Violência em São Paulo

É competência da Justiça Estadual julgar crimes do PCC

Autor

12 de novembro de 2012, 17h06

A escalada da criminalidade violenta na região metropolitana de São Paulo tem suscitado um debate jurídico em torno da aplicação da Lei de Segurança Nacional ou da definição penal do terrorismo. Segundo manifestação do ministro Gilmar Mendes, divulgada por ocasião de sua última visita a capital paulista, os ataques do PCC (facção criminosa denominada Primeiro Comando da Capital) não seriam contra vítimas determinadas, mas ataques contra o Estado e como tal deveriam ser tratados.

A imprensa noticiou que foram mortos em São Paulo, neste ano, 92 policiais militares. A onda de violência atual está longe daquela de maio de 2006, quando 540 pessoas, inclusive policiais, foram mortas durante ataques do PCC.[1]

A Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170 de 1983) é arcabouço legal de aplicação repudiada por todos no atual estágio da democracia brasileira pós Constituição de 1988. Sua incidência, hoje, geraria inúmeras controvérsias, inclusive sobre o foro competente para sua aplicação, que não pode ser mais, como na época da ditadura, a Justiça Militar Federal. Entender-se que seria da competência da Justiça Federal ordinária o julgamento de crimes contra a segurança nacional praticados por civis, no caso dos ataques do PCC, seria pretender dar-lhes qualificação de crimes políticos (art. 109, IV, CF), o que não tem qualquer sentido, pois a motivação nada tem de política. De outro lado, por sua maior capilaridade e pela atuação do Ministério Público Estadual, que vem acompanhando, faz tempo, a atuação daquela facção criminosa nos presídios paulistas, o melhor parece ser deixar a tarefa de julgamento dos crimes a cargo da Justiça Estadual paulista, sem embargo da polêmica jurídica que advém da criação de um gabinete jurisdicional de crise, diante da proibição constitucional de juízos de exceção e do princípio constitucional do juiz natural.

Há diversas convenções internacionais e regionais referentes ao terrorismo como a Convenção para a Repressão a Atentados Terroristas com o Emprego de Explosivos de 1997 e a Convenção das Nações Unidas para a Repressão do Financiamento do Terrorismo de 1999. A primeira procura negar refúgio aos responsáveis por atentados terroristas com o uso de explosivos e obrigar os Estados a punir ou extraditar os mesmos, enquanto a segunda busca obrigar os Estados a punir ou extraditar os responsáveis por financiar atentados terroristas e requerer aos bancos que tomem medidas para identificar transações suspeitas.

Entretanto, nenhuma delas tipifica claramente o que seja o crime de “terrorismo”. A ONU chegou a editar uma Convenção para a Prevenção e Repressão ao Terrorismo, que nunca chegou a entrar em vigor, mas que deu um conceito de terrorismo:"Fatos criminosos dirigidos contra um Estado e cujos fins ou natureza consiste em provocar o terror em pessoas determinadas, grupos de pessoas ou no público de forma geral".[2]

A Comissão de Juristas, nomeada pelo Senado para elaborar um anteprojeto de novo Código Penal, enfrentou, por provocação do ministro Gilson Dipp, a questão. Após intensos debates, com as contribuições especiais do advogado Marcelo Leal Lima Oliveira e do procurador da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, foi incluída no anteprojeto, a seguinte proposta de tipificação do terrorismo, que integra, hoje, o PLS 236 de 2012, ora em tramitação no Senado:

TÍTULO VIII
CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA
Capítulo I
Do crime de terrorismo
Terrorismo
Art. 239. Causar terror na população mediante as condutas descritas nos parágrafos deste artigo, quando:
I — tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe;
II — tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; ou
III — forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.
§ 1º Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado;
§ 2º Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
§ 3º Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado;
§ 4º Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados;
§ 5º Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares:
Pena — prisão, de oito a quinze anos, além das sanções correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas.

Forma qualificada
§6º Se a conduta é praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos:
Pena — prisão, de doze a vinte anos, além das penas correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas.

Exclusão de crime
§ 7º Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade.
Financiamento do terrorismo
Art. 240. Oferecer ou receber, obter, guardar, manter em depósito, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativos, bens e recursos financeiros com a finalidade de financiar, custear ou promover a prática de terrorismo, ainda que o atos relativos a este não venham a ocorrer:
Pena — prisão, de oito a quinze anos.

Favorecimento pessoal no terrorismo
Art. 241. Dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saiba ou se tenha fortes motivos para saber, que tenha praticado ou esteja por praticar crime de terrorismo:

Pena — prisão, de quatro a dez anos.

Escusa Absolutória
Parágrafo único. Não haverá pena se o agente for ascendente ou descendente em primeiro grau, cônjuge, companheiro estável ou irmão da pessoa abrigada ou recebida. Esta escusa não alcança os partícipes que não ostentem idêntica condição.

Disposição comum
Art. 242. As penas previstas para os crimes deste Capítulo serão aumentadas até a metade se as condutas forem praticadas durante ou por ocasião de grandes eventos esportivos, culturais, educacionais, religiosos, de lazer ou políticos, nacionais ou internacionais.

A proposta foi aprovada por maioria, pois o tema encerra controvérsias e não teve consenso nem entre os membros da Comissão. A questão dos movimentos sociais, como o MST, foi objeto de discussão e acabou sendo objeto da ressalva contida no §7º do artigo 239 do Projeto, que visa excluí-los do campo de incidência da norma incriminadora.

Com a palavra o Congresso Nacional, que pode aprimorar o projeto, naturalmente, inclusive na adequação das penas propostas ao princípio da proporcionalidade, pois as sanções estão muito elevadas.


[1] Folha de São Paulo, pág. 2, Cotidiano 1, edição de 10/11/12.

[2] BRANT, Leonardo Nemer C. & LASMAR, Jorge Mascarenhas. O Direito Internacional e o terrorismo internacional: novos desafios à construção da paz. In: BRIGAGÃO, Clóvis & DOMÍCIO, Proença Jr. (org.). Paz &Terrorismo. São Paulo: Editora Hucitec, 2004, p. 184.

Autores

  • Brave

    é advogado criminalista, professor e chefe do Departamento de Direito Penal e Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da UFMG, presidente da OAB-MG (1998 a 2003) e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado para elaborar anteprojeto de Código Penal.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!