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MPE é legítimo para atuar em cortes superiores

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27 de novembro de 2012, 20h55

Com o advento da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988, tem sido voz corrente que o Ministério Público foi uma das instituições que mais se fortaleceu, recebendo do constituinte uma variada gama de atribuições, poderes e ferramentas para viabilizá-las, sendo alçado à condição de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, com a missão primária de tutelar a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, artigo 127).

Cometendo-lhe tantas responsabilidades, para bem desincumbi-las, o constituinte originário conferiu aos seus membros as mesmas garantias asseguradas aos membros da magistratura, estabelecendo, antes disso, que a instituição se orienta pelos princípios da unidade, indivisibilidade e a independência funcional, além de ser depositária de autonomia administrativa e financeira (CF, artigo 128, parágrafo 5º).

A Carta Magna definiu a sua abrangência, afirmando que se divide em Ministério Público da União e dos Estados (CF, artigo 128), aquele se classificando em Ministério Público Federal, do Trabalho, Militar, do Distrito Federal e Territórios. Arrolou as suas funções institucionais no artigo 129, entre elas, a titularidade e primazia no exercício da Aão Penal Pública, promoção do inquérito e Ação Civil Pública (para a defesa do patrimônio público e social, meio ambiente, criança e adolescente, idoso, populações indígenas, saúde, educação, consumidor, etc.), Ação de Inconstitucionalidade, representação para fins de intervenção da União e dos estados, controle externo da atividade policial, a requisição para se instaurar inquérito policial, etc. 

Para a plenitude na defesa de temas tão caros à sociedade é que se facultou ao Ministério Público as ferramentas processuais consideradas indispensáveis para este desiderato.

Sendo assim, teria o constituinte pretendido, em algum momento, criar obstáculos ou uma espécie de corrida de revezamento, como numa maratona esportiva, entre o Ministério Público dos estados e o da União, sob o risco de prejuízo ou insucesso da tutela?

Recurso Especial e Reclamação
Esgotadas as vias recursais ordinárias, se a decisão contrariar ou negar vigência a tratado ou lei federal; validar ato de governo refratário à lei federal, ou quando der a esta interpretação em desacordo com a que lhe conferiu outro tribunal será passível de impugnação pela via extraordinária, mediante recurso especial dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, conforme preconiza o artigo 105, III, alíneas “a”, “b” e “c”, da Constituição Federal, ao qual compete dizer a última palavra sobre o exato sentido, alcance e vontade do texto de lei federal, sendo, portanto, o seu guardião.

Se o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Lei Maior, ao Superior Tribunal de Justiça foi cometida a missão de manter a autoridade da lei federal e, para isso, terá que decifrar o seu conteúdo, o que se costuma definir como interpretação e consiste em revelar o pensamento que anima suas palavras, no dizer de Clóvis Beviláqua[1] ou atribuir-lhe um significado e alcance.

O recurso especial não é o único instrumento de controle das decisões proferidas nas instâncias ordinárias, havendo, ainda, a Reclamação Constitucional.

Conquanto esta não seja classificada como recurso, sua natureza jurídica é de uma ação autônoma de impugnação objetivando, no âmbito do STJ, preservar sua competência ou garantir a autoridade das suas decisões (CF. art. 105, f).

Legitimidade ativa do Ministério Público estadual e interesse específico
Não há nenhuma dúvida quanto à legitimidade do Ministério Público Estadual para interpor recurso especial perante o Tribunal de Justiça local, tendo como destinatário o STJ, nas causas que desafiaram sua intervenção na condição de parte ou custos legis, corolário do que dispõem os artigos 5º, LIV, LV e 127, caput, 129, da Constituição Federal, artigos 82, 499, parágrafo 2º, do CPC, artsigos 277 e 577, do CPP, artigo 25, III, IV, V, IX, da Lei 8.625/1993. 

Se, por um lado, a legitimidade do Ministério Público das unidades federativas para aviar o apelo extremo contra acórdãos proferidos pelas cortes de Justiça dos estados é questão pacífica e tranquila, tanto doutrinária quanto pretoriana, por outro, impugnar decisões perante o STJ ou oferecer reclamação objetivando preservar a competência e autoridade das suas decisões ainda enfrenta resistência, pelas mesmas razões ou fundamentos utilizados para recusar sua legitimidade para produzir sustentação oral nos seus recursos.

Há quem sustente que é inviável o Ministério Público dos estados atuar perante os tribunais superiores, porque o artigo 103, parágrafo 1º, da lex major estabelece que o chefe do Ministério Público Federal será ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do STF e, ainda, pelo fato de o presidente da República, quando recebeu a Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, para sanção, ter vetado o inciso IV do seu artigo 29, que tinha a seguinte redação:

Art. 29. Além das atribuições previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, compete ao Procurador-Geral de Justiça: 

[…]

IV – Ocupar a tribuna das sessões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para formular requerimentos, produzir sustentação oral ou responder às perguntas que lhe forem feitas pelos Ministros, nos casos de recursos ou de interesse específico do Ministério Público local. 

