AP 470

MP não provou envolvimento de Dirceu, decide revisor

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4 de outubro de 2012, 17h45

A acusação do Ministério Público contra o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu na Ação Penal 470, o processo do mensalão, "é deduzida a partir de meras ilações e conjecturas". Dirceu pode até ter liderado o esquema de compra de apoio político no Congresso Nacional, como afirma o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, mas o Ministério Público não conseguiu provar isso.

Esse foi o entendimento do ministro Ricardo Lewandowski, que votou pela absolvição do ministro-chefe da Casa Civil do primeiro mandato de Lula em relação à acusação de corrupção ativa nesta quinta-feira (4/10), na 32ª sessão de julgamento do processo do mensalão. De acordo com o revisor, apenas o ex-deputado Roberto Jefferson testemunhou contra Dirceu. E, pelo fato de ele ser corréu na ação, seu testemunho não tem a mesma força de provas documentais ou testemunhais de pessoas que não são acusadas.

O ministro ainda afirmou que as provas produzidas pela defesa, "torrenciais e avassaladoras", desmontam a tese desenhada pela denúncia do Ministério Público, de que Dirceu seria o chefe do esquema de compra de apoio político no Congresso Nacional no começo do primeiro mandato do governo Lula. Lewandowski voltou a dizer que a denúncia peca pela "vagueza e dubiedade" e é "de uma atecnia gritante".

A exemplo do que afirmou na quarta-feira (3/10), quando absolveu o ex-presidente do PT José Genoíno, o ministro culpou o MP pela absolvição de Dirceu, já que não foram produzidas provas contra o réu.

“Repudio o que alguns especialistas estão chamando de Direito Penal do inimigo”, disse Lewandowski, que afirmou ainda amparar sua conclusão nos “cânones formais” e no “paradigma ortodoxo” do Direito Penal que “coloca o ônus da prova exclusivamente sob o acusador”.

O ministro ainda afirmou que, no caso de Dirceu, "não há prova formal, como daquelas produzidas por quebra de sigilio telefônico, […] não há sequer prova pericial. O que existe são testemunhos, alguns prestados durante a Comissão Parlamentar de Inquérito, alguns na Polícia Federal, muitos deles, senão a maioria, desmentidos diante de um magistrado togado”, disse o revisor. “Tudo aqui se baseia em ‘ouvi dizer’, em  ilações, em reuniões em que supostamente ele [Dirceu] teria participado”.

O ministro citou depoimentos que desvinculam o ex-chefe da Casa Civil das acusações. “Muitos são testemunhos das mais altas autoridades da República”, disse. Lewandowski fez referência ao depoimento do presidente do PTB Roberto Jefferson, que foiu desmentido pelo próprio político, quando estava a depor em juízo.

Ricardo Lewandowski criticou ainda o fato de que a despeito do longo período de instrução processual, ainda assim inexistam provas mais robustas contra o réu.

“Mesmo após vasta intrução probatória, o Ministério Público limitou-se a potencilaizar o fato de José Dirceu exercer a chefia da Casa Civil para imputar-lhe certos crimes sem se dar o trabalho  de descrever as condutas”, afirmou. “O parquet se baseou em depoimentos contraditórios, criando figurino genérico na qual pudesse se enquadrar qualquer personagem que ocupasse um alto cargo no Planalto”, criticou.

Para o o ministro, os cinco fatos que caracterizariam os crimes imputados a José Dirceu, enumerados pelo Procurador-Geral da República, não só não foram provados como também  foram desmentidos. Entre eles, as afirmações de que Dirceu teria concedido vantagens indevidas à diretoria do Banco de Minas (BMG). Lewandowski disse que aquelas acusações foram abandonadas pelo próprio MP nas alegações finais.

Da mesma forma, a denúncia sobre o papel de Dirceu ao interferir a favor da omissão dos orgãos de fiscalização contra lavagem, o revisor afirmou que aquela parte da denúncia foi deixada de lado pelo parquet nas alegações finais.

O ministro Marco Aurélio questionou o revisor sobre se o empréstimo de R$ 3 milhões concedido em favor de Dirceu teve, de fato, como avalista Marco Valério. Lewandowski afirmou desconhecer aquela informação. O presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, confirmou, então, que Marcos Valério serviu de avalista e que, na renovação do empréstimo, coube a José Genoino fazê-lo. Marco Aurélio voltou a questionar se o fato não contrariava a versão da defesa de José Dirceu, que afirma que o réu não tinha contato próximo com Marcos Valério. O revisor novamente apelou então para a falta de provas a despeito das especulações que pudessem ser feita.

Teoria desvirtuada
Lewandowski surpreendeu aos colegas ao questionar até mesmo a veracidade das acusações de compra de voto. “Não há uma testemunha que sustente a compra de votos ou a existência de rumores acerca deles no Parlamento”, disse o revisor. “Causa espécie a ausência de acareações entre os réus como faculta a lei penal”, criticou o revisor.

As manifestações de Lewandowski provocaram reações dos ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello. Gilmar Mendes perguntou se o fato de o colega condenar alguns dos réus por corrupção passiva e votar pela condenação de Delúbio Soares como corruptor ativo e agora questionar o esquema de compra de votos não seria uma contradição em seu pensamento.

Lewandowski afirmou que apenas acatara o entendimento do Plenário de que não é necessário se comprovar o ato de ofício para  se condenar por crimes de corrupção. O ministro Gilmar Mendes negou que este tenha sido o entendimento do colegiado, afirmando que os atos de ofício foram, sim, verificados pela corte.

“São atos de ofício potenciais”, disse Lewandowski. Ao que o ministro Celso de Mello interferiu:  “O  Ministério Público os apontou de modo específico na peça acusatória, referentes, de um lado, à reforma tributária e, de outro, à previdenciária”, disse Mello.

“O fato de o Ministério Público apontá-los não me impressiona, ministro, tem de provar”, respondeu Lewandowski. “Não estou falando de provas, estou falando de configuração típica. E o MP indicou que todo esse comportamento se realizou no contexto  de, pelo menos, duas grandes reformas”, insistiu o decano do STF.

Lewandowski afirmou também que se o STF decidir que houve fraude na aprovação das reformas tributária e previdenciária será preciso encarar “a questão da nulidade”.

“Veja que é uma afirmativa com consequências seríssimas”, disse o revisor. “São reformas que implicam na aprovação de emendas na Constituição, e não se indica o nome de um senador sequer, de uma liderança no Senado que tenha sido comprada. Interessante, compra-se a Câmara, mas não se compra o Senado”, questionou o ministro revisor. 

O clima voltou a ficar tenso quando o revisor criticou a aplicação da Teoria do Domínio Final do Fato no julgamento da Ação Penal 470. Ricardo Lewandowski citou artigo do procurador de Justiça no Rio Grande do Sul Lenio Streck na revista Consultor Jurídico  sobre os riscos de exagero na aplicação da teoria. Lewandowski mencionou ainda uma conferência feita pelo próprio jurista alemão Claus Roxin, um dos renovadores dessa vertente teórica, em que este manifestara “preocupação com a extensão que juristas e cortes supremas de todo o mundo estão dando para a teoria ao aplicá-la no julgamento de crimes econômicos e ambientais”.

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