Confronto caótico

Ataques em São Paulo não são análogos ao terrorismo

Autor

  • Celso Cintra Mori

    é advogado com atuação na área de contencioso cível e empresarial e presidente do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CBPEJ).

13 de novembro de 2012, 7h00

A atual situação da insegurança pública em São Paulo exige cautela e coragem no diagnóstico. É preciso cautela para analisar os fatos segundo o seu próprio significado, e não segundo conveniências e estratégias político partidárias. E coragem para encarar os fatos como efetivamente são. Erram o governador e seu secretário de Segurança quando, contra todas as evidências, vêm a público declarar que está tudo sob controle e que os assassinatos estão diminuindo. Com essa afirmação perdem credibilidade. Ou não sabem o que está acontecendo, ou sabem e dizem o contrário do que pensam. Nenhuma das alternativas tranquiliza a população.

Por outro lado, percepções alarmistas também não se justificam. Não creio que se deva fazer analogia com os movimentos terroristas. Não há o substrato ideológico nem o objetivo de poder que caracterizam aqueles movimentos.

Da mesma forma, é descabido o debate entre jornalistas, dizendo que é uma guerra, e as autoridades, negando. Essa radicalização semântica não leva a nada. É evidente que não há uma guerra convencional, como também é evidente que há um confronto caótico entre vários grupos criminosos, não necessariamente articulados entre si, e a Polícia.

A legislação deve evoluir sempre, mas de forma maturada. Propostas legislativas improvisadas não podem ser uma alternativa para justificar a falta de vontade política e de determinação para fazer o que tem que ser feito. O que tem que ser feito, sem necessariamente mudar radicalmente a lei, é corrigir pelo menos alguns erros crassos que vêm sendo cometidos pelas autoridades e pela sociedade. Alguns desses erros exigem atuação em curto prazo. Ação imediata para:

1 — Ocupar, primeiro com a Polícia e logo a seguir com os demais serviços do Estado, os redutos comandados por criminosos ou forças paralelas. Não adianta o governador dizer que esses redutos não existem em São Paulo, ou se preocupar politicamente em rebater as analogias com o Rio de Janeiro. Basta perguntar aos funcionários medidores de serviços da Sabesp e da Eletropaulo quais são os núcleos habitacionais onde eles são proibidos pelas lideranças locais de entrar para medir o consumo, fiscalizar as ligações clandestinas ou entregar contas.

2 — Combater o consumo e o tráfico de drogas ilegais. A absoluta maioria dos crimes atuais está relacionada a essas drogas. O contrabando de drogas, as guerras entre quadrilhas distribuidoras, a corrupção de menores e outras mulas, a corrupção e a chantagem policiais, a execução dos competidores e dos inadimplentes, os furtos e roubos dos consumidores sem poder aquisitivo que precisam de dinheiro para comprar drogas respondem por mais de 60% ou 70% dos crimes que compõem o cenário caótico atual. Parece que não aprendemos nada com o fracasso da lei seca americana, nem com a criminalidade que ela gerou. A única coisa que é relativamente recente nesse cenário é a gravíssima e epidêmica matança de policiais.

3 — A verdade, doída mas não menos verdadeira, é que a Polícia deu o tom. Resolveu, à revelia da sociedade, que deveria atirar primeiro e perguntar depois. Basta ver o numero de "acidentes" em que têm sido baleadas pela Polícia pessoas e até crianças visivelmente inocentes. E se não matar no confronto, mata na viatura a caminho do hospital. O respeito à vida é um valor que só vai prevalecer se valer para os dois lados. Claro que em determinadas circunstâncias a Polícia tem que atirar para valer. É o bandido que deve respeito à Polícia e não o contrário. Mas, na banalização da morte, o policial tem mais a perder do que o bandido.

4 — Sou favorável à mudança estratégica no combate ao uso de drogas. Entendo que deve ser feito como política séria e radical de saúde pública, e não como política criminal. Mas, enquanto a sociedade brasileira e a mundial não amadurecem essa discussão, é preciso impor respeito à lei existente. É necessário acabar com a hipocrisia que trata a burguesia consumidora como vítima e com tolerância, e trata a periferia fornecedora como delinquente. A lei da oferta e da procura não tem exceções nem justifica privilégios. Sempre que houver demanda, vai haver oferta. Tolerar uma e combater a outra é querer uma coisa e o seu contrário ao mesmo tempo.

5 — Em perspectiva mais ampla e para todos os crimes, é urgente a necessidade de redefinir o conceito de reincidência para fins de prevenção e segregar o reincidente que represente risco à vida ou incolumidade de terceiros. Isso se pode fazer com pequenos ajustes de legislação e ampla revisão da jurisprudência e da atitude da Polícia Civil. O policial arrisca a vida para prender bandidos que vê sair pela porta da frente da delegacia algumas horas depois. Exemplificativamente, a legislação atual, bem interpretada, já permitiria prisão em flagrante por crime de tentativa de homicídio, além do desacato e outros tipos penais, a simples resistência armada à prisão ou diligência policial.

6 — A curto prazo, e com urgência, o sistema penitenciário precisa ser totalmente repensado. Preso primário ou de bom comportamento não tem que ir para a rua. Tem que ir para presídios com melhores índices ou possibilidades de recuperação. A penitenciária tem que deixar de ser a Universidade do crime.

A médio prazo, mas a começar imediatamente, é indispensável pensar e executar uma reforma estrutural profunda na Polícia de São Paulo, que objetive racionalizar e conferir eficiência aos serviços, valorizar as carreiras, harmonizar as atuações da Polícia Civil e da Polícia Militar, e combater a corrupção. Mais do que investir em viaturas e armamentos, é preciso investir em gente e em tecnologia. Um bom policial, motivado e bem orientado, faz mais e melhor de bicicleta do que um mau policial em uma viatura blindada de último tipo.

O Poder Executivo, como administrador penitenciário, e o Poder Judiciário precisam trabalhar juntos para a melhoria do cumprimento da Lei das Execuções Penais, e para reivindicar os ajustes dela ao Congresso Nacional. Na Noruega, o criminoso que matou setenta e tantos jovens por fanatismo político foi condenado, poucos meses depois, a "apenas" 21anos de prisão. Mas nenhum norueguês tem a menor dúvida de que ele cumprirá no mínimo 21 anos de prisão, se tiver bom comportamento, e mais os anos que forem necessários para pagar os ilícitos que eventualmente vier a cometer enquanto estiver preso.

Ações isoladas, fora de um forte conjunto de metas coerentes, não serão capazes de conter os comportamentos gravemente desajustado de delinquentes tratados como animais, que reagem como animais.

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