Debate democrático

Um Código de Processo Civil com DNA democrático

Autores

  • Luiz Rodrigues Wambier

    é advogado com atuação no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal sócio do escritório Wambier Yamasaki Bevervanço & Lobo Advogados e professor no programa de mestrado e doutorado em Direito do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

  • Luiz Manoel Gomes Junior

    é advogado doutor e mestre em Direito pela PUC-SP professor nos programas de doutorado e mestrado em Direito da Universidade de Itaúna (UIT-MG) de mestrado da Universidade Paranaense (Unipar) dos cursos de pós-graduação da PUC-SP e da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso (Fesmp-MT).

2 de outubro de 2012, 8h07

Desde que o Brasil existe (como Colônia de Portugal, como Império e República), apenas dois Códigos de Processo Civil (federais) foram editados: o primeiro em 1939 e o segundo, o atual, em 1973. Ambos, coincidentemente, vieram em períodos de exceção, o que significa dizer que com reduzida discussão no seio da sociedade. O projeto que ora se discute na Câmara dos Deputados é, portanto, o primeiro, no campo do direito processual civil, que passa pelo necessário e republicano crivo do debate democrático intenso. Mais de quatro dezenas de audiências públicas foram realizadas, antes e depois da redação do Anteprojeto. Antes, para colher sugestões; depois, para discutir o que havia sido proposto.

O Código de Processo Civil é, em resumo, a lei que estabelece os métodos através dos quais a sociedade se relacionará com um dos poderes do Estado, no campo das relações jurídicas de natureza civil.

Evidentemente, e nem poderia ser diferente, que a aprovação de um projeto de lei voltado à construção de um Código com essa relevância e abrangência, merece ser precedida por ampla reflexão e intenso debate. Diferenças conceituais, fruto da filiação a uma ou a outra corrente de pensamento, faz com que, apresentado determinado projeto, críticas ocorram, até mesmo com o intuito de contribuir para o aperfeiçoamento da proposta original.

Desde que veio a lume o Anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas para tanto designada pelo Senado, muitas têm sido as críticas, de todos os matizes. A mais contundente é a que afirma que, se aprovado tal projeto, haverá significativo aumento do poder dos juízes. Trata-se de crítica equivocada, basicamente porque todos os poderes outorgados aos juízes já são nossos velhos conhecidos, eis que já fazem parte de nossa tradição e de nossa lei processual. Além dessa crítica, genérica, há outras, pontuais.

Decidimos escrever este singelo artigo rebatendo, uma a uma, as principais críticas que vêm sendo formuladas ao Projeto.

A primeira crítica pontual afirma que o juiz brasileiro poderá tudo decidir em matéria de produção de provas, sem que dessas decisões caiba qualquer recurso. E os críticos exemplificam, dizendo que se, por exemplo, o juiz não admitir uma prova pericial, ou a juntada de um documento ou a oitiva de uma testemunha, nada poderá a parte que se julgue prejudicada fazer para reverter tal decisão de imediato.

Mas é exatamente assim que as coisas funcionam, hoje, com o velho CPC de 1973. O artigo 522 somente admite recurso com processamento imediato (agravo de instrumento) em situações de urgência ou se a decisão final for inútil. Não haverá qualquer inovação. Trata-se de uma opção política desde 2005.

A segunda crítica pontual sugere que os juízes poderão conceder medidas antecipatórias com grande facilidade, apenas à vista de um bom documento apresentado pelo autor da demanda.

Ora, de novo, com o perdão do trocadilho, nada de novo. A situação é assim no atual Código de Processo Civil. Os artigos 273 e 461 autorizam ao juiz deferir liminares de imediato, atendidos certos requisitos e apenas com a versão do autor. Aliás, a Lei da Ação Popular que é de 1965 já permite este tipo de decisão.

A terceira crítica diz que o juiz brasileiro, se aprovado esse projeto, poderá determinar a penhora de bens, móveis ou imóveis, assim como efetuar penhora em valores que a parte tenha depositado em suas contas bancárias ou em aplicações financeiras, sem critérios estabelecidos precisamente pela lei. Alguns dos críticos do projeto sustentam que medidas de caráter cautelar poderão ser concedidas, exclusivamente segundo a vontade do magistrado.

Errado! Não se trata da vontade do magistrado, mas sim da inexorabilidade de concessão de tais medidas, se atendidos os requisitos legais para tanto. Novamente tais decisões já são autorizadas pelo atual Código de Processo Civil (artigos 813 e 822, por exemplo) e, nestes casos, haverá possibilidade de imediato recurso aos tribunais. Aliás, a execução das medidas judiciais com agilidade é o que se busca em qualquer sistema jurídico, o atual ou o projetado.

A quarta crítica consiste na afirmação segundo a qual os juízes poderão decidir com base em princípios abstratos, como o da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, facilitando, segundo se afirma certo subjetivismo judicial, o que levaria a desconsiderar normas legais e contratos, gerando insegurança jurídica.

Mas é exatamente este tipo de fundamentação — proteção à dignidade da pessoa humana e a necessidade de se buscar o equilíbrio de valores em jogo, por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, por exemplo, que respalda um sem número de decisões judiciais atuais do Supremo Tribunal Federal (STF – HC 97.976-MG, relator ministro Celso de Mello, j. 09.03.2009 – decisão monocrática e STF – ADIn 3.783/RO – relator ministro Gilmar Mendes, j. 17.03.2011, DJe 06.06.2011).

Nosso sistema normativo, nas últimas três décadas, pelo menos, adotou expressamente um novo método de legislar, consistente em criar regras abertas, que permitem que o regime de leis acompanhe a evolução da sociedade, exatamente como fez a Magna Carta inglesa, de 1215 e a Constituição dos Estados Unidos da América.

A quinta crítica informa que as sentenças serão executadas de imediato, sem que ocorra, antes, sua confirmação pelo tribunal, significando, conforme os críticos, o fim do direito ao duplo grau de jurisdição, isto é, do direito de obter a confirmação, ou não, dessa decisão, por um órgão judicial colegiado hierarquicamente superior ao juiz que as tenha proferido. Além do mais, dizem os críticos, a execução imediata da sentença fará com que diminuam as possibilidades de “conserto” de decisões injustas. Aliás, é o sistema da Justiça do Trabalho.

A crítica parte da premissa de que todas as decisões judiciais estariam erradas. Se não for esta a premissa, qual a lógica em que a espera, o fator tempo, seja suportado por aquele que tem uma decisão judicial que lhe deu razão?

Aqui há sim uma grande e esperada inovação, qual seja, o tempo e seus efeitos negativos devem ser suportados por aquele que, ao menos aparentemente não tem razão. Claro que pode haver reforma da decisão, mas o sistema terá meios de impedir danos irreversíveis.

O debate, dissemos ao início, é necessário, saudável e democrático. As críticas formam uma base de reflexão necessária, desde que sejam verdadeiras e que derivem de uma correta leitura do projeto.

O papel dos estudiosos deve ser o de sugerir alterações capazes de melhorar o projeto, tendo em vista, sempre, a grande aspiração de todos, que é a de se obter um processo justo, efetivo e eficaz. E que os postulados constitucionais sejam respeitados por todos, inclusive pelo legislador processual.

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