Não bastasse isso, dizem os defensores da tese recusatória, invocando o imperativo contido no artigo 37, I, da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993, que o Ministério Público Federal exercerá suas funções nas causas de competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça…e o artigo 46, do mesmo Diploma dispõe: Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência, este nada mais representa senão a regulamentação do artigo 103, parágrafo 1º, da CF, não traduzindo nenhuma novidade. Que MP se reporta a LC? Na melhor das hipóteses, o da União e somente este.

 Para vetar o dispositivo legal, o presidente entendeu que a atuação junto às referidas Cortes de Superposição seria exclusiva do Ministério Público Federal e tendo em vista o princípio federativo, somente este poderia atuar perante os tribunais federais, enquanto os Ministérios Públicos Estaduais estariam jungidos às cortes de justiça estaduais.

A propósito desse veto, invocado pela ministra Ellen Gracie no julgamento da Reclamação 7.358-SP, para rejeitar a tese da legitimidade do MP dos estados-membros de atuar no Pretório Excelso, quando indagou se a corte estaria derrubando o veto presidencial, o ministro Celso de Mello respondeu o seguinte:

O veto do Presidente da República apenas impediu que se convertesse em lei uma proposta de direito novo. Ademais, nós estamos interpretando a Constituição, e fazendo-o a partir de alguns postulados essenciais: um, de ordem estrutural, que é o princípio da Federação, e outro, de caráter orgânico, que são os postulados institucionais da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público, ambos de extração constitucional.

Sem embargo disso, o mesmo chefe da nação, três meses e oito dias após o referido veto, sancionou o artigo 37, parágrafo único, da Lei Complementar 75/1993, que consagra hipótese inversa, admitindo a possibilidade do MPF atuar nos tribunais estaduais, especialmente, para interpor recurso extraordinário contra decisões locais proferidas em sede de representação por inconstitucionalidade.

Se a premissa do princípio federativo constitui obstáculo jurídico suficiente para não se admitir a atuação do Parquet estadual, por que não se adotou a mesma linha de raciocínio, por força de outro princípio, o da simetria, para vetar a possibilidade do Parquet federal acionar a justiça estadual?

Ademais, é possível extrair do texto constitucional, quando diz que o procurador-geral da República será ouvido nas ADIs, bem como em todos os processo da competência do STF, deixa claro que essa audição se dará na qualidade ou posição de custos legis ou fiscal da lei, vale dizer na condição de órgão interveniente. No particular, não se discute a exclusividade. Decerto que a atribuição para fiscalizar é reservada de forma privativa ao Ministério Público Federal.

Certo é que não se mostra acertado afirmar, com amparo no referido dispositivo constitucional, que foi intenção do constituinte original afastar a legitimação do MP Estadual de ali postular na posição de parte, especialmente, nas matérias de sua atribuição específica consagradas pela ordem jurídica. Não tem sentido, gerando perplexidade jurídica, que um processo inaugurado na primeira instância, depois de superada todas as fases nesta e na segunda instância envolvendo as hipóteses do artigo 127, caput da CF, o Parquet dos estados-membros, como num passe de mágica, perca a legitimidade para nele prosseguir nas instâncias extraordinárias.

No particular, o decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello, por ocasião do julgamento da citada Reclamação 7.358-SP, deixou assentado: Para que se viabilizem as funções institucionais do Ministério Público dos estados-membros, impõe-se que se lhe reconheçam os meios, inclusive os de ordem processual, que legitimem a sua atuação perante qualquer instância de poder.

Não é só isso. Nem mesmo a redação do artigo 37, I, da LC 75/1993, tantas vezes citada, para atestar ou afiançar que é prerrogativa do MPF a atuação exclusiva nas Cortes Superiores teria consistência jurídica para excluir a capacidade postulatória nesses pretórios do Parquet estadual. De fato. Nessa senda, qual seria, então, o conceito ou alcance da expressão causas de competência do STF ou STJ contida no sobredito ato normativo?

O recurso especial ou extraordinário agitado pelos Ministérios Públicos Estaduais poderia ser abrangido pelo conceito de causas de competência originária dessas cortes, quando a sua gênese é das instâncias ordinárias, isto é, da Justiça local em que tais instituições têm assento funcional?

Nesse contexto, forçoso asserir que a construção teórica utilizada para negar a legitimidade do Parquet dos estados-membros parece falaciosa. Por falar em falácia, cumpre não perder de vista que ela se caracteriza como um tipo de raciocínio indevido, indutivo ou dedutivo, que até parece bem construído, porém, não segue, com rigor, as regras da lógica, servindo como exemplo, muitas vezes citado, aquele que diz: Deus é amor. O amor é cego. Stevie Wonder é cego, logo Stevie Wonder é Deus. 

Com efeito, cabe lembrar, pela pertinência, o magistério doutrinário de Hugo Nigro Mazzilli[2], expoente do Ministério Público de São Paulo, quando leciona que:

Assim como a lei acertadamente previu em casos restritos a atuação do Ministério Público Federal na justiça local, deve-se admitir a igualmente excepcional hipótese inversa, ou seja, situações em que convenha compareça o Ministério Público local diante de um tribunal federal. Afinal, seus recursos e inúmeras matérias de seu interesse institucional direto acabam desaguando nos mais altos pretórios, sendo muito proveitoso que a lei mais cedo ou mais tarde assegure essa modalidade de atuação, para quando possa ser útil um esclarecimento sobre a matéria de fato ou de direito, em adminículo das razões já oferecidas.

