Justiça Tributária

No Brasil, até quem não deve tributos deve temer

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

1 de outubro de 2012, 9h50

Spacca
Dizia-se antigamente que nada deve temer aquele que nada deve. Mas recentemente um cidadão viu que toda a disponibilidade de sua conta bancária desapareceu de repente por conta de uma ordem judicial. O Poder Judiciário apoderou-se de tudo o que ele tinha para pagar suas contas do mês, a pretexto de que ele era responsável pela dívida de uma empresa da qual fora sócio em passado remoto, há mais de dez anos! De fato, a vítima teve pequena participação societária numa empresa há cerca de quinze anos, dela tendo se desligado há mais de 10. Vários anos depois de sua saída a empresa teve sua falência decretada.

Acontece que existe uma execução fiscal de Imposto de Renda contra a massa falida. Os fatos geradores são posteriores à saída da pessoa aqui denominada vítima. E como não encontraram bens dos devedores (os sócios que faliram com a empresa), expediu-se ordem judicial para bloqueio imediato de valores do ex-sócio, que simplesmente não tem nada a ver com a história!

Aliás, vem se tornando cada vez mais frequentes erros no sistema de bloqueio de ativos financeiros, com prejuízos para muitas pessoas. Fica a impressão que falta um controle mais preciso desse mecanismo ou quem sabe o serviço esteja sendo delegado a pessoas não habilitadas ou que não receberam adequado treinamento.

Ainda recentemente um contribuinte recebeu notificação de que está prestes a ter seu nome inscrito no Cadin (Cadastro de Inadimplentes) ante a falta de pagamento do IPVA de dois veículos que foram dele um dia. O mais antigo desses automóveis foi objeto de roubo em 1992. Como já se passaram mais de cinco anos, o contribuinte não tem mais a documentação relativa ao caso, embora tenha sido indenizado pela companhia de seguros. Não existe razão para que alguém mantenha em seu arquivo documentos de um carro roubado há mais de 20 anos. O outro carro foi vendido e, felizmente, o contribuinte obteve documento de que ele está em Santa Catarina. Como se sabe, os registros do Detran estão sujeitos a erros.

Mas o que causa espanto é o fato de que a Secretaria da Fazenda do Estado está cobrando IPVA prescrito há muitos anos. Ora, se o Estado cobra imposto prescrito, está cometendo o crime de excesso de exação, já que o tributo não é mais devido. E obviamente o servidor público conhece a lei.

Outra questão que devemos ter em mente como possível causadora de prejuízo ao contribuinte , relaciona-se com a possibilidade de protesto extrajudicial das CDAs (certidões de dívida ativa), que representam supostos créditos do poder público.

Em 25/09/2012 foi noticiada aqui a decisão da Justiça Federal declarando ser nula portaria interministerial que permite esse protesto. No caso, o Judiciário foi acionado pelo Conselho Federal da OAB , sustentando que o protesto é desnecessário já que as CDAs gozam da presunção de liquidez e certeza. Sustentou ainda a OAB que pelo protesto “as autoridades fazendárias querem compelir os contribuintes a realizar o pagamento do crédito tributário sem as garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, o que demonstra clara pretensão de cobrança indireta de tributo”.

A CDA é título de crédito que serve de instrumento para mover a execução fiscal, que por si só autoriza penhora de bens ou mesmo bloqueio de ativos financeiros. Assim, eventual protesto serve apenas para constranger o contribuinte, causando-lhe problema desnecessário e dificultando-lhe o exercício de suas atividades.

Infelizmente também são comuns CDAs referirem-se a débitos prescritos, ou seja, débitos que não existem mais porque foram extintos pelo decurso de prazo. Assim, poderia ser protestado aquele que nada deve. Vemos, portanto, que muitas pessoas podem ser executadas, cobradas, processadas, protestadas, negativadas no Cadin ou sofrerem qualquer prejuízo ou constrangimento sem que efetivamente devam alguma coisa ao poder público.

Para que o contribuinte consiga reverter o prejuízo, cancelando as anotações, limpando o seu nome como ainda se diz, isso implicará em despesas, custos, aborrecimentos e desgastes que não são corretamente corrigidos ou anulados.

Exatamente por isso causa-nos estranheza que haja colegas advogados que admitem como normais esses desvios. A questão é simples: estamos num estado democrático de direito e qualquer medida que implique em desobediência aos princípios previstos na Constituição (ampla defesa, presunção de inocência, contraditório, legalidade, etc.) não pode ser tolerada.

Afinal, não podemos conviver com o temor permanente de sermos vítimas de um erro sério, que nos prejudique, apenas porque um burocrata qualquer cometeu um erro desnecessário e inútil, que se origina apenas da maldade humana. Afinal, uma CDA protestada é mais CDA que as outras? Colocar o nome de alguém no Cadin serve para quê? Ao que parece apenas para prejudicar uma pessoa. Isso tudo é coisa de governo medíocre.

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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