Livro Aberto

Os livros da vida do Corregedor José Renato Nalini

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14 de novembro de 2012, 13h13

*Depoimento concedido a Lívia Scocuglia e Tadeu Rover

Spacca" data-GUID="jose_renato_nalini.jpeg">Os livros eram os meus prêmios na infância. Na época do colégio, havia boletim e nota de aplicação de comportamento. A cada nota boa que eu tirava, minha mãe comprava um livro de presente e me contava o começo da história. Quando já estava envolvido e curioso com o restante, ela me dizia que eu tinha de ler o resto — a resposta estava nas páginas de meu presente.

Nessa época, li Monteiro Lobato. Sítio do Pica-Pau AmareloEmília no País da Gramática eram meus preferidos. Antes disso, tive contato com livros de ilustrações. Meu pai, italiano de Verona, tinha livros de ilustrações, de histórias sagradas com gravuras, eram lindas.

Com tanto incentivo, virei um animal de biblioteca. Ainda compro muito livro. Não tenho nem onde colocá-los. Comprei um apartamento para guardar minhas obras: 80 metros quadrados de livros. Eu adoro ler. Aliás, mãe é tudo nessa história: se ela não incentivar no tempo certo, depois não adianta. É difícil alguém adquirir o gosto pela leitura porque o professor mandou.  

Formei uma biblioteca enorme. Li desordenadamente. Com nove anos, tive contato com livros que talvez não devesse ter tido com essa idade, como Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis e A Cidade e as Serras de Eça de Queiroz . 

No ginásio, li todos os portugueses como Camillo Castelo Branco, Alexandre Herculano, Padre Manuel Bernardes e Os Sermões do Padre Antonio Vieira. Estudei no colégio Divino e Salvador — colégio dos padres salvatorianos de Jundiaí, cidade em que nasci. Como era colégio de padre, não havia tudo na biblioteca, mas os clássicos não faltavam.

Os brasileiros de Minas Gerais entraram na minha vida quando adolescente. Fernando Sabino com suas crônicas como Encontro Marcado, Carlos Drummond de Andrade, Hélio Pellegrino, Erico Veríssimo. Lia tudo o que caia em minhas mãos: das crônicas aos romances. 

Entrei em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Lá, conheci a bibliotecária chamada dona Ivone Borsato em uma aula de Introdução à Ciência do Direito. O professor levou a bibliotecária para os alunos aprenderam a pesquisar os livros. Ela foi uma mulher fabulosa. Logo no primeiro ano de faculdade escrevi um trabalho propondo a eliminação do Tribunal do Júri e a substituição pela escabinado — colegiado misto de leigos e magistrados. A dona Ivone separava todos os livros que eu tinha que ler e já marcava as páginas principais. Tive, nessa época, uma leitura orientada.  

A partir daí, nunca mais parei de escrever nem de ler. Lembro dos meus trabalhos de faculdade com detalhes. Os principais foram sobre a intervenção do Estado na ordem econômica e sobre ação popular que chamei de "uma arma cívica". Todos tiveram a participação de dona Ivone.

Foi o que me salvou para fazer concurso. Primeiro fui Promotor de Justiça, fui nomeado substituto em 13 de janeiro de 1973 na cidade de Votuporanga. Logo depois comecei a fazer mestrado na Universidade de São Paulo em Processo Penal. Meu orientador, professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, além de ser um ótimo orientador, foi extremamente influente na minha vida. Ele me acompanhou até o doutorado e eu li toda sua obra — mais de 50 livros publicados, como o Poder Constituinte e O Processo Legislativo. Ele era o constitucionalista mais criativo da época, apresentava as soluções mais ousadas. 

Como promotor em Votuporanga, não foram poucos os créditos que perdi durante o mestrado. Eu não podia viajar duas vezes por semana para ter aulas em São Paulo. Perdia os créditos, mas ficava contente por poder começar outra vez — eu queria estudar. Entre o mestrado e o doutorado foram 29 anos.

Já como magistrado em São Paulo, fui convidado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça para assumir o cargo como um dos diretores da Escola Nacional da Magistratura. Com isso, pude viajar o mundo todo conhecendo as escolas — todas da Europa, América e Japão. Nessa fase, eu preparava a minha tese para o doutorado. O meu orientador passava vários meses do ano na França e me apresentou para professores franceses, além de me dar livre acesso a todas as bibliotecas das universidades, inclusive a de Sorbonne. O autor Marcel Mauss de Direito Constitucional foi um dos meus preferidos nessa fase. 

Ainda na França, fiquei amigo que um juiz que era professor da Escola Nacional da Magistratura Francesa, Antoni Garapón. O livro, Guardião de Promessas, foi o ponto inicial para que eu começasse a estudar assuntos que até então não conhecia e que me fez ter contato com as obras de jovens filósofos como Alain de Botton e Luc Ferry.  Nessa época, “olhei para o quintal alheio” e percebi que o mundo não se limitava apenas ao Direito.  

O meu grande drama hoje é não conseguir ler tudo aquilo que gostaria. A minha coleção soma mais de 20 mil obras. Já comecei a me livrar dos livros jurídicos. Vou ficar somente com os de filosofia, ética e literatura. Não dispenso biografias. A melhor que já li foi Carmen: Uma Biografia de Ruy Castro. Em seguida vem Mahatma Gandhi e Winston Churchill. Releio com frequência o livro de Mathias Aires, Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens. Cada vez que leio, encontro algo de diferente, com o tempo a gente muda e o livro passa a ser diferente também. 

O livro oferece a possibilidade de viajar sem passaporte, aeroporto, além de dar a chance de “conhecer” pessoas que já morreram. Esse é o caso de Oscar Wilde autor de o Príncipe Feliz, e de vários outros contos moralistas. Não vou a lugar algum sem um livro. 

Até hoje não consegui ler Ulysses de James Joyce, já comecei três ou quatro vezes. Ainda vou ler. Por outro lado, têm livros que não dá vontade de chegar no fim. Como as obras de Lygia Faguldes Telles, principalmente o conto Antes do Baile Verde, meu preferido dela, que é minha companheira na Academia Paulista de Letras. 

Academia Paulista de Letras
O ingresso na Academia foi um prêmio para mim. O incentivo veio pelos meus amigos Paulo Bomfim, Rubens Teixeira Scavone, que foi presidente da Academia, Miguel Reale e Lygia Fagundes Telles. Na primeira vez que disputei a uma vaga, em 2000, perdi. Tive 13 votos e o Paulo José da Costa Junior, 22 votos. Em 2003, disputei novamente outra vaga na Academia e fui eleito. 

Logo depois que ingressei na Academia, o Ives Gandra, então presidente, me colocou na diretoria no cargo de Secretário Geral. Após duas gestões, entrei para presidência e permanecei também por duas gestões. Hoje, sou vice. 

Sou premiado toda a semana com os livros de Maurício de Souza, outro companheiro da Academia, que me dá os livros para eu levar para a minha neta. Ela já me cobra pelos livros. O gosto pela leitura foi passado para meus filhos e agora para os netos também. 

E eu ajudo a povoar esse mundo literário. Meu livro Ética Geral do Profissional, já está indo para a décima edição — um milagre em um país como o Brasil vender livro sobre ética.

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