Não serve, igualmente, o argumento segundo o qual, admitir como legítima a atuação do MP das diversas unidades federativas no STJ, poderia significar a estadualização do Sodalício, em descompasso com a sua vocação constitucional de corte nacional e unificadora. Esse receio se afigura absolutamente superado, até porque o constituinte na eclética composição da corte deixou positivada essa hipótese, quando cogitou que parcela significativa dos seus membros virá dos Tribunais de Justiça e Ministérios Públicos Estaduais (CF, artigo 104).

Posição recente do STF e STJ
Já sustentamos, em outras ocasiões, que apesar do veto presidencial ao inciso IV do artigo 29, da Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, nada impede, antes recomenda, que o Ministério Público Estadual, nos recursos que interpuser ou responder, se reconheça a sua legitimidade para produzir sustentação oral inclusive nas cortes superiores (vide, a propósito, artigo de nossa autoria sob o título de “Sustentação Oral do Ministério Público nos Tribunais”, publicado pela Revista Prática Jurídica da Editora Consulex, Ano II — nº 21, de 31 de dezembro de 2003, páginas 58/65, e artigo “Decisões dos Juizados Especiais e controle pelos Tribunais Superiores”, publicado pelo Informativo da Revista Consulex, edição nº 17, de 23 de abril de 2012, páginas 04/11.

Os núcleos das teses defendidas se assentam na premissa de que nas Cortes de Superposição, em recurso especial ou extraordinário interposto ou respondido pelo Parquet da unidade federativa, ao ocupar a tribuna para esclarecer fatos que permeiam o processo, o faz na condição de parte, enquanto o Ministério Público Federal, por meio do Procurador-Geral ou Subprocurador-Geral da República oficia na qualidade de custos legis. Portanto, com funções distintas. Não há dúvidas, sendo inegável que perante o STF e o STJ atua como fiscal da lei apenas e tão somente o Ministério Público Federal, conforme a exegese dos artigos 103, parágrafo 1º da Carta Política e artigo 37, I, c/c 46 da LC 75/1993.

Até mesmo a noção de exclusividade consagrada ao Ministério Público da União, através do PGR, como legitimado ativo nas causas da competência originária das sobreditas cortes, não mais se sustenta, a partir do julgamento da Reclamação 7.358-SP, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 24 de fevereiro de 2011, interpretando a Carta Republicana, em votação majoritária, reconheceu a legitimidade ativa autônoma do Ministério Público estadual para propor reclamação diretamente na Corte, deixando evidenciado, com isso, que essa atuação não ofende o princípio federativo. Pelo contrário, está em sintonia com ele.

Com efeito, a digna relatora, ministra Ellen Gracie, somente admitira a reclamação aviada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo porque ratificada pelo procurador-geral da República, afirmando que o vício estaria sanado quando este assumiu a reclamatória, surgindo a partir daí o debate acerca da legitimação, iniciado pelo ministro Marco Aurélio, o qual asseverou que havendo o Ministério Público Estadual atuado na primeira instância, na segunda instância, e vislumbrando desrespeito a súmula da corte, é parte legítima para chegar ao Supremo via reclamação, tese que recebeu apoio do ministro Cesar Peluso.

Por seu turno, o Ministro Celso de Mello, no seu voto, foi contundente ao deixar consignado que: 

Entendo, na linha de anteriores decisões por mim proferidas (Rcl 7.246/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que o Ministério Público estadual dispõe, ele próprio, de legitimidade para ajuizar reclamação, em sede originária, perante o Supremo Tribunal Federal, quando atua no desempenho de suas prerrogativas institucionais, e no âmbito de processo cuja natureza justifique a sua formal participação, quer como órgão agente, quer como órgão interveniente.

Não tem sentido, por implicar ofensa manifesta à autonomia institucional do Ministério Público dos Estados-membros, exigir-se que a sua atuação processual se faça por intermédio do Senhor Procurador-Geral da República, que não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do “Parquet” estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição constitucional (CF, art. 128, § 1º), a Chefia do Ministério Público da União. 

É importante assinalar, porque juridicamente relevante, que o postulado da unidade institucional (que também se estende ao Ministério Público dos Estados-membros) reveste-se de natureza constitucional (CF, art. 127, § 1º), a significar que o Ministério Público estadual não é representado —muito menos chefiado— pelo Senhor Procurador-Geral da República, eis que é plena a autonomia do “Parquet” local em face do eminente Chefe do Ministério Público da União. 

Mostra-se fundamental insistir na asserção de que o Ministério Público dos Estados-membros não está vinculado nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, em sede de reclamação perante o Supremo Tribunal Federal […] Para que se viabilizem as funções institucionais do Ministério Público dos Estados-membros, impõe-se que se lhe reconheçam os meios, inclusive os de ordem processual, que legitimem a sua atuação perante qualquer instância de poder. 

Não satisfeito, o eminente ministro acrescentou: “Também reconheço a legitimação do Ministério Público Estadual para recorrer, no Supremo Tribunal Federal, contra decisões de seus Relatores que, por exemplo, neguem trânsito a uma dada reclamação aqui ajuizada pelo próprio Parquet local” (grifo do autor). 

