foi publicada no dia 30 de abril deste ano a Lei 12.618, que instituiu o regime de previdência complementar dos servidores públicos federais e autorizou a criação de três fundações pelos Poderes da República: a Funpresp-exe, a Funpresp-Jud e a Funpresp-Leg.

Embora neste momento inicial a preocupação se volte mais para aspectos relacionados à constituição das novas entidades, uma discussão que se antevê refere-se à possibilidade de retirada de patrocínio e às suas conseqüências jurídicas, seja para os futuros participantes e assistidos, seja para as patrocinadoras públicas.

Atualmente, o procedimento de retirada de patrocínio encontra-se regulado pela Resolução CGPC 06/1988, norma que está sendo objeto de discussão e revisão pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar.

Pela proposta em debate, mantém-se o entendimento de que a decisão de retirada pertence ao patrocinador, como decorrência do princípio da facultatividade previsto no artigo 202, caput, da Constituição Federal. Exige-se, porém, a observância de determinadas condições, principalmente a necessidade de equacionamento de déficit porventura existente, antes do encerramento da relação contratual.

A Lei da Funpresp, no entanto, possui algumas peculiaridades que merecem ser observadas. Durante o trâmite do PL 1.992 na Câmara dos Deputados, por exemplo, foram apresentadas emendas no sentido de que, em caso de retirada de patrocínio, ficasse explicitado o retorno dos servidores ao regime previdenciário anterior (vide, nesse sentido, as Emendas de Plenário 6 e 20).

Tais emendas foram rejeitadas pelos Deputados, de forma que a Lei 12.618/2012 acabou apenas prevendo que eventual retirada de patrocínio depende de prévia autorização da Previc (artigo 19).

Não se pode afastar, de todo modo, a possibilidade de que se venha a interpretar o artigo 40, parágrafo 15, da Constituição Federal, no sentido de que a retirada de patrocínio possa implicar na aplicação do regime previdenciário anterior aos servidores outrora abrangidos pelo novo regime (como pretendido nas emendas mencionadas). Afinal, não sendo oferecida mais a possibilidade de adesão a regime de previdência complementar, não estariam atendidas as condições previstas no artigo 40, parágrafo 15, da Constituição, para submissão dos servidores ao teto do regime geral.

Sem pretendermos, no momento, aprofundar-nos nessa intrincada discussão, essa possibilidade nos fez lembrar de situação até hoje não enfrentada adequadamente. Estamos falando das entidades fechadas cujos participantes, antes celetistas, passaram a ser submetidos ao Regime Jurídico Único, com a publicação da Lei 8.112/1990.

A fim de complementar a aposentadoria desses servidores estatais —até então submetidos ao regime geral de previdência social— haviam sido criadas algumas entidades fechadas de previdência complementar, que recolheram ao longo dos anos recursos de seus participantes e dos patrocinadores, com a finalidade de garantir o pagamento de benefícios previdenciários. Em muitos casos, tais pessoas já se encontravam inclusive em gozo de benefício, na qualidade de assistidos das fundações.

Entretanto, com a edição da Lei 8.112/1990, a grande maioria dessas pessoas foi incorporada ao Regime Jurídico Único e, por conseqüência, passaram a integrar o regime próprio de previdência. Situação muito semelhante à que poderíamos vivenciar caso, futuramente, prevaleça o entendimento de que, em caso de retirada de patrocínio, os participantes da Funpresp passarão a ser submetidos também ao regime próprio.

Pergunta-se, nesse caso, o que deve ser feito com os recursos amealhados ao longo dos anos pelas fundações? E o que se dizer do esforço para organização e estruturação dessas entidades, com todos os recursos humanos e materiais dirigidos a essa finalidade? Terão tais esforços e essas fundações simplesmente perdido a razão de existir?

As posições adotadas pelo Estado no enfrentamento da questão do RJU nos permite fazer algumas ilações. O caso da Centrus é um bom paradigma, visto ser o único que foi objeto de tratamento legal explícito (Lei 9.650/1998).

Regra geral houve entendimento consolidado à época no sentido de que a manutenção dessas entidades era necessária, ao menos, para garantir o cumprimento das obrigações com os que já estivessem em gozo do benefício de prestação continuada (assistidos). É esse o sentido do artigo 14, caput, da Lei 9.650/1998, aplicável à Centrus:

Artigo 14. São mantidas as cotas patronais relativas a complementações previdenciárias devidas aos empregados do Banco Central do Brasil que se aposentaram sob o Regime Geral de Previdência Social até 31 de dezembro de 1990, bem como todas as responsabilidades do Banco Central do Brasil em relação a esses empregados, inerentes à condição de patrocinador da Fundação Banco Central de Previdência Privada — Centrus.

