Crime x terrorismo

Lei de Segurança Nacional não se aplica ao caso paulista

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7 de novembro de 2012, 13h53

Como uma notícia de pouco valor, alguns braços da imprensa paulista noticiaram que o i. delegado-geral de Polícia pretendeu tipificar os fatos criminosos cometidos, principalmente no último mês em São Paulo, como inerentes à Lei de Segurança Nacional.

A ideia é ruim por uma simples razão: a lei é clara e por seu próprio dispositivo inicial não permite sua aplicação senão para proteger bens exclusivamente constitutivos do Estado de Direito previamente estabelecido em lei. Não se duvide, por outro lado, que o delegado-geral estivesse bem intencionado e o secretário de Segurança Pública correto em sua posição técnica, contrária a tal aplicação.

A Lei de Segurança Nacional, como o próprio nome já diz, é a lei que protege o Estado brasileiro contra atentados ao seu regime e forma de governo, ou seja, contra atos que ousem usurpar o Poder Constituinte (originário) ao impor nova estruturação ou impor agentes públicos por outra forma que não estabelecida pela Carta Política.

Em breviário, a LSN nada mais é que a guardiã penal da estrutura formal do Estado de Direito previamente estabelecido pela Constituição da República.

Tal assertiva resta clara no próprio artigo 1ª da Lei 7.170/83, quando estabelece os bens jurídicos protegidos pelos tipos penais, indicando, de modo extremamente restrito, as hipóteses de aplicação:

“Art. 1º — Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:
I — a integridade territorial e a soberania nacional;
Il — o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito;
III — a pessoa dos chefes dos Poderes da União.”

Não parece necessário dissertar sobre o conceito de território e nem de soberania, assim como desnecessária a explicação do que signifique regime representativo, democracia, Federação e Estado de Direito. Por outro lado, é claro que todos os objetos conceituais protegidos são constitutivos do que podemos chamar, em termos simples, de Estado Constitucional brasileiro.

Assim, a LSN visa proteger, ultima ratio (pois de caráter penal) a forma de Estado (federação), a forma de governo (república), o sistema de governo (presidencialista) e o regime político (democracia).

Como em quase todos os tipos penais a importância dos motivos revela-se fundamental, pois é do artigo 2ª da lei que se depreende o principal aspecto deste exercício:

“Art. 2º — Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei:
I — a motivação e os objetivos do agente;
II — a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior.”

O i. delegado-geral de Polícia verificou que os “crimes” cometidos também eram previstos na LSN, com penas mais duras (quanto ao tempo), intentando assim apenar segundo sua posição filosófica (que deve ser respeitada!) de modo mais adequado ao alarma causado por tais condutas. A crítica à adequação do fato do mundo exterior ao tipo penal portador de pena mais grave (e apenas por ser mais grave) não cabe, infelizmente, nesse modesto exercício.

Mas vale dizer que o critério foi exclusivamente de quantum da punição e não dos motivos desses agentes criminosos.

Terão querido violar a integralidade de nosso território ou nossa soberania (que segundo José Afonso da Silva é o poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação, havendo supremacia na ordem interna e independência na ordem externa)?

Terão querido usurpar a representatividade legal dos agentes do Executivo ou do Legislativo (representatividade), o conceito de federação e o Estado de Direito, este que, antes de qualquer sofisma, é conceituado como o Estado que tem os seus poderes limitados pela lei?

Terão querido assassinar deputados, presidente ou ministro presidente do STF?

Sobre esse último aspecto valioso apontar que os bens protegidos são constitutivos do Estado brasileiro e de proteção da União de estados, do território nacional, da nossa soberania como país, tanto assim que apenas os agentes democraticamente eleitos pelo povo para exercer mandatos no Executivo e no Legislativo Federal recebem a especial proteção dessa lei.

A lei é suficientemente óbvia nesse sentido: sua aplicação só deve incidir em casos de revoluções contra o país, sempre valendo lembrar que a contestação pacífica, dialética e política também não podem sofrer sua incidência.

Ademais, o que seriam dos monarquistas se não fosse assim?

Por fim, um apontamento de aparência válida. Temos que ter cuidado com as nomenclaturas, com os nomes que damos as coisas e, principalmente, cuidarmos de não oferecermos tratamento igual às coisas desiguais.

Embora todo terrorista seja um criminoso, nem todo criminoso, por mais violento e organizado que seja, é um terrorista.

Ouvem-se críticas à tipificação do terrorismo que colocada pela Comissão de Reforma do Código Penal e a cautela desta em excluir movimentos sociais. Os conceitos são amplos. O que é movimento social? O que é um crime cometido por movimentos sociais? Pelo que lutam? Lutam com armas? Lutam com ideais? Cometem crimes porque criminosos, ou os cometem sabendo que tais crimes são aptos a violar a estrutura de Poder? Praticam atentados indiscriminados (elemento fulcral do tipo de terrorismo na maioria das legislações do mundo) ou praticam simplesmente crimes?

São essas perguntas que devem ser respondidas para que invasões de fazendas e danos às plantações não sofram punições (sim, que devem ser punidas) como àquelas de agentes que jogam aviões em prédios lotados de pessoas.

Por fim, uma pequena bobagem. Certa feita, assistindo ao seriado “24 Horas”, que tinha como protagonista o anti-herói Jack Bauer, deparei-me com um belo diálogo (sim, eles existiam!).

Jack Bauer, prestes a torturar um terrorista (aquele sim fazia parte de um grupo que praticava atentados indiscriminados), sofre uma chamada para que não cometesse a barbárie de torturar. Tentando defender o absurdo que cometeria, afirmou: “Mas estamos em guerra.” E recebeu como resposta uma bela lição: “A lei vale pouco na paz. É na guerra que o respeito a ela se mostra essencial. É o que nos diferencia de nossos inimigos.”

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