Muito elucidativo e profundo, sob o ponto de vista da densidade jurídica, foi o voto-vista do ministro Ayres Britto, valendo destacar o seguinte fragmento:

A nossa Constituição Federal habilita, sim, o Ministério Público dos Estados para ajuizar reclamação perante o STF. E o faz por virtude ou força própria dele, MP estadual, e não pela participação ratificadora do PGR. É porque na matéria, é do meu pensar que a Magna Carta Federal primou pela montagem do seguinte esquema de proposições normativas.

I— estruturou o Ministério Público sob a forma de instituição-gênero, compartimentada em duas espécies: o Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados (incisos I e II do art. 128); este último unitariamente concebido e, aquele, subdividido em ramos. A cada tipo de MP correspondendo uma lei complementar de matriz parlamentar diversificada, devido à natureza federal daquela que dispõe sobre a estruturação do MP da União, em paralelo com a natureza estadual da lei que dispõe sobre a segunda espécie de MP. 

[…] 

III— erigiu toda a ordem jurídica, na clara acepção de sistema de direito positivo ou ordenamento jurídico, como a primeira das finalidades do Ministério Público, quer o pertencente à União, quer o situado na esfera institucional de cada Estado-membro….Saltando à inteligência que a reclamação constitucional se inscreve no rol desses mecanismos de protagonização judicial de qualquer das duas modalidades de Ministério Público. Nada importando que ela, reclamação, tenha no STF o seu único locus de aforamento, pois o que realmente conta, agora, sim, é a serventia jurídico-positiva do instituto. Serventia que, em última análise, se volta para o alcance daquele objetivo da defesa da ordem jurídica. Mais precisamente, na medida em que se destina à preservação da competência do Supremo, ou à garantia da autoridade das decisões dessa pinacular instância judicante… 

[…] 

[…] há um vínculo necessário entre o instituto da reclamação e a defesa da ordem jurídica, o que viabiliza o manejo da ação pelo Ministério Público enquanto instituição-gênero….não se desconhece que o art. 46 da LC 75/93 prescreve que o locus de atuação judicial do Procurador-Geral da República é o Supremo Tribunal Federal. Mas também é certo que tal disposição não é excludente da atuação dos MPs estaduais na mesma instância judicante do Supremo, pois se trata de um diploma normativo exclusivamente direcionado à estruturação e ao funcionamento do MP da União. Nada tendo a ver, portanto, com o MP que é próprio de cada Estado-membro. 

Na mesma linha da divergência assentada, o ministro Gilmar Mendes reconheceu que em se tratando de reclamação, não há monopólio por parte do procurador-geral da República, estando legitimado o Ministério Público dos Estados a submetê-la ao crivo do STF, admitindo inclusive, que nos recursos extraordinários aviados, poderá o Parquet Estadual ocupar a tribuna e produzir sustentação oral.

Sendo assim, inegável que a corte suprema, enquanto guardiã da Constituição Federal, ao interpretá-la, reconheceu que o constituinte inseriu a reclamação entre os instrumentos conferidos ao Ministério Público dos estados-membros para a defesa da ordem jurídica. Com isso, o que era evidente, agora está assentado pelo STF, isto é, que o Parquet das unidades federativas tem legitimidade para ajuizar ou oferecer reclamação diretamente nas cortes de superposição.

Caso o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, recuse legitimidade ao Ministério Público Estadual de propor ou agitar reclamação perante a corte, poderá este propor nova reclamação, desta feita perante o Supremo Tribunal Federal, exatamente para preservar ou garantir a autoridade da sua decisão e, também, recurso extraordinário (CF, artigo 102, I, l, III).

Em qualquer dessas hipóteses, por reserva de raciocínio lógico, é de se admitir que o procurador-geral de Justiça ou seu delegatário ocupe a tribuna da corte para produzir sustentação oral, ou responda questionamentos dos ministros.

No caso de o relator, em decisão monocrática, negar trânsito à reclamação, sobretudo negando-lhe legitimidade ativa, poderia o Ministério Público Estadual oferecer impugnação, ou deveria provocar o Ministério Público da União?

A posição defendida pelo eminente ministro Celso de Mello, no julgamento da Reclamação 7.358-SP, é no sentido de se admitir a interposição do recurso, diretamente, pelo MP do estado-membro, que parece lógica, do ponto de vista jurídico. Como poderia reconhecer sua legitimidade para ajuizar a reclamação e vedar-lhe a possibilidade de contraditar decisão monocrática que lhe negou trânsito?

Se prevalecer entendimento contrário, poder-se-ia burlar ou enfraquecer a decisão do STF que afirmou a legitimação ativa e, para isso, basta que o relator indefira de plano o processamento da reclamação ajuizada. Se não puder manifestar o recurso cabível, o acórdão da Corte Suprema, neste particular, não passará de uma mera carta de intenções gerando perplexidade.