Não foi permitido, contudo, que os patrocinadores continuassem a aportar contribuições nas fundações, mesmo que para a cobertura de despesas administrativas, o que impactou profundamente no plano de custeio das entidades. A Lei 9.650/1998 tratou dessa situação sob a denominação de “patrocínio não-contributivo” (artigo 14, parágrafo 2º), figura não prevista nas Leis Complementares 108 e 109, de 2001, e tampouco na Lei 6.435/1977, que as antecedeu.

Essa é uma das principais razões que levaram algumas dessas entidades, a exemplo da Uranus (cuja patrocinadora é a CNEN), à situação de liquidação extrajudicial decretada pela Previc, conforme se extrai do site da entidade e de algumas notícias divulgadas recentemente pela imprensa.

A suspensão das contribuições contratualmente estabelecidas com relação aos assistidos, especialmente para o custeio das despesas administrativas da entidade, não nos parece consentânea com a ideia inicial de manutenção das entidades. Parece optar-se, assim, pela manutenção dessas fundações, mas sem lhes dar as condições mínimas para que elas continuem existindo.

Com relação àqueles que eram considerados participantes, mas ainda não elegíveis, a postura não foi menos dúbia. Várias fundações que se depararam com o problema receberam comunicações da então Secretaria de Previdência Complementar (hoje sucedida pela Previc) a fim de devolver os recursos aportados pelos patrocinadores públicos e possibilitar, de outro lado, o resgate das contribuições aportadas pelos participantes.

Perdeu-se ali uma grande oportunidade, a nosso ver, de aproveitar os recursos previdenciários recolhidos pelos participantes, que poderiam perfeitamente continuar a ser administrados pelas fundações, ainda que sob a forma de plano de benefício na modalidade de contribuição definida.[1]

Observe-se que a faculdade de administração dessas reservas foi garantida por lei expressamente apenas à Centrus (conf. artigo 14, parágrafo 3º, incisos III e IV, da Lei 9.650/1998), inexistindo qualquer argumento que justifique a falta de extensão da autorização para as demais entidades de previdência complementar. Basta lembrar que algumas entidades submetidas à LC 108/2001 administram hoje inclusive planos de benefícios patrocinados por entes privados[2]; com maior razão, deveriam aquelas entidades poder continuar administrando recursos que já estavam dentro das fundações, ainda que em condição jurídica distinta.

Discutível, ainda, a devolução dos recursos aportados pelos patrocinadores durante o período anterior à implementação do RJU. Isso porque, uma vez aportados os recursos na entidade de previdência fechada, passam eles a ter natureza estritamente privada, em observância ao artigo 202, caput, da Constituição, desvinculados, portanto, da sua origem.

Ressalte-se que, durante o processo de privatização de algumas empresas estatais, não obstante a alteração do regime jurídico aplicável, nunca foi questionada a necessidade de devolução dos recursos aportados por entes públicos nos planos de benefícios administrados pelas fundações. Certamente por se considerar que tais recursos não pertenciam mais aos entes que outrora detinham natureza estatal.

É de se lamentar, ainda, não ter sido considerada agora a possibilidade de aproveitamento das estruturas já constituídas e em funcionamento dessas fundações, no lugar de se prever a estruturação de três novas fundações de previdência complementar, como fez a Lei 12.618/2012.

Além de poder implicar em uma significativa economia de tempo e recursos, que envolverá a estruturação das três fundações, perdeu-se a grande possibilidade de se agregar anos de experiência das entidades já existentes na administração de recursos previdenciários. Passou-se ao largo do princípio da eficiência, imposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

Retomando, então, a questão original que nos levou a essas reflexões: após a destinação de todos os recursos materiais e humanos necessários para a estruturação das novas fundações, caso haja retirada de patrocínio (o que esperamos, sinceramente, que não ocorra) e prevaleça o entendimento de que tais servidores devem ser incorporados ao regime próprio, que ações se deve esperar por parte do Estado?

A nosso ver, na linha do que houve em razão da implantação do RJU, tais estruturas não serão aproveitadas adequadamente. Os recursos previdenciários serão devolvidos, as contribuições dos patrocinadores imediatamente suspensas e as entidades acabarão perdendo seu objeto.

Considerando o tratamento dado às entidades que enfrentaram problema similar ao longo dos últimos anos, não há nada que nos leve a crer que com as novas fundações possa ser diferente. Realmente uma pena.


[1] A própria Lei que autorizou a criação da Funpresp possibilita, em seu art. 13, parágrafo único, que servidores se inscrevam em plano de benefícios mesmo ausente a característica de complementaridade inerente à previdência privada (art. 202, caput, CF/88).

[2] A respeito do regramento jurídico aplicável a esses casos, vale a leitura do artigo 10 da Resolução CGPC nº 07/2002.

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