Apple vs Samsung

Decisão a favor do Nexus influencia caso Galaxy S II

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12 de outubro de 2012, 15h50

A Samsung começou a virar o jogo contra a Apple nos Estados Unidos. Depois de perder duas batalhas judiciais seguidas em primeira instância — um caso da Apple contra o Galaxy Nexus e outro contra o Galaxy S II —, a Samsung conseguiu, nesta quinta-feira (11/10), sua primeira vitória em nível de recurso. Um painel de três juízes de um tribunal de recursos federal anulou a ordem judicial que proibiu, em 29 de junho, a venda do Galaxy Nexus no país. Na mesma decisão, de 18 páginas, o tribunal de recursos começou a minar o caso da Apple contra o Galaxy S II — aquele em que um júri condenou a Samsung a pagar uma indenização de US$ 1,05 bilhão à Apple, por violação de patentes, em 24 de agosto.

Na justificativa da decisão, sobrou para a juíza das duas disputas em primeira instância. Os juízes do tribunal de recursos afirmaram, em sua decisão, que a juíza federal Lucy Koh "abusou de sua discricionariedade, ao proibir as vendas do Galaxy Nexus". Em uma analogia com o futebol, essa decisão poderia ser qualificada como um "gol espírita" da equipe de advogados da Samsung. Ela se baseou em uma decisão da Suprema Corte dos EUA no caso "Gonzalez versus O Centro Espírita Beneficente União do Vegetal". Em 2006, um braço da brasileira União do Vegetal (UDV) no estado do Novo México ganhou uma disputa contra o governo dos EUA, então representado pelo procurador-geral da União Alberto Gonzalez. Assegurou o direito, com base na liberdade de religião, de importar uma substância alucinógena para fazer o chá consumido pelos frequentadores do Centro.

Os juízes concluíram sua decisão com a ordem: "Reversed and remanded" — ou seja, rejeitaram a ordem judicial emitida em primeira instância, dando provimento ao recurso, e ordenaram o reenvio do processo à juíza, para que reconsidere sua decisão. Aliás, a ordem da juíza já havia sido suspensa logo depois de sua emissão, quando o mesmo tribunal de recursos concedeu uma liminar à Samsung, liberando a empresa para continuar comercializando seu produto nos EUA. E fizeram uma crítica ácida à juíza. Declararam que ela baseou sua decisão nos aspectos técnicos da questão — uma reprodução dos argumentos técnicos da Apple — e se descuidou dos aspectos jurídicos.

A decisão não exercerá um efeito importante na comercialização do Galaxy Nexus da Samsung, segundo a Agência Reuters, porque o produto já está em fim de carreira. Mas certamente terá reflexos consideráveis na guerra judicial que a Apple declarou à Samsung na Justiça nos Estados Unidos e em outros países. E também no mercado financeiro: logo depois da decisão, o valor das ações da Apple caiu quase 2%, fechando no fim do dia em US$ 628, queda maior do que a que sofreu o valor das ações da Samsung após a decisão de primeira instância. No campo jurídico, a decisão torna mais difícil a aventura de empresas que tentam tirar concorrentes do mercado, disse à Reuters a professora da Faculdade de Direito do Vale do Silício Coleen Chien. 

Aspectos jurídicos
Os juízes do tribunal de recursos iniciaram a "discussão" do caso explicando que, para um demandante obter uma liminar e aspirar uma vitória no exame de mérito, ele deve demonstrar suficientemente suas razões em quatro quesitos: 1) que provavelmente será bem-sucedido no exame do mérito; 2) que provavelmente vai sofrer um dano irreparável se não obtiver o provimento jurisdicional preliminar; 3) que a balança da justiça pende a seu favor (pelo que está nos autos); e 4) que a decisão judicial em favor do peticionário é do interesse público. A Apple falhou no cumprimento de todos eles, na opinião dos juízes, embora a decisão tenha se baseado, mais extensamente, em dois quesitos apenas.