Na mesma linha de orientação adotada pelo pretório excelso, o STJ, através da sua 1ª Seção, em 24 de outubro de 2012, julgando questão de ordem suscitada no AREsp 194.892-RJ, sob a relatoria do ministro Mauro Luiz Campbell Marques, deliberou pela legitimidade do MPE para atuar perante o Tribunal da Cidadania, com a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOS REGIMENTAIS. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. LEGITIMIDADE RECURSAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. RECESSO FORENSE. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL (ARESP 137.141/SE). CONVERSÃO EM RECURSO ESPECIAL.

1. É sabido que esta Corte Superior de Justiça até aqui ampara a tese de que o Ministério Público Estadual não é parte legítima para atuar perante os Tribunais Superiores, uma vez que tal atividade estaria restrita ao Ministério Público Federal.

2. O Ministério Público dos Estados não está vinculado nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante esta Corte Superior de Justiça.

3. Não permitir que o Ministério Público Estadual atue perante esta Corte Superior de Justiça significa: (a) vedar ao MP Estadual o acesso ao STF e ao STJ; (b) criar espécie de subordinação hierárquica entre o MP Estadual e o MP Federal, onde ela é absolutamente inexistente; (c) cercear a autonomia do MP Estadual; e (d) violar o princípio federativo.

4. A atuação do Ministério Público Estadual perante o Superior Tribunal de Justiça não afasta a atuação do Ministério Público Federal, um agindo como parte e o outro como custos legis.

5. Recentemente, durante o julgamento da questão de ordem no Recurso Extraordinário nº 593.727/MG, em que discutia a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público, decidiu-se pela legitimidade do Ministério Público Estadual atuar perante a Suprema Corte.

6. Legitimidade do Ministério Público Estadual para atuar perante esta Corte Superior de Justiça, na qualidade de autor da ação, atribuindo efeitos prospectivos à decisão.

7. A jurisprudência do STJ estabelecia que, para fins de demonstração da tempestividade do recurso, incumbia à parte, no momento da interposição, comprovar a ocorrência de suspensão dos prazos processuais em decorrência de feriado local, ausência de expediente forense, recesso forense, dentre outros motivos, não se admitindo a juntada posterior do documento comprobatório.

8. A Corte Especial, no julgamento do AREsp 137.141/SE, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, ocorrido no dia 19.9.2012, acompanhando o entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no AgRg no RE nº 626.358/MG, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ 23.8.2012, modificou sua jurisprudência, passando a permitir a comprovação de feriado local ou suspensão dos prazos processuais não certificada nos autos em momento posterior à interposição do recurso na origem.

9. Nos presentes autos, constata-se que houve a comprovação, no agravo regimental do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual, acerca da suspensão dos prazos processuais em decorrência do recesso forense no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.

10. Agravos regimentais providos para afastar a intempestividade e determinar a conversão dos autos em recurso especial, nos termos do art. 34, XVI, do RISTJ.

Do voto condutor, acompanhado por todos os ministros que integram a 1ª Seção, o digno relator enfrentou a questão de maneira exauriente, deixando assentado o seguinte, sem destaque no original:

É sabido que esta Corte Superior de Justiça até aqui ampara a tese de que o Ministério Público Estadual não é parte legítima para atuar perante os Tribunais Superiores, uma vez que tal atividade estaria restrita ao Ministério Público Federal. Precedentes: AgRg no AgRg no Ag 1388777/GO, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012; AgRg nos EREsp 1162604/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Primeira Seção, julgado em 23/05/2012, DJe 30/05/2012; AgRg no RMS 35.019/GO, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 07/02/2012, DJe 13/02/2012; AgRg na SLS 828/CE, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 12.2.2009; AgRg nos EREsp 769.811/SP, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 1º.2.2010.

Ocorre que tal entendimento, em meu sentir, merece revisão.

A tese adotada nesta Corte Superior de Justiça fundamenta-se no pressuposto de que o Ministério Público é instituição una, cabendo a seu chefe, o Procurador-Geral da República, representá-la, atuando, em seu nome, junto às Cortes Superiores: STF e STJ. Como fundamento normativo de tal tese, temos a Lei Complementar Federal 75/93 e o art. 61 do RISTJ.

Essa construção, em sentido meramente literal, não se mostra precisa.

Tal raciocínio resume-se na ideia de que a legislação orgânica do Ministério Público e o RISTJ conferem aos membros da segunda instância dos Ministérios Públicos dos Estados a possibilidade de interpor recursos extraordinários e especiais aos tribunais superiores, por força de decisões proferidas nos tribunais estaduais. Porém, a atribuição para oficiar junto aos tribunais superiores é do Procurador-Geral da República ou de Subprocuradores da República por ele designados.

Conquanto o Superior Tribunal de Justiça integre a estrutura administrativa do Conselho da Justiça Federal, por meio do Presidente, do Vice-Presidente e de três Ministros eleitos do STJ (inteligência do art. 3.º, incisos I e II, do Regimento Interno do CJF), o Tribunal da Cidadania extrapola a natureza de mero Tribunal Federal, haja vista que, na qualidade de Corte Superior, incumbida de uniformizar, em âmbito nacional, e não apenas federal, a interpretação judicial da legislação federal infraconstitucional, atua como verdadeiro Tribunal da Federação brasileira, cuja jurisprudência há de ser observada, a título de paradigma, quer pelos Tribunais Regionais da União, quer pelos Tribunais Judiciários Estaduais.

