Excesso de processos

Reorganização do Judiciário melhoraria julgamentos

Autor

  • Fábio Martins de Andrade

    é advogado doutor em Direito Público pela UERJ e autor da obra “Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF”.

11 de novembro de 2012, 6h52

Muito se fala — e se lê — sobre a morosidade do Poder Judiciário e a sua umbilical relação com o enorme — e até desumano — volume de processos que cada vez mais tramitam no País.

Há pontos positivos que também devem ser considerados, como o paulatino crescimento da constitucionalização de diferentes áreas do Direito (antes reservada a uma esfera particular), da judicialização da política e da vida pública (em oposição a inércia do Poder Legislativo) e do senso cívico e do conhecimento de seus direitos que os cidadãos brasileiros vem experimentando nesse processo democrático (inaugurado com a promulgação da Constituição Federal de 1988). Todavia, os pontos negativos relacionados ao elevado número de recursos em trâmite no Poder Judiciário e a sua consequente morosidade são também por todos conhecidos.

Três críticas devem ser elaboradas no tocante à organização do Poder Judiciário, que certamente contribuem para gerar e manter o atual estado de coisas indesejável: o excesso de competência do STF, o sistema dual de recursos para os Tribunais Superiores e a atual fragilidade do STJ e o mecanismo de funcionamento da Justiça Eleitoral.

De fato, as alíneas constantes nos incisos do artigo 102 da Constituição da República que enumeram a competência do STF são demasiadamente excessivas e comportam várias hipóteses que muito se distanciam da competência própria de uma Corte Constitucional, como declaradamente pretende ser o STF.

Hoje, pode-se dizer que o STF até é uma Corte Constitucional, pela competência exclusiva e centralizada que tem em matéria de controle de constitucionalidade, mas não é só isso. É muito mais. E quem perde com isso? O jurisdicionado, que vê a Suprema Corte acumulando papéis que vão muito além da sua desejável competência — e vocação — de Corte Constitucional, com o consequente aumento do número de recursos e demora nas decisões (volume e morosidade).

Essa crítica liga-se umbilicalmente com a próxima, relacionada ao sistema dual de recursos para os Tribunais Superiores. Com efeito, hoje o sistema processual está estabelecido (pela legislação e jurisprudência) de modo que, muitas vezes, é necessário percorrer determinado caminho recursal que é sabido e declaradamente fadado ao insucesso, isto é, apenas para cumprir aspectos formais para aceitação de outros recursos interpostos que, aí sim, são o objetivo da demanda.

Exemplo disso é a oposição de embargos de declaração para fins de prequestionamento e a necessária interposição de recurso especial ou recurso extraordinário (com o agravo de despacho denegatório e o agravo regimental) quando o acórdão recorrido contém o tal “duplo fundamento”. Veja a quantidade de recursos mencionada acima, todos despiciendos para a solução da lide, apenas necessários para atender requisitos formais.

Ora, esse excesso de recursos leva a uma realidade deplorável na prestação jurisdicional do STJ que, assoberbado pelo enorme volume de trabalho cai na armadilha da morosidade com frequência maior que a desejada. A solução que se tem vislumbrado no âmbito legislativo é cada vez mais limitar o acesso dos jurisdicionados a essa “terceira instância” (o que é na prática).

Ainda na prática, o próprio STJ tem definido mecanismos de funcionamento que fazem com que uma sessão de julgamento lembre — bastante até — uma locução de rádio ou até corrida de cavalos, tal a rapidez com que se dá. Chega a ser uma experiência antropológica assistir um julgamento no STJ hoje.

Evidentemente, assim agindo, o STJ peca muito pela má qualidade de seus julgados. Quem perde com isso? O jurisdicionado, à toda evidência. Mas, também o STJ que, cada vez mais, se vê enredado na “terceira instância” que assume na vida prática da organização do Poder Judiciário, ao invés de atuar como a última instância capaz de dar a última palavra nas matérias infraconstitucionais e no tocante à uniformização da jurisprudência. Não faz nem um e nem outro. Resultado: hoje a flutuação jurisprudencial do STJ e o vai-e-vem do entendimento dos seus julgados levam o jurisdicionado a perplexidades difíceis até de explicar, por vezes, a uma pessoa leiga.

Por último, é notável o maior relevo que a Justiça Eleitoral vem assumindo no País desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. Hoje, sua atividade é tão relevante e permanente que a composição do TSE não deveria contar com Ministros do STF e do STJ e o seu funcionamento deveria ser permanente, nos horários de expediente ordinários do serviço público, de modo a buscar maior excelência na prestação jurisdicional (que já tem sido boa, diga-se de passagem).

Isso certamente sobrecarregaria muito menos os ministros tanto do STF como também do STJ que, além de suas cadeiras ordinárias, assumem rotativamente a cada biênio, também cadeiras no TSE. Não se duvida da capacidade dos referidos ministros. Ao contrário, critica-se, nesse ponto, o acúmulo de funções, que acaba prejudicando a prestação jurisdicional em razão do volume e morosidade.

Concluindo, se os três pontos anteriormente abordados fossem devidamente equacionados com razoável racionalidade certamente muito contribuiria para o melhor funcionamento e ainda maior qualidade da prestação jurisdicional.

Enquanto isso não ocorre, medidas paliativas e pontuais, como afunilar cada vez mais o acesso aos Tribunais Superiores (já se fala de criar a repercussão geral no âmbito do STJ), serão adotadas e ocupará em vão tanto o Poder Legislativo (no trâmite das propostas) como também o Poder Judiciário (na implementação das novidades).
 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!