Copa do Mundo

Venda de acarajé não deve prejudicar patrocinadores

Autor

  • Jorge Luís Azevedo Nunes

    é advogado membro do núcleo de negócios em Direito Desportivo do MBAF Consultores e Advogados S/S. Pós Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito.

22 de novembro de 2012, 7h00

No começo do mês de outubro do corrente ano, uma polêmica ganhou espaço nos meios de comunicação e nas redes sociais, repercutindo bastante principalmente no Estado da Bahia: a suposta proibição de venda do Acarajé nos Estádios e imediações durante a Copa das Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014, eventos que irão ocorrer no Brasil.

A possível proibição do Acarajé, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio imaterial da Bahia, gerou grande descontentamento na população baiana, acarretando em protestos especialmente das vendedoras dos quitutes, conhecidas como Baianas do Acarajé, de membros do Ministério Público do Estado e de lideranças de movimentos sociais e culturais do Estado, como do Movimento Negro, em razão da origem do alimento, considerado sagrado no continente africano.

Além disso, o descontentamento também se deve ao fato de que existe uma tradição nos Estádios de Futebol na Bahia, principalmente em Salvador, de se comercializar o quitute na forma tradicional, qual seja, pelas Baianas, devidamente paramentadas com trajes típicos, nos seus tabuleiros.

Segundo a presidente da Associação das Baianas de Acarajé e Vendedoras (Abam), Rita Maria Ventura dos Santos, somente no interior do antigo Estádio da Fonte Nova, desativado em 2007 e demolido em 2010 para a construção da moderna Arena Fonte Nova, que sediará os jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo em Salvador, existiam oito baianas credenciadas, que deixaram de trabalhar no Estádio em razão da desativação e ficariam prejudicadas com a possibilidade da proibição.

Além das credenciadas, muitas outras Baianas seriam prejudicadas pela medida, pois comercializam os seus quitutes nas imediações do Estádio, consideradas, pela Lei 12.663, de 5 de junho de 2012, mais conhecida como Lei Geral da Copa, como Áreas de Restrição Comercial e Vias de Acesso, nas quais só poderiam ser comercializados produtos dos patrocinadores do evento.

E foi exatamente em razão da previsão constante na Lei Geral da Copa que surgiu a suposição da proibição da comercialização do Acarajé. A Norma, que dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude 2013, que serão no Brasil, dispõe o seguinte:

“Artigo 11. A União colaborará com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à FIFA e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou fazer propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.

Parágrafo 1. Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados, atendidos os requisitos desta Lei e observado o perímetro máximo de dois quilômetros ao redor dos referidos Locais Oficiais de Competição.

Parágrafo 2. A delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no artigo 170 da Constituição Federal.”

No entanto, analisando o dispositivo legal acima transcrito, verifica-se que, em verdade, não há proibição expressa de comercialização de produtos que não sejam dos patrocinadores da FIFA. O que a Lei garante é a prerrogativa da FIFA indicar as pessoas que podem, entre outras coisas, comercializar produtos com exclusividade nos locais oficiais de competição e em até dois quilômetros destes.

Por conta disso, tanto a FIFA como o Governo do Estado da Bahia logo se manifestaram acerca da suposta proibição da venda de Acarajés, no intuito de esclarecer o que realmente prevê a Lei.

Ainda no dia 4 de dezembro, quando surgiu a informação da possível proibição, o secretário estadual para Assuntos da Copa (Secopa-BA), Ney Campello, declarou a imprensa que a venda do acarajé no entorno da Arena Fonte Nova não estaria proibida durante os eventos promovidos pela FIFA.

A restrição legal seria relativa ao marketing e a comercialização de produtos de empresas concorrentes das patrocinadoras do evento, o que não seria o caso das baianas que vendem o produto. O que não poderia acontecer, conforme o Secretario, é a utilização das Baianas e de outros vendedores ambulantes para a divulgação de produtos de empresas que não patrocinam os eventos, prática esta conhecida como “Marketing de Emboscada”. Neste sentido, o Secretário declarou que "muitas empresas aproveitam dos ambulantes para propagar a sua marca, o que não será permitido".

O representante do Governo da Bahia ainda mencionou exemplos das possíveis restrições. "A Habib’s tem uma unidade próxima a Arena Fonte Nova e nem por isso será proibida de funcionar. A empresa não poderá levar sua marca e produtos para fora da sua unidade fixa, pois, é concorrente da Mc Donalds, que é um patrocinador", ressaltou. Outro exemplo mencionado foi relativo à Coca-Cola, uma das principais patrocinadoras dos eventos da FIFA, pois os ambulantes não terão permissão para comercializar bebidas das marcas concorrentes.

No dia posterior, 5 de dezembro, foi a vez da FIFA se manifestar sobre o tema, através de uma nota oficial. Na nota, a entidade afirmou que o Acarajé poderá ser distribuído e comercializado nas imediações e nos locais dos eventos, através de uma concessionária brasileira que será escolhida através de licitação.

Na nota há a informação de que "a FIFA pediu que cada licitante contemplasse no cardápio um produto da culinária regional em cada estádio. Isso vai refletir a diversidade das regiões no Brasil também a partir de uma perspectiva gastronômica. Ressaltamos que a maioria das propostas recebidas pela FIFA até o momento sugere a venda de acarajé em Salvador".

A nota emitida pela FIFA ainda esclarece que nas duas últimas Copas do Mundo de Futebol foi permitida, nos termos estabelecidos pela entidade, a venda nos locais dos eventos de alguns produtos tradicionalmente vendidos nos Estádios dos países sede, como as Salcichas na Alemanha e os Cachorros Quentes na África do Sul.

A polêmica relativa à possível proibição da venda do Acarajé acirrou o debate acerca dos amplos poderes concedidos pelo Governo Federal à FIFA na organização da Copa do Mundo e dos eventos correlatos que, para alguns, afrontam à soberania nacional e não respeitam as culturas locais. No entanto, ainda que possa ter havido um exagero nas prerrogativas concedidas, de fato, a FIFA e os seus patrocionadores precisam da garantia de que a organização do evento não lhes será prejudicial, desde que haja um equilíbrio entre estas garantias e as características socioculturais das cidades sede.

É plausível que haja exclusividade de marketing e comercialização dos produtos dos patrocinadores nos Estádios e imediações, desde que isso não afronte as culturas locais. E isso ficou evidente na “polêmica do Acarajé”, que deverá, sim, ser comercializado nos eventos da Copa do Mundo que irão acontecer em Salvador, desde que isso não cause prejuízo às empresas que patrocinam os eventos FIFA, o que poderia afastar o interesse destas e de outras empresas em patrociná-los.

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    é advogado membro do núcleo de negócios em Direito Desportivo do MBAF Consultores e Advogados S/S. Pós Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito.

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