Por outro lado, a Constituição Republicana estabelece como princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional (art. 127, § 1.º da CR/88), organizando o Ministério Público brasileiro em dois segmentos: Ministério Público da União, que compreende o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e o Ministério Público dos Estados (art. 128, incisos I e II, da CR/88).

Tal estruturação assentada constitucionalmente implica duas consequências: (i) não há hierarquia entre os dois ramos distintos do Ministério Público (da União e dos Estados); (ii) a unidade institucional é princípio aplicável apenas no âmbito de cada Ministério Público.

A esse propósito a doutrina: Hugo Nigro Mazzilli (Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 116); Alexandre de Moraes (Direito Constitucional , 19. Ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 547-548); José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo , 28. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 601); José Frederico Marques (Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, Campinas, Millenium editora, 2000, p. 245).

Salienta-se que a própria Constituição, ao assentar que o Procurador-Geral da República é o chefe do Ministério Público da União, enquanto os Ministérios Públicos estaduais são chefiados pelos respectivos Procuradores-Gerais de Justiça (Cf. art. 128, §§ 1.º e 3.º da CR/88), sinaliza a inexistência de relação hierárquica entre o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados.

A inexistência de tal relação hierárquica é uma manifestação expressa do princípio federativo, onde a atuação do MP estadual não se subordina ao MP da União.

Tanto é verdade que o regime federativo se manifesta no âmbito do Ministério Público, que cada um dos seus ramos possui autonomia funcional e administrativa, iniciativa legislativa para a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, e também essa mesma iniciativa em matéria orçamentária.

Assim, não permitir que o Ministério Público do Estado interponha recursos em casos em que seja autor da ação que tramitou originariamente no âmbito da Justiça Estadual, ou mesmo ajuizar ações ou medidas originárias (o mandado de segurança, a reclamação constitucional, pedidos de suspensão de segurança ou de tutela antecipada) junto aos tribunais superiores, e nelas apresentar recursos subsequentes (embargos de declaração, agravo regimental, recurso extraordinário) significa negar a aplicação do princípio federativo e a autonomia do Parquet Estadual.

Não se nega o acerto da afirmação de que cabe ao Procurador-Geral da República, ou aos Subprocuradores da República, por delegação ou designação, oficiar nos feitos junto ao STF e ao STJ, mas isso não retira a possibilidade do Ministério Público Estadual atuar em suas ações e na causa de seus interesses como parte. Realmente, só ao Procurador-Geral da República é permitido ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade, ações penais ou ações civis originárias para as quais seja legitimado o Ministério Público da União junto ao STF e ao STJ.

Também não se apresenta dúvida de que ao Procurador-Geral da República ou a Subprocuradores da República, cabe ofertar pareceres em processos que tramitem junto ao STF e ao STJ, atuando como custos legis. Absolutamente diverso quando se trata da interposição de recursos extraordinários ou especiais, e dos recursos subsequentes (agravos regimentais, embargos de declaração e embargos de divergência), ou mesmo do ajuizamento de mandado de segurança, reclamação constitucional, ou pedidos de suspensão de segurança ou de tutela antecipada, relativamente a feitos de competência da Justiça dos Estados em que o MP Estadual é autor. Caso contrário, não há que se falar em autonomia e independência institucional do Ministério Público Estadual.

Dessa forma, é legitimo concluir que impetrar mandado de segurança, ajuizar reclamação constitucional, pedido de suspensão de segurança, ou de tutela antecipada, ou ainda interpor outros recursos subsequentes nos feitos que tramitem tanto no STF como no STJ nos casos em que o MP Estadual é o autor da ação (agravos regimentais, embargos de declaração, ou embargos de divergência), não são atribuições exclusivas do Ministério Público da União.

Nesses casos, o MP Estadual oficia como autor, enquanto o Procurador-Geral da República oficia como fiscal da lei. Exercem, portanto, papeis diferentes, que não se confundem e não se excluem reciprocamente. Reitera-se que não permitir que o Ministério Público Estadual atue perante esta Corte Superior de Justiça significa: (a) vedar ao MP Estadual o acesso ao STF e ao STJ; (b) criar espécie de subordinação hierárquica entre o MP Estadual e o MP Federal, onde ela é absolutamente inexistente; (c) cercear a autonomia do MP Estadual; e (d) violar o princípio federativo; (e) desnaturar o jaez do STJ de Tribunal Federativo, uma vez que tolheria os meios processuais de se considerarem as ponderações jurídicas e o pensamento do MP Estadual, inclusive como um modo de oxigenar a jurisprudência da Corte, por meio da análise dos debates jurídicos oriundos dos MPs Estaduais, dando-se-lhes a plenitude dos meio processuais de expressão das suas teses jurídicas.

Ademais, negar ao MP Estadual, como autor da demanda, a possibilidade de interposição de recurso nas Cortes Superiores, através do Procurador-Geral de Justiça, é na prática, impedir, de forma ilegítima, o acesso da parte à instância extraordinária.

Negar aos Ministérios Públicos Estaduais a propositura de ações, medidas originárias, ou recursos junto aos tribunais superiores, especialmente nos casos em que os recursos sejam decorrentes de ações em que o MP Estadual é autor, significa real redução de direitos, não podendo o Parquet Estadual ser tolhido do seu direito de invocar a atuação desta Corte Superior de Justiça. 

Condicionar o destino de ações, em que o autor é o Ministério Público Estadual, à interposição ou não de recursos pelo Ministério Público Federal, é submeter seu legítimo exercício do poder de ação assentado constitucionalmente (art. 5º, inciso XXXV) ao MPF. Isso se apresenta tanto violação ao exercício do direito constitucional de ação, que inclui a legítima interposição de recursos previstos em lei (art. 5º, XXXV da CR), como a violação da autonomia institucional do Ministério Público do Estado (art. 127, § 2º, e art. 128, § 3º da CR), do próprio princípio federativo (art. 1º e 18 da CR) e desta Corte Superior como um Tribunal Federativo.

Assim, mostra-se fundamental demonstrar que o Ministério Público Estadual não está vinculado nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante esta Corte Superior de Justiça.

Salienta-se que a atuação do Ministério Público Estadual perante o Superior Tribunal de Justiça não afasta a atuação do Ministério Público Federal, um agindo como parte e o outro como custos legis.

Ademais, a legitimação do Ministério Publico Estadual para atuar junto aos Tribunais Superiores vem sendo reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Tanto é que a Suprema Corte editou a Resolução nº 404, de 7 de agosto de 2009 (alterada pela Resolução 469, de 30 de setembro de 2011), cujo art. 5º dispõe:

Art. 5º Quando partes na causa, os Ministérios Públicos dos Estados, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal serão intimados na pessoa que os represente no feito. Recentemente, durante o julgamento da questão de ordem no Recurso Extraordinário nº 593.727/MG, em que discutia a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público, decidiu-se pela legitimidade do Ministério Público Estadual atuar perante a Suprema Corte. Vejamos trecho do Informativo nº 671 do STF:

Em seguida, o Supremo, por votação majoritária, resolveu questão de ordem – suscitada pelo PGR – com o fito de assentar a legitimidade do Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, ora recorrido, para proferir sustentação oral. O Min. Cezar Peluso, relator, anotou que o Plenário já teria reconhecido que parquet estadual disporia de legitimação para atuar diretamente nesta Corte nas causas por ele promovidas originariamente. Elucidou que o PGR poderia desempenhar, no Supremo, 2 papéis simultâneos: a) o de fiscal da lei; ou b) o de parte. Assim, quando o MPU, em qualquer dos seus ramos, figurasse como parte do feito, só ao PGR seria dado oficiar perante o STF, porque ele quem encarnaria os interesses confiados pela lei ou pela Constituição a este órgão. Explicou que, nos demais casos, esse parquet exerceria, evidentemente, a função de fiscal da lei. Nesta última condição, a sua manifestação não poderia preexcluir a das partes, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório. Destarte, sugeriu que a Lei Complementar federal 75/93 somente incidisse no âmbito do MPU, sob pena de cassar-se a autonomia dos Ministérios Públicos estaduais, que estariam na dependência, para promover e defender interesse em juízo, da aprovação do Ministério Público Federal. RE 593727/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 21.6.2012. (RE-593727)

Como já dito no início do voto, não desconheço dos precedentes no sentido da tese de que o Ministério Público Estadual não é parte legítima para atuar perante os Tribunais Superiores, uma vez que tal atividade estaria restrita ao Ministério Público Federal. Porém nenhum deles foi julgado sob a égide do entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, transcrito acima (Questão de Ordem no RE 593727/MG).

[…] 

Nessa linha, reconheço a legitimidade do Ministério Público Estadual para atuar perante esta Corte Superior de Justiça, na qualidade de autor da ação, atribuindo efeitos prospectivos à decisão. 

O aresto do STJ, no particular, para uma corrente estaria declarando implicitamente a inconstitucionalidade do artigo 37, I da LC 75/1993, que estabeleceria a exclusividade da atuação do MPF nos Tribunais Superiores, olvidando a cláusula de reserva de plenário.

Se a assertiva é verdadeira, então o pretório excelso, mesmo que de forma implícita considerou inconstitucional o referido dispositivo legal, quando proclamou a legitimidade do MP mineiro, na pessoa do seu Procurador-Geral, no RE 593.727/MG para proferir sustentação oral e foi muito mais ousado, ainda, no julgamento da Reclamação 7.358/RJ, ao firmar entendimento que o MP do estado-membro é parte legítima para manejar Reclamação, originariamente, na Suprema Corte, enquanto ação autônoma de impugnação.

Desse modo, cabe a indagação: onde reside a distinção entre as decisões do STF e a do STJ reportadas acima, que pudesse sugerir o acerto de uma e o desacerto da outra, se ambas reconhece a legitimidade ativa do Parquet estadual para atuar naquelas cortes?

Impende ressurtir que o entendimento acima firmado pela 1ª Seção do STJ, inclusive, serviu de precedente, para a vice-presidente em exercício da corte, a ministra Eliana Calmon, admitir no dia 14 de novembro de 2012, Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público de São Paulo no EREsp 1.162.604-SP, contra acórdão proferido exatamente da 1ª Seção, com decisão publicada no DJe de 22 de novembro de 2012, que tem o seguinte conteúdo:

Em razão da recente mudança de entendimento da Primeira Seção desta Corte com relação ao tema, manifestada no julgamento do AgRg no AgRg no AREsp 194.892/RJ, e estando presentes os pressupostos de admissibilidade, admito o recurso extraordinário.

Outro ponto a considerar, quando se pretende afastar a legitimação do MPE a pretexto da unidade e indivisibilidade, como bem lembrado por Mazzilli[3], não se invoque a unidade e a indivisibilidade do Ministério Público para reforço do veto. A rigor, bem compreendidos esses princípios, um só oficio, sob uma só chefia, só existe em cada um dos diversos Ministérios Públicos nacionais, até mesmo por força das próprias características federativas. 

Ademais, se a lição acima não fosse suficiente para convencer, partindo da premissa que compete ao procurador-geral da República, na qualidade de chefe de todos os Ministérios Públicos dos Estados, como se houvesse uma subordinação ou hierarquia, então, por reserva de coerência lógica, na hipótese de conflito de atribuições entre membros do MPU e dos estados, competiria a ele dirimir.

Todavia, não é assim que acontece, sendo questão pacífica que em havendo conflito de atribuições, na forma hipotética apontada, a competência para resolvê-lo é do Supremo Tribunal Federal, conforme se extrai do artigo 102, I, alínea “f”, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Nesse sentido, confira os precedentes abaixo:

(STF-016660) CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO. PRECEDENTES. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. APURAÇÃO DE SUPOSTAS IRREGULARIDADES NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS ORIUNDOS DO PRONAF. INTERESSE DA UNIÃO. ART. 109, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. (Ação Cível Originária nº 1.281/SP, Tribunal Pleno do STF, Rel. Cármen Lúcia. j. 13.10.2010, unânime, DJe 14.12.2010).

(STF-016206) MINISTÉRIO PÚBLICO. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DESVIO DE RECURSOS DO FUNDEF. INEXISTÊNCIA DE COMPLEMENTAÇÃO DE VERBAS FEDERAIS E DE INTERESSE DA UNIÃO. FEITO DA ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. Conflito conhecido e acolhido, para esse fim. É atribuição do Ministério Público estadual atuar em ação de reparação de dano ao erário, por improbidade administrativa concernente a desvio de recursos do FUNDEF, quando não tenha havido complementação de verbas federais. (Ação Cível Originária nº 1.156/SP, Tribunal Pleno do STF, Rel. Cezar Peluso. j. 01.07.2009, unânime, DJe 12.03.2010). 

 

(STF-141440) COMPETÊNCIA CRIMINAL. ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO PENAL. FORMAÇÃO DE OPINIO DELICTI E APRESENTAÇÃO DE EVENTUAL DENÚNCIA. Fatos investigados que configurariam crime contra a ordem econômica. Art. 1º, inc.. I, da Lei Federal nº 8.176/01. Falta de segurança na instalação e armazenamento de recipientes transportáveis de GLP. Fato que não corresponde a nenhuma das hipóteses do art. 109, IV e VI, da CF. Incompetência da Justiça Federal. Matéria de atribuição do Ministério Público estadual. Conflito negativo de atribuição conhecido. Precedentes. É da atribuição do Ministério Público estadual analisar inquérito por crime contra a ordem econômica e emitir a respeito opinio delicti, promovendo, ou não, ação penal, se não há violação a bens, interesses ou serviços da União. (Ação Cível Originária nº 1058/CE, Tribunal Pleno do STF, Rel. Cezar Peluso. j. 14.04.2008, unânime, DJe 23.05.2008). 

Assim, a tese da chefia única invocada não tem substrato ou consistência jurídica para prevalecer objetivando afastar a legitimidade ativa do MP Estadual perante as Cortes Superiores, nos assuntos que lhe toca de forma peculiar.

Conclusões
O Ministério Público é composto pelo Ministério Público da União e Ministério Público dos Estados; aquele compreende o Ministério Público Federal, do Trabalho, Militar, do Distrito Federal e Territórios;

Inexiste subordinação ou hierarquia entre o Ministério Público dos Estados e o da União e apesar de uno e indivisível, cada ramo institucional possui chefia própria, com independência funcional, administrativa e financeira;

O Ministério Público dos estados, que tiver oficiado nas instâncias ordinárias, tem legitimidade para atuar na condição de parte perante os Tribunais Superiores, podendo, por evidente, nos recursos interpostos ou naqueles que responder, produzir sustentação oral nas tribunas das sessões dessas cortes;

A legitimação apontada no item anterior não se limita a interposição de recurso, mas também para formular reclamação constitucional, quando cabível nas hipóteses que reclamem a intervenção ministerial;

Nos recursos aviados ou respondidos pelo Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal oficiará como custos legis.


[1] Teoria Geral do Direito Civil, Rio de Janeiro, 1975, § 35.

[2] Regime Jurídico do Ministério Público. Saraiva. 3ª edição. 1996, p. 304.

[3] Op. cit., p. 303.

Autores

  • Brave

    é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre e especialista lato sensu em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes e Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco.

  • Brave

    é procuradora-geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre, mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e MBA em Gerenciamento. Autora do Livro Biodiversidade e Repartição de Benefícios, publicado pela Juruá Editora.

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