Acusações desconhecidas

PAD não precisa de descrição minuciosa

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3 de outubro de 2012, 10h52

A portaria de instauração de processo administrativo-disciplinar (PAD) não precisa conter minuciosa descrição dos fatos imputados. Somente na fase seguinte, com o termo de indiciamento, é que será necessário especificar, detalhadamente, essa descrição e apuração. Com este entendimento, firme na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, manteve a validade de um Inquérito Administrativo instaurado contra o inspetor-chefe da Receita Federal em Porto Xavier (RS), na divisa com a Argentina.

A desembargadora federal Maria Lúcia Luz Leiria, que desempatou a questão, não viu ilegalidade ou abuso contra os direitos do servidor, que ajuizou Mandado de Segurança contra a União para anular o Inquérito. Afirmou que em nenhum momento houve dificuldade para o exercício da ampla defesa do autor, que teve total ciência dos fatos que lhe foram imputados ao ser devidamente notificado.

"Veja-se que, inicialmente, foi instaurada uma sindicância para apuração dos fatos, tendo o relatório desta sindicância, após oitiva de vários depoimentos, concluído que seria necessária a instauração de procedimento administrativo-disciplinar, tendo em vista a gravidade dos fatos", justificou. O relatório da sindicância aponta indícios de que o chefe da Inspetoria orientou os seus subordinados para atender aos interesses da Associação dos Importadores, Exportadores, Despachantes Aduaneiros e Transportistas (Assimpex), de Porto Xavier.

Quanto à alegação de que teria sido notificado erroneamente como acusado, Maria Lúcia, igualmente, não viu qualquer mácula no procedimento disciplinar. É que a própria Lei 8.112/1990 prevê tal denominação, em seu artigo 143: "A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa".

Logo, concluiu, a utilização do termo que a própria lei prevê de forma alguma caracteriza prejulgamento da comissão disciplinar. Acompanhou o voto da desembargadora Maria Lúcia o juiz federal convocado Nicolau Konkel Júnior, em julgamento realizado dia 1º. de agosto.

Até os nazistas respeitavam a lei, disse advogado
O autor sustentou em juízo que, depois de ser informado da instauração do PAD, foi chamado a acompanhar seus desdobramentos na condição de acusado. No entanto, o documento, alegou, não trouxe os fatos que estão sendo imputados, nem os dispositivos legais ou regulamentares que foram infringidos por sua conduta.

Sustentou que o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, lhe dá esta garantia. Diz o dispositivo: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes". Assim, disse não poder se defender sem saber do que é acusado.

Para a defesa, na falta do fundamento legal, "a perseguição a um suposto faltoso fica reduzida à pior acepção registrada pelos dicionários: tratamento injusto e cruel infligido com encarniçamento".

Num reforço histórico-documental de sua tese, disse que a lei era regiamente respeitada até nos tribunais da Alemanha nazista (1933-1945). "(Louis) Begley, na biografia de (Franz) Kafka, sublinha essa horrorosa ironia: os nazistas nunca desrespeitaram a lei. Nunca seria possível invocar uma preliminar de desrespeito àquelas leis imundas. Em Nüremberg, foi preciso que um dos réus, o Dr. Ernst Janning (Burt Lancaster, magnífico), que era o pior de todos os criminosos, dissesse que a Lei era criminosa e que todos os réus ali presentes eram criminosos pela cumplicidade com as leis imundas."

O procurador insistiu que não era necessário expor todos os fatos que justificam a instauração do Inquérito de forma minuciosa, mas sim que eles sejam minimamente referidos. É preciso apontar as irregularidades ou condutas suspeitas que teriam sido praticadas ou seriam imputadas ao servidor, bem como os respectivos atos legais ou regulamentares que teriam sido infringidos.

Atropelos constitucionais
O relator da Apelação Cível, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, acolheu a tese do autor, embora tenha ficado vencido no colegiado. Lembrou que a administração pública submete-se ao artigo 37 da Constituição Federal, que não lhe permite a prática de atos administrativos que violem a letra da lei ou o espírito da Carta. Segundo registrou no acórdão, a portaria que inaugurou o processo administrativo não descreveu os fatos de maneira a permitir ampla defesa ao servidor, comprometendo a garantia do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. É, por consequência, nulo o processo disciplinar, argumentou.

Ademais, conforme o relator, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está baseada no sentido de que, sendo inconstitucional, a regra jurídica é nula, não produzindo qualquer efeito jurídico. Lenz tomou como referência, por fim, um recurso julgado pelo ministro Sepúlveda Pertence: "È nulo o processo administrativo disciplinar que omitir a substância de fato das acusações na portaria de sua instauração".

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