Do ponto de vista técnico, a questão girou em torno de um único recurso patenteado dos telefones inteligentes (smartphones): a capacidade de busca de múltiplos dados, armazenados em locais diferentes, ao mesmo tempo. Por exemplo, um telefone inteligente pode pesquisar, ao mesmo tempo, dados que estão em sua própria memória e que também podem ser encontrados na Internet, em uma única consulta. Do ponto de vista jurídico, a questão mais importante foi se a suposta violação de patente causou ou não "danos irreparáveis" ao iPhone da Apple. 

Os juízes observaram que os telefones inteligentes têm tantos recursos que não seria por essa capacidade específica que os consumidores deixariam de comprar um iPhone para adquirir um Galaxy Nexus — ou qualquer outra das cerca de 300 marcas de smartphone que são alimentadas pelo sistema operacional Android do Google.

Google? A Google não tinha nada a ver com a história. Nem é parte no processo. Mas amargou respingos nessa disputa judicial, especialmente porque tem suas próprias pendengas judiciais com a Apple. Além do sistema operacional, o software que permite aos smartphones da Samsung fazer múltiplas buscas em múltiplas fontes de dados, ao mesmo tempo, com uma única consulta, foi desenvolvido pela Google.

Na opinião dos juízes, a Apple demonstrou, através de suas próprias pesquisas e do depoimento de um especialista, que os compradores do iPhone valorizam esse recurso. Entretanto, não comprovou que os compradores dos smartphones da série Galaxy deixam de adquirir o iPhone porque o Nexus dispõe de recurso semelhante. Portanto, não demonstrou que sofreu "danos irreparáveis" com a indesejada concorrência dos telefones da série Galaxy no mercado. "Em casos como esse, em que o produto acusado pode ou não violar uma patente de um recurso tecnológico, entre muitos, o proprietário da patente deve estabelecer que sofreu danos irreparáveis e que eles são estritamente relacionados a essa violação", escreveram os juízes. 

Influência no caso do Galaxy S II
De uma forma indireta, os juízes do tribunal de recursos mandaram uma mensagem para a juíza Lucy Koh que poderá, igualmente, anular a decisão do júri que ela presidiu, relativa ao caso da Apple contra a Samsung, por violação de tecnologias patenteadas do iPhone na fabricação do Galaxy S II. Os juízes declararam que bastaria a conclusão de que a Samsung não causou danos irreparáveis à Apple no caso do Galaxy Nexus para anular a ordem judicial de primeira instância, mas que faziam questão de discutir mais um ponto: o da probabilidade de sucesso da Apple na análise do mérito. Justificaram a decisão dizendo que ela "é do interesse da economia judicial".

A questão gira em torno do "Quick Search Box" (QSB), que é o aplicativo de busca unificada utilizado pelo Galaxy Nexus. O QSB, relatam os juízes, é um recurso do Android, uma plataforma para desenvolvimento de softwares para dispositivos móveis, criada pela Google, de fonte aberta. Isso é, qualquer empresa desenvolvedora de softwares pode usar a plataforma Android para criar aplicativos para dispositivos móveis e qualquer fabricante de telefones inteligentes pode instalá-los. O Nexus é apenas uma entre 300 marcas de smartphones no mercado que usam o Android. E "o lançamento da versão alegadamente violadora precede o lançamento do Galaxy Nexus".

A discussão se desenvolve, a seguir, em torno de aspectos altamente técnicos, referentes a módulos heurísticos e algoritmos heurísticos. Os juízes reconhecem que a Apple apresentou uma argumentação satisfatória, mas concluíram que a decisão de primeira instância foi errada, sob esses aspectos técnicos. E que a Apple também não foi bem sucedida sob esse aspecto eminentemente técnico. Os juízes se deram ao trabalho de discutir esses aspectos do caso, possivelmente para advertir que um possível recurso da Samsung contra sua condenação em primeira instância, no caso do Galaxy S II, poderá ser bem sucedido e que, talvez, seria melhor, para a juíza Lucy Koh, anular o julgamento, antes que o tribunal de recursos o faça, segundo o articulista do site BetaNews, Joe Wilcox. Em outras palavras, os juízes minaram o caso da Apple contra o Galaxy S II.

Por outras vias, a correção do julgamento do Galaxy S II foi significativamente abalado por uma descoberta ruim para a Apple e promissora para a Samsung. Um dos membros do júri, o engenheiro Vel Hogan, de 67 anos, teria exercido um papel fundamental na condenação da Samsung e na estipulação da multa de US$ 1,05 bilhão. A Samsung praticamente baseou toda a sua defesa na argumentação de que as patentes da Apple, discutidas no caso, eram inválidas, porque as tecnologias em questão foram desenvolvidas antes da Apple registrá-las. Em certo ponto do julgamento, a juíza Lucy Koh se recusou a aceitar provas fotográficas que a Samsung queria juntar aos autos. Mas o que mais teria influenciado o júri foram os conhecimentos técnicos do engenheiro, que teria convencido os demais jurados de que a Apple estava certa e a Samsung errada.

Posteriormente, descobriu-se que Vel Hogan era um inimigo da Samsung. E que sua atuação no júri teria sido uma vingança pelo que sofreu no passado. A Samsung apresentou um pedido de anulação do julgamento ao tribunal, com base em duas alegações, informa o BetaNews: 1) Hogan deixou de revelar no processo de seleção dos jurados que havia movido procedimentos jurídicos que envolviam a Samsung; e 2) os tais procedimentos jurídicos eram contra a Seagate, na qual a Samsung detém uma grande participação acionária. Hogan acusa a Seagate de levar sua empresa à falência.

O placar das disputas entre a Apple e a Samsung não está, entretanto, em 2 a 1. Na verdade, está 2 a 2, por enquanto. No início deste mês, uma ação em que a Apple havia vencido uma demanda contra o Galaxy Tab 10.1, em um pré-julgamento para proibir a venda do produto no país, nem chegou a ter efeito. A Samsung ganhou a disputa no tribunal do júri. 

União do Vegetal
O caso mencionado pelos juízes do tribunal de recursos — Gonzalez versus Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (UDV) — foi um confronto, avaliado pela Suprema Corte dos EUA, entre o direito de liberdade, previsto na Constituição, e a repressão a substâncias alucinógenas. Ganhou a liberdade de religião. A UDV, segundo a Wikipédia, é uma sociedade religiosa, fundada em 22 de julho de 1961 por José Gabriel da Costa, conhecido como "Mestre Gabriel". O Centro tem mais de 15 mil sócios, distribuídos em 160 unidades no Brasil e no exterior — uma delas está no estado de Novo México, nos EUA, e, à época, tinha 130 adeptos. 

Em suas sessões, os associados bebem o chá de Hoasca — ou ayahuasca — para assegurar a concentração mental. O uso do Hoasca foi regulamentado no Brasil em 2010. Nos EUA, sempre foi considerada uma substância alucinógena e, portanto, incluída entre as substâncias de uso proibido. Em 1999, as autoridades alfandegárias dos EUA apreenderam uma carga de 30 galões de Hoasca, importada pela UDV. O Centro, com o apoio do herdeiro da Seagram, Jeffrey Bronfman, processou o governo dos Estados Unidos para forçar a liberação da carga e garantir a normalidade de futuras importações. Um tribunal federal em Novo México concedeu uma liminar à UDV, com base na Lei de Restauração das Liberdades Religiosas e no direito constitucional, porque o que estava em discussão era o uso de um "chá sacramental", para efeito estritamente religioso. O caso percorreu todas as instâncias da Justiça americana e, finalmente, o presidente da Suprema Corte, John Roberts, relatou a decisão unânime dos ministros em favor da UDV.

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