Nomes óbvios

Indicações para o Supremo devem ter motivos claros

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19 de novembro de 2012, 15h56

A Constituição Federal, em seu artigo 101, impera que O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”.

Dito isso, parecem necessárias as observações a seguir, jamais tomando por base a ideia de culpa ou inocência dos homens que estão sendo julgados na Ação Penal 470. O tema central não é esse. Ademais, seria antiético um advogado não atuante na causa fazê-lo e, sobretudo, imprudente, pois jamais conflitei os elementos de convicção que estão no processo. Qualquer comentário sobre o julgamento se dá por motivos alheios aos acusados e respectivas responsabilidades.

Outro elemento importante, deflagrador e central neste exercício, são as movimentações políticas acerca da próxima nomeação da presidente da República, ou seja, com o futuro de logo mais, que bate à porta.

A sociedade e o processo criminal
Nosso Supremo Tribunal, hoje um poder da República celebrado e conhecido pelo povo (mesmo por sua fatia desligada do dia a dia da Justiça), sofreu ataques pelas posições técnicas que adotou (novas ou antigas não importa, aqui não quero entrar no dilema penal) e críticas técnicas, indicativo de que estamos a caminho do amadurecimento da cidadania.

Dois embates pessoais e um intermediador ganharam destaque. Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski por suas posições antagônicas sobre os principais acusados, teorias alemãs e qualidade das provas para condenar. O mesmo Joaquim Barbosa, agora com Marco Aurélio, por força de dizeres um tanto indelicados do primeiro sobre a conduta de outros ministros. Por fim, Ayres Britto, presidindo sessão solene que muitas vezes desbanca para a formalidade dos botequins. O trabalho do presidente tem-se mostrado árduo.

Um fato que merece destaque é que a posição condenatória (e o juiz deve tê-la, se for o caso de condenação, como está sendo decidido) de Joaquim Barbosa alçou-o à posição de herói nacional. São coisas do processo criminal. A condenação sempre foi recebida melhor do que a absolvição, ainda mais quando os acusados são agentes políticos. Tal fato é comum na história da humanidade e não seria em nosso país que isso mudaria. É inerente ao instinto das massas o ataque às figuras da absolvição, seja contra o advogado que a pleiteia, seja contra o juiz que absolve.

Não se trata de uma crítica. Incluo-me na multidão e é exatamente esse o exercício cotidiano do advogado criminal: esquivar-se das paixões, das primeiras impressões. Portanto, as sofre, cai de amores pelos apriorismos como qualquer um.

Ora, todos nós temos a concepção de que o político é um corrupto por natureza (Nelson Rodrigues dizia: “Não consigo conceber que o mais doce dos políticos tenha o mínimo de senso moral.”) e quando vários são os acusados é normal que se veja a acusação como a formalização de nossas mais íntimas convicções. Absolver, ou aceitar a absolvição, será sempre o exercício de admitir que nossas pré-concepções estavam erradas, fazê-lo em público e deixar de lado a vaidade — talvez o grande problema da justiça humana!

Algumas posições de aliados dos acusados revestem-se de caráter sofístico porque utilizados com contingente político-partidário. Tirante isto, é certo que o processo criminal sempre foi o melhor instrumento de perseguições políticas e por essa razão evoluiu até o estágio de hoje, em que nenhuma decisão capaz de violar direitos como a liberdade (e políticos, como de votar e de ser votado), será tomada sem provas concretas e sem que deixem de se tornar públicos e exaustivos todos os argumentos das partes acatados pelos magistrados.

A ideia é não permitir o erro judiciário, sendo por isso que na dúvida se absolve. Se um processo pode ser lido por duas pessoas diferentes e nelas criar posições antagônicas, uma absolvendo e a outra condenando, um dos dois está muito errado. A prova deve indicar ser alguém culpado ou inocente. Ao menos deveria ser assim, se tivéssemos uma ciência do julgamento como parâmetro.

O drama desse processo revela o zigoto dramático de nossa justiça criminal (e de sua obscura política) que é a confusão entre ciências absolutamente distintas e o alçamento de figuras notáveis de uma ciência para o exercício de outra. Há ainda a força das instituições jurídicas, que até no Supremo Tribunal foram chamadas de “cofres-fortes da Justiça”, tamanhos os seus segredos e forças políticas ainda ocultas em tempos de exigência de contas e condutas claras (leia-se, publicadas).

A perseguição do real e do abstrato
Uma coisa é ser um doutrinador, outra é ser um julgador; uma coisa é o debate acadêmico, que visa perseguir a hipótese feliz, outra coisa é o julgamento, que busca a verdade de um fato do mundo. São virtudes e talentos, ambos belíssimos, mas distintos.

Poucos já conseguiram perceber que ser um professor ou um cientista do Direito é coisa distinta de ser um grande julgador, acusador ou advogado (raros conseguem ser ambos, pois a vida é curta), e no final das contas percebemos o discurso de aplauso diante da nomeação para cargos práticos (no caso, para ministros do Supremo), mas pelo argumento dos nomeados serem homens teóricos.

O ideal seria a simbiose de ambos, mas isso raramente é possível. Os maiores advogados criminalistas (e falo apenas destes, pois em premissa a notória ação penal) jamais tiveram títulos acadêmicos relevantes; são exemplos Evandro Lins e Silva, o mestre deste, Evaristo de Moraes (que se graduou em Direito quase aos 50 anos de idade), Waldir Troncoso Peres e grandes advogados de hoje, como Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, José Carlos Dias, Márcio Thomaz Bastos e Arnaldo Malheiros Filho.

Antônio Evaristo de Moraes Filho, por exemplo, foi exemplo de grandeza advocatícia e apaixonado pelo professorado na segunda metade de sua vida; mas o foi por convite (o mais cristalino exemplo de notório saber jurídico), não por concurso de provas e títulos, que não tinha.

Para falar dos mais recentes ministros do Supremo Tribunal, que a História já contempla como seus, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, também não os têm. Sobre ambos, uma curiosidade: enquanto todos os demais ministros há coisa de cinco ou seis anos desfilavam um vasto curriculum acadêmico e o conhecimento de línguas estrangeiras, ambos indicavam falar apenas o português. Trata-se apenas de uma curiosidade, pois evidente que o conhecimento de línguas é importante.

Sobre os acusadores: basta afirmar que o atual procurador-geral da República, Dr. Roberto Gurgel, não ostenta título acadêmico algum afora o bacharelado.

É comum, infelizmente, a crítica aos “candidatos” às vagas quando não comportam em seus currículos títulos acadêmicos, como é infeliz a automática louvação aos que os ostentam.

A indicação e o medo do futuro
Sempre que aberta vaga para a Suprema Corte nomes e mais nomes são cogitados. Há até uma máxima que nos últimos tempos, ao menos diante da confirmação de disputas pelas vagas (como peregrinações políticas buscando aprovações de caciques) foi jogada no ostracismo: “Não é cargo que se almeje, nem convite que se recuse.” Máxima elegante, de tempos definitivamente mais elegantes.

A Constituição do país indica ser necessário o notável saber jurídico, reputação ilibada e mais de 35 anos (e menos de 65 anos) como requisitos condicionais para a nomeação. Tal fórmula precisa evoluir. Precisamos pensar em alterar esse dispositivo e impor, somando ao requisito notável saber jurídico (pois óbvio que todo ministro do STF deve ostentá-lo) algo parecido com notável e vasta experiência judicial ou litigante; caso contrário um menino de 35 anos de idade, que jamais roubou e dedicou-se apenas à obtenção de títulos acadêmicos estará apto a ser ministro do STF, julgando casos concretos e de grande repercussão nacional, o que naturalmente exigem notória experiência com a lide, como o processo em si.

Impõe-se de modo urgente que a Suprema Corte deve se afastar do Poder Executivo, deixando de ser um trampolim de carreiras e de afinidades, como, por exemplo, é o caso da respeitável Advocacia-Geral da União, de regimentais relações com o Executivo. Logo serão três ex-ministros da AGU (parece certo que o atual Min. Adams será nomeado) com assento no STF e nenhum antigo procurador-geral da República, notável advogado ou juiz excepcionalmente celebrado por suas decisões independentes e corajosas, ou desses profissionais reconhecidos pelo gigantismo de suas acusações, defesas ou decisões ao longo de anos.

A escolha do ministro é, sem dúvida, uma prerrogativa da presidência da República, mas não pode ser uma escolha pessoal. É simples: a presidência não é uma pessoa, mas um cargo. A cadeira do STF também não é um cargo de confiança voltado para pessoas de confiança do Executivo, sob a pena de quebra da teoria da autofiscalização entre os Poderes. Era o que tanto se temia no início do julgamento — que as afinidades e favores falassem mais alto. Não podemos nos dar ao luxo desses medos.

O caminho para chegarmos à fórmula adequada (ainda desconhecida) é, de uma vez por todas, diferenciarmos a ciência dogmática, essencialmente acadêmica, da ciência do julgamento. As questões da academia devem chegar à prática do Direito já solucionadas ou ao menos com a verdade de seu tempo imposta, para se evite que na prática do Direito se tente solucioná-las, muitas vezes por grandes conhecedores do Direito, mas não necessariamente profundos meditadores de matérias, como exemplo das teorias alemãs sobre coautoria. Não entro no mérito se aplicada de modo adequado a Teoria do Domínio do Fato, mas certamente dias e dias de julgamento foram necessários para discussão de matéria complicadíssima que não é da predileção, ou do tempo agradável de meditação, de nenhum dos ministros do STF (não há ali nenhum penalista).

A imposição de uma ciência do julgamento, ou seja, do estudo do como julgar, da razão de julgar, do como argumentar e como receber e ponderar tais argumentos, é urgente. É o momento das próprias academias ousarem para incluírem-nas, como acontece nos países de língua inglesa, nas grades de formação.

Sem isso, confundiremos o real com o abstrato e ainda teremos longas discussões em tom erudito, mas sobre as quais nem o mais atento dos monges tibetanos tem a coragem da paciência. O notável deve ser entendido por todos, falar simples e ensinar. A verdade não nasce simples, mas deve ser entendida assim quando e enquanto é alcançada.

É tempo de abrirmos as caixas fortes. O conceito de República exige isso. Muitas notícias indicam que ministro como Cezar Peluso, que deixou um legado de retidão e cultura no STF, foi preterido pelo presidente da República Fernando Henrique Cardoso por ter ligações amigáveis com Márcio Thomaz Bastos, notadamente do PT. Perdeu-se um bom tempo de notável magistratura por questões partidárias e de afinidade política.

Embora o STF seja hoje uma referência de isonomia entre os Poderes, motivada no fato da maioria de seus ministros terem suas nomeações chanceladas pela Casa Civil, ou seja, pelo principal acusado no processo — e que acabou condenado — é preciso que os candidatos e os motivos de escolha restem claros, criando-se mecanismos coadores de vontades político-partidárias.

Ao Supremo Tribunal só devem chegar os excepcionais, de história excepcional no Foro. É o custo de seus integrantes não serem escolhidos pelo povo. Diria mais: o Supremo Tribunal Federal é um lugar para nomes que se revelam óbvios ao longo do tempo.

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