Condições de trabalho

A integração de catadores na gestão de resíduos sólidos

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3 de outubro de 2012, 15h27

Escrever sobre resíduos sólidos é tocar em dois dos principais problemas globais: saúde e meio ambiente. Os resíduos sólidos, quando indevidamente dispostos, compõem grande parte da carga poluidora que afeta praticamente todos os recursos ambientais, como água, ar, solo e florestas. Dessa forma, caracterizam-se como um problema de difícil solução, em função da variedade de impactos negativos ambientais, socioculturais, econômicos, legais e de saúde pública decorrentes de sua disposição final.

Estes impactos, associados a um aumento significativo da taxa de geração de resíduos, elevam a necessidade de controle da produção e disposição de resíduos, visando garantir a qualidade do meio ambiente.

O problema não é novo. A produção de lixo pelo homem é inerente à sua existência, mas a conscientização sobre os impactos de sua geração, destinação e disposição final constitui uma evolução recente.

Segundo Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda que o quadro do destino final dos resíduos sólidos no país tenha tido uma mudança significativa nos últimos 20 anos, os vazadouros a céu aberto, conhecidos como “lixões”, ainda são a alternativa para a disposição final dos resíduos sólidos em 50,8% dos municípios brasileiros. A gestão de resíduos sólidos apresenta, assim, indicadores que revelam um baixo desempenho dos serviços de coleta e, principalmente, da disposição final do lixo urbano[1].

Diante desse cenário, proliferaram leis locais esparsas, conferindo tratamento isolado e por vezes ineficaz para a resolução dos problemas enfrentados com a destinação inadequada dos resíduos sólidos. Somente com a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei Federal 12.305, de 2 de agosto de 2010 e de seu Decreto Regulamentador (Decreto Federal 7.404, de 23 de dezembro de 2010) surgiu um marco regulatório amplo e homogêneo para todo o território nacional.

A lei que estabelece a PNRS possui como principal objetivo a uniformização dos princípios e linhas gerais da gestão dos resíduos sólidos em todo o território nacional. A PNRS também busca atribuir viés social à reciclagem com a participação dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis e prevê, dentre outras medidas, a prioridade nas aquisições e contratações feitas pelo governo às empresas que promoverem a integração dos catadores.

Dentre os instrumentos de implementação da PNRS encontra-se a criação e o apoio a cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis com linhas especiais de financiamento público.

Ademais, a implantação de coleta seletiva com a participação dos catadores está prevista como prioridade para a implantação dos planos de resíduos sólidos municipais e estaduais que, consoante a PNRS, devem apresentar diagnóstico da situação do lixo e das metas para redução e reciclagem, além de dar um fim aos lixões.

As políticas públicas voltadas aos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis deverão observar: (i) a dispensa de licitação para a contratação; (ii) o estímulo à capacitação e ao fortalecimento institucional de cooperativas, bem como à pesquisa voltada para a sua integração nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; e, (iii) a melhoria das condições de trabalho dos catadores.

Para o atendimento ao disposto nos itens (ii) e (iii), poderão ser celebrados contratos, convênios ou outros instrumentos de colaboração com pessoas jurídicas de direito público ou privado, que atuem na criação e no desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.

Mediante tais ações, a PNRS estabelece, como um de seus objetivos, a integração dos catadores nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos[2], ou seja, no conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, a fim de minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos.

O modelo de gestão de gerenciamento de resíduos sólidos trazido pela PNRS promete gerar melhores resultados em termos de desenvolvimento das atividades de saneamento básico no Brasil, garantindo um serviço de maior qualidade e a inclusão social dos catadores.

No entanto, muito embora as inovações trazidas pela PNRS configurem um marco para a garantia de incentivos, bem como um caminho para a inclusão efetiva dos catadores de materiais recicláveis no sistema de gerenciamento de resíduos sólidos, passados mais de dois anos da publicação da PNRS, a participação dos catadores na atividade de coleta seletiva ainda é tema polêmico.

O envolvimento dos catadores nos mecanismos da PNRS como alternativa para inclusão social e possibilidade de capacitação e formalização da mão-de-obra gera questionamentos técnicos e éticos.

Em relação aos aspectos técnicos, discute-se o despreparo de catadores para a coleta de resíduos perigosos, que demanda experiência e cuidados especiais, a distribuição do ônus de promover a capacitação dos catadores, incluindo os custos a ela inerentes, e os riscos de exposição à responsabilidade trabalhista pela contratação ou apoio às cooperativas.

Quanto às questões éticas, deve-se questionar se as medidas de apoio e desenvolvimento de associações e cooperativas não servirá de estímulo para atrair ainda mais pessoas a uma atividade vinculada a diversos problemas sociais (como a informalidade, falta de condições higiênicas no meio ambiente de trabalho, contato direto com materiais contaminados, entre outros).

Assim, é preciso ponderar o uso dos serviços de catadores em diversas situações para evitar que se gere o efeito oposto ao pretendido, mantendo pessoas em situações degradantes de trabalho. A melhoria na gestão dos resíduos não deve significar a perpetuação das difíceis condições de vida a que se submetem muitos dos catadores muito menos um estímulo ao subdesenvolvimento.

Como reflexo de todas essas preocupações, acordos e Termos de Compromissos voltados à implementação da logística reversa mediante a contribuição de catadores têm se concentrado, sobretudo, em resíduos não perigosos, como embalagens de bebidas e produtos de higiene pessoal, perfumaria, cosméticos, limpeza e afins. Os incentivos têm se pautando, em geral, na implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores e não diretamente na capacitação de catadores. Propostas seguindo essa linha têm priorizado as cidades sede da Copa do Mundo de 2014.

O grande desafio para efetiva inclusão dos catadores nos programas de coleta seletiva e de logística reversa será a superação dos obstáculos acima indicados, definindo-se, de forma, clara a atuação de cada parte e suas responsabilidades, de forma a mitigar os riscos de exposição dos envolvidos.


[1] PNSB 2008: Abastecimento de água chega a 99,4% dos municípios, coleta de lixo a 100%, e rede de esgoto a 55,2%. In http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias, acesso feito em outubro de 2012.

[2] Por ciclo de vida dos produtos, entende-se uma série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a sua disposição final. 

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