PLP 205/2012

Projeto de lei tenta esvaziar espaço público da AGU

Autores

  • Heráclio Mendes de Camargo Neto

    é presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz)

  • Allan Titonelli Nunes

    é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE-RJ mestre em Administração Pública pela FGV especialista em Direito Tributário ex-presidente do Forum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

28 de novembro de 2012, 16h15

Em setembro, o governo federal enviou ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar, PLP 205/2012, que altera a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, LC 73/93. Impossível não relacionarmos esse ato com as denúncias relativas à Operação Porto Seguro, pois o que está em jogo nessa queda de braços entre os gestores transitórios da AGU e os Advogados Públicos Federais é o enfraquecimento ou fortalecimento da advocacia de Estado em face de uma advocacia de governo sujeita a ingerências políticas anti-republicanas. 

Assim, a nova Lei Orgânica da AGU deveria resguardar as atribuições constitucionais da Advocacia-Geral da União, função essencial à Justiça, órgão técnico responsável pelo controle da legalidade e constitucionalidade dos atos administrativos, pela prestação de consultoria ao Estado e pela defesa do patrimônio público.

Entretanto, logo no artigo 2º-A, o projeto de lei infringe o princípio constitucional do concurso público, transformando em membros da Advocacia-Geral da União os meros detentores de cargos de natureza especial e em comissão de conteúdo eminentemente jurídico. O dispositivo permite a nomeação de pessoas sem qualquer vínculo com a instituição para ocuparem altos cargos de chefia à revelia da Constituição Federal e dos princípios da moralidade, da impessoalidade e do concurso público.

O teratológico artigo representa um atentado ao Estado Democrático de Direito, reinaugurado em 1988, quando a Constituição eliminou do convívio da AGU e do serviço público o compadrio e o clientelismo, que envolviam as nomeações políticas sem critérios técnicos e sem o filtro da isonomia de oportunidades e da eficiência administrativa resguardadas pelo concurso público.

O disposto no artigo 58 do projeto abre as portas para a advocacia sem advogados, ao permitir que meros bacharéis em Direito, sem inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e sem concurso público, ocupem os cargos na AGU, que devem ser exclusivos, conforme determina a Carta Magna.

E, se já é difícil, conquanto indispensável, o controle da probidade no serviço publico, imaginemos como será trabalhoso o controle de consultores privados sem qualquer vínculo ou compromisso com o Estado brasileiro.

O projeto de lei também engendra a hierarquização excessiva, que viola a independência técnica do advogado público, resguardada pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, tornando engessada a atuação dos advogados públicos federais. Cita-se como exemplo o conteúdo dos parágrafos 5º e 6º do artigo 26, que possibilitam a punição por “erro grosseiro”, consistente na subjetiva, amorfa e antijurídica “inobservância das hierarquias técnica e administrativa fixadas na lei complementar, no regimento interno da Advocacia-Geral da União e nas disposições normativas complementares dos órgãos da Advocacia-Geral da União”, demonstrando uma clara tentativa imposição do entendimento pessoal do superior hierárquico imediato. Noutras palavras: mero ato normativo infralegal pode, em tese, vincular e, por fim, apenar a atuação dos advogados públicos, em detrimento da Constituição Federal e das Leis.

Nesse sentido, os advogados públicos federais já se submetem aos pareceres vinculantes da AGU e à hierarquia inerente ao serviço público federal. Todavia, a previsão abre a possibilidade de perseguição funcional, uma vez que filigranas administrativas subjetivas podem ser utilizadas para tentar inibir uma atuação impessoal e pública, além de cercear a independência técnica do advogado público para dizer o Direito.

Da mesma forma, o artigo 4º, XXII, do projeto concede ao Advogado-Geral da União o poder de suspender, com prazo determinado, a exigibilidade de créditos tributários e não-tributários no curso de processo de conciliação. Esse dispositivo de natureza eminentemente tributária é subliminarmente plantado num projeto de lei orgânica da Advocacia Pública Federal, sem qualquer relação com o objeto legislativo, criando uma situação esdrúxula de suspensão da exigibilidade do crédito tributário sem similitude no Código Tributário Nacional, o qual pode ser utilizado como instrumento político nefasto, em detrimento dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade.

Assim, é clara a tentativa de esvaziamento do espaço público da AGU na proposta, constatada em face do desproporcional alargamento da discricionariedade conferida às competências do Advogado-Geral da União e na possibilidade de privatização das consultorias jurídicas dos ministérios de Estado.

Portanto, sob nosso Estado de Direito e sob a custódia da opinião pública, ao apreciar o mérito do PLP 205/2012, o Parlamento brasileiro deve preferir a Constituição Federal à vontade do governante de plantão, salvaguardando a sociedade brasileira daqueles que buscam tratar a coisa pública como se sua fosse.

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