O óbvio da vida

Trabalho infantil começa bem antes de sua constatação

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12 de outubro de 2012, 8h00

Há coisas óbvias, na vida. Ninguém tem a coragem de sustentar, no politicamente correto ano de 2012, que a exploração de crianças no mundo do trabalho é possível. Mas muitos compactuam com a ‘adoção’ de meninas pobres, para ‘ajudar’ a família, como se isso fosse um método de inclusão.

Outros tantos proclamam que o trabalho dignifica, mesmo que tenha início ainda na primeira infância. Afinal, não é melhor a fábrica do que o tráfico?

O trabalho infantil inicia-se bem antes de sua própria existência e constatação. Começa, de verdade, em fundos de dogmática certeza, que domina o inconsciente coletivo médio. Num país de tantas desigualdades, em que muito mais de 90% dos pobres continuará pobre, e terá filhos e netos pobres, seguimos olhando apenas para aquele raro exemplo em que o menino engraxate tornou-se doutor.

Não se contam os milhares que abandonam a escola, para dormir umas poucas horas entre os turnos de trabalho, nem aqueles que têm seus corpos ainda em formação danificados definitivamente, pelo peso das cargas, pela pressão das torcidas, pela ansiedade das famílias em vê-los astros e estrelas na televisão.

Tudo vem de um começo, em que a palavra-chave é desigualdade. Desigualdade que determina o destino dos filhos de lavadores de carro, que ajudam a secar os jipes caros, com flanelas puídas, dos filhos de empregadas domésticas, que ‘fazem companhia’ aos filhos da patroa, limpando-lhes a bagunça, tocando seus brinquedos, apenas na hora de os guardar, dos filhos da professora, que precisa dobrar turnos, e, por isso, encontram no empacotamento de compras no supermercado, um sonho de que sua mãe, com aquele salário, trabalhará menos.

A crueza do trabalho da criança é negada, repetidamente e há quem se socorra do Direito para justificar a exploração. De um lado, o estágio, a fingir que o repositor de mercadorias na câmara fria está aprendendo uma profissão. Do outro, o aprendiz, que produz como um adulto, em turnos mais curtos, para fingir que estuda, com salários menores, exposto aos mesmos riscos do adulto.

O pequeno sanfoneiro, artista, berram todos!, que toca sem parar por horas a fio, para fazer graça, com o que não tem o mínimo encanto.

Alguns a bebericar autorizações judiciais, oficiais e com selos da República, para o trabalho antes dos 14 anos. Porque os pais querem (alguém pode querer, se não tem opção?), porque o MP concorda — lá em sua mesa sob o ar condicionado, com vencimentos garantidos, qualquer que seja o trabalho que preste. Ou porque o juiz começou cedo, entregando jornais, e se tornou juiz, logo, todo menor tem que trabalhar, para se tornar alguém.

A miséria sem solução manterá meninos tão degradados quanto seus pais e seus avós.

E se há coisas óbvias na vida, uma delas é a certeza de que o lugar de criança é na escola e depois, longamente, nas brincadeiras que as ensinam a fingir o mundo adulto, lá longe, que vão depois enfrentar. Para a certeza virar realidade só há um caminho: erradicar o trabalho infantil. Para essa luta, somos chamados